15

38 4 0
                                    

Mel
- Olha - me acomodava no chão - obrigada de novo

- Não tem que agradecer - ele virou a cabeça, voltando a me olhar

- Eu pensei que você era diferente - mantinha os olhos no teto

- Como os caras do bar?

- Não. Diferente.

- Diferente?

- Diferente. - perdi a paciência momentaneamente - por que não posso ir embora? - virei a cabeça em sua direção

- Você quer mesmo ir embora?

- Não sei. Não quero encarar ninguém, ter que ficar relembrando o que aconteceu e contando e recebendo os olhares de pena junto das palavras de misericórdia

- Eu passo a ordem de não chegarem perto de você - soltei uma gargalhada, mais alta da que tínhamos soltado a poucos minutos antes - qual é a graça?

- Você - ele fechou a cara e passou a mão pela boca - não pode controlar tudo

- Você que pensa - ele puxou o rádio da cintura e analisou - isso é como propina pra político

De forma um tanto quanto inesperada permanecemos a nos olhar e uma estranha adrenalina passou da ponta dos meus dedos a minha cabeça. Uma forte batida na porta me fez levantar rapidamente

- De novo - ele levantou com dificuldade e abriu a porta - mãezinha?

- Oi filho - pude ver suas mãos acariciando o rosto dele - quem é que tá aqui com você?

- Ninguém - ele se apoiou na porta e pressionei a testa

- Melissa? - seus olhos alternavam da minha roupa, que eram do filho dela, e o hematoma em meu olho

- Dona Maria - levantei querendo sumir

- Esteve aqui o tempo todo - ela, agora, ria e passava as mãos por meus braços - graças ao espírito santo - ela me envolveu num aconchegante abraço, olhei para Portuga por cima de seu ombro, que encarava a cena com tanta estranheza quanto eu

- Espera, o que? - ele apontava confuso pra nós duas

- Eu e as mães estávamos muito preocupadas com você. Saiu sem mais nem menos, a última vez que te viram, você tava subindo o morro, tem noção do quanto isso foi perigoso

- Sim - abaixei a cabeça - só queria esquecer de tudo que estava acontecendo

- E como veio parar aqui? - ela se virou pro Portuga, rapidamente arregalei os olhos

- Encontrei ela num bar e a trouxe pra cá

- Mesmo? - ele assentiu - estou orgulhosa - ele abriu um sorriso igual das crianças recebendo presente do papai noel - e você nunca mais da um susto desse na gente. Fui ontem te entregar os materiais e conversar contigo e me deparei com uma multidão na tua porta te procurando

- Mãezinha, chega - ele segurou seu braço - a Melissa não é sua filha e já passou por coisa demais, a última coisa que precisa é sermão

- Ai, mas é como se fosse minha filha - sorri de canto - e que bom que está tudo bem, podemos resolver as coisas depois que se recuperar

- O que? Não

- Sim. Pega suas coisas e vamos pra casa da Sônia, outra que está morrendo de preocupação

- Tá - subi para pegar minhas roupas, os deixando conversando

Lá em cima revivi as cenas de ontem, desde os socos que levei de seu Oliveira até o pano quente que Portuga pressionou sobre minha barriga. Fiquei pensando o que levou ele a me ajudar daquela forma, não ouvia muito sobre ele, e nem procurava saber

Desde criança fui ensinada sobre o certo e o errado, e sabia que a vida que ele e mais tantos outros levava era errada e o tanto que pudesse evitar seria melhor. Mas em tanto tempo, algo relacionado a isso me despertou curiosidade

Ainda criança, Dendê era quem comandava o complexo, ele surpreendeu todos ao mudar as leis do morro e promover o bem estar de todos aqueles socialmente prejudicados, nós. Investiu em escolas e hospitais e até roda gigante construiu. Depois, já mais velha, soube que foi administrar o tráfico de fora, no internacional, e deixou seu braço direito com o morro, esse que nunca me preocupei em saber quem era

- Ou - me embaralhei em meus pensamentos e voltei a atenção a Portuga, que me encarava encostado na porta - tá de boa?

- To, só tava pensando

- Soube que é a nova professora da escola da minha mãe - assenti - maneiro

- É. Posso te fazer uma pergunta?

- Não

- Por fez tudo isso? - ele hesitou e encarou a parede atrás de mim

- Ela tá te esperando lá embaixo

Desci as escadas e saí com Maria. Ao descer o morro, Dona Sônia chorava e me abraçava, assim como dezenas de outras mães, não conhecia maioria, mas me senti acolhida e protegida, o que eu mais precisava naquele momento.

AMANTESOnde histórias criam vida. Descubra agora