Mel
- Olha - me acomodava no chão - obrigada de novo- Não tem que agradecer - ele virou a cabeça, voltando a me olhar
- Eu pensei que você era diferente - mantinha os olhos no teto
- Como os caras do bar?
- Não. Diferente.
- Diferente?
- Diferente. - perdi a paciência momentaneamente - por que não posso ir embora? - virei a cabeça em sua direção
- Você quer mesmo ir embora?
- Não sei. Não quero encarar ninguém, ter que ficar relembrando o que aconteceu e contando e recebendo os olhares de pena junto das palavras de misericórdia
- Eu passo a ordem de não chegarem perto de você - soltei uma gargalhada, mais alta da que tínhamos soltado a poucos minutos antes - qual é a graça?
- Você - ele fechou a cara e passou a mão pela boca - não pode controlar tudo
- Você que pensa - ele puxou o rádio da cintura e analisou - isso é como propina pra político
De forma um tanto quanto inesperada permanecemos a nos olhar e uma estranha adrenalina passou da ponta dos meus dedos a minha cabeça. Uma forte batida na porta me fez levantar rapidamente
- De novo - ele levantou com dificuldade e abriu a porta - mãezinha?
- Oi filho - pude ver suas mãos acariciando o rosto dele - quem é que tá aqui com você?
- Ninguém - ele se apoiou na porta e pressionei a testa
- Melissa? - seus olhos alternavam da minha roupa, que eram do filho dela, e o hematoma em meu olho
- Dona Maria - levantei querendo sumir
- Esteve aqui o tempo todo - ela, agora, ria e passava as mãos por meus braços - graças ao espírito santo - ela me envolveu num aconchegante abraço, olhei para Portuga por cima de seu ombro, que encarava a cena com tanta estranheza quanto eu
- Espera, o que? - ele apontava confuso pra nós duas
- Eu e as mães estávamos muito preocupadas com você. Saiu sem mais nem menos, a última vez que te viram, você tava subindo o morro, tem noção do quanto isso foi perigoso
- Sim - abaixei a cabeça - só queria esquecer de tudo que estava acontecendo
- E como veio parar aqui? - ela se virou pro Portuga, rapidamente arregalei os olhos
- Encontrei ela num bar e a trouxe pra cá
- Mesmo? - ele assentiu - estou orgulhosa - ele abriu um sorriso igual das crianças recebendo presente do papai noel - e você nunca mais da um susto desse na gente. Fui ontem te entregar os materiais e conversar contigo e me deparei com uma multidão na tua porta te procurando
- Mãezinha, chega - ele segurou seu braço - a Melissa não é sua filha e já passou por coisa demais, a última coisa que precisa é sermão
- Ai, mas é como se fosse minha filha - sorri de canto - e que bom que está tudo bem, podemos resolver as coisas depois que se recuperar
- O que? Não
- Sim. Pega suas coisas e vamos pra casa da Sônia, outra que está morrendo de preocupação
- Tá - subi para pegar minhas roupas, os deixando conversando
Lá em cima revivi as cenas de ontem, desde os socos que levei de seu Oliveira até o pano quente que Portuga pressionou sobre minha barriga. Fiquei pensando o que levou ele a me ajudar daquela forma, não ouvia muito sobre ele, e nem procurava saber
Desde criança fui ensinada sobre o certo e o errado, e sabia que a vida que ele e mais tantos outros levava era errada e o tanto que pudesse evitar seria melhor. Mas em tanto tempo, algo relacionado a isso me despertou curiosidade
Ainda criança, Dendê era quem comandava o complexo, ele surpreendeu todos ao mudar as leis do morro e promover o bem estar de todos aqueles socialmente prejudicados, nós. Investiu em escolas e hospitais e até roda gigante construiu. Depois, já mais velha, soube que foi administrar o tráfico de fora, no internacional, e deixou seu braço direito com o morro, esse que nunca me preocupei em saber quem era
- Ou - me embaralhei em meus pensamentos e voltei a atenção a Portuga, que me encarava encostado na porta - tá de boa?
- To, só tava pensando
- Soube que é a nova professora da escola da minha mãe - assenti - maneiro
- É. Posso te fazer uma pergunta?
- Não
- Por fez tudo isso? - ele hesitou e encarou a parede atrás de mim
- Ela tá te esperando lá embaixo
Desci as escadas e saí com Maria. Ao descer o morro, Dona Sônia chorava e me abraçava, assim como dezenas de outras mães, não conhecia maioria, mas me senti acolhida e protegida, o que eu mais precisava naquele momento.
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AMANTES
Fanfiction📍Complexo do Alemão "Intensos momentos naqueles poucos instantes nosso tesao tão perto nosso amor tão distante garota eu nunca te pedi pra me entender não posso ser nada além do que um simples amante"