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Mel
Socos na porta me fizeram pular do sofá em que eu tirava um cochilo, a faculdade acaba comigo

- Bate mais fraco da próxima vez - abri a porta enquanto coçava os olhos

- Tá - Malu entrou com duas bolsas e uma mochila

- Vai se mudar? - ela riu forçado e jogou as bolsas em mim

-  Melissa - ela paralisou com o celular na mão - teve operação hoje

- O que?

- Foi a tarde, a gente não tava aqui - ela dizia boquiaberta - foi civil, ninguém morreu

- Amém - liguei a chapinha na tomada - mais um motivo pra comemorar

- Real - ela sentou ao meu lado no chão - e como foi com os traficas ontem?

- Fui lá no ponto do Cabeleira crente que ia dar o dinheiro e voltar - ela assentia curiosa - ai essa cabeça fala que eu tenho que subir pra falar com o projetinho de pedrinho matador

- O que matou o cigano? - ela ria quase comendo a base

- É, o tal do Portuga

- Portuga - repetimos algumas vezes - gostamos desse vulgo?

- É, mais ou menos, a criatividade deles acabou pra isso - ela assentiu franzindo as sobrancelhas

- Mas e aí, o cigano apareceu atrás do seu ombro mandando tu pagar?

- Não, foi teu ex mesmo - ela deixou o pincel cair e abriu a boca, em choque

Rapidamente pôs na caixinha "uma ex", do Murilo Huff, cantou de trás pra frente com a cabeça entre as pernas. Logo estávamos no chão gargalhando 

Terminamos de nos arrumar e colocamos um saco de macarrão pra cozinhar, quando lembrei do lance do meu pai

- Nem te contei - ela arregalou os olhos de leve - meu pai vai sair amanhã

- Como? Quem falou isso?

- O Portuga - ela estalou a língua e franziu os olhos

- E esse francesinho de terceira tirou isso da onde?

- Falou que falaram pra ele

- Ata e falaram que falaram pra mim que eu tenho pau

- Será que da pra você levar as coisas a sério - ela ria enquanto eu a olhava desacreditada

- Foi mal, mas não esquenta com isso, de verdade - ela fechou a cara - qualquer coisa fica lá em casa, não deixa isso atrapalhar você, tá indo muito bem

- Fofa - dei um beijo em sua bochecha

- Melissa, tá sentindo - ela começou a fungar

- O que?

- O macarrão - corremos pra panela, o cheiro de queimado infestou minha cozinha, tava com uma consistência estranha, comemos mesmo assim e fomos

Enquanto subíamos, os botecos e bares estavam agitados, e todos os comércios já estavam fechados. Ao chegarmos, a música tava estourando, fomos logo nos enfiando.
Em questão de minutos me perdi dela, fui ao bar na tentativa de a encontrar ela e pegar bebida pra gente

- Barman - ele se debruçou e me deu o ouvido - duas caipivodkas

- De que - ele gritou por conta do barulho e passou a mão pelas inúmeras garrafas na bancada

- Pode escolher - ele assentiu e começou a mexer nas coisas

Olhando em volta, vi duas meninas discutindo e logo as reconheci;
Alana e Nina. Alana é a puta mais putada do morro, além de marmita de trafica é completamente desequilibrada, sempre arrumando confusão. Ainda na escola, ela deu com um caderno na cara da Maria Luiza. Nina estudou com todas nós, no penúltimo ano se assumiu trans, causou um alvoroço, ela saiu do colégio e nunca mais a vi.

Cheguei mais perto, Alana derrubou um copo cheio de bebida em cima de Nina, cuspiu e foi em direção ao camarote dos gerentes. Rapidamente tirei minha jaqueta e fui até ela;

- Nina - me ajoelhei, ficando cara a cara com ela

- Melissa. Da municipal - ela disse baixinho, pus minha jaqueta sobre seus ombros e peguei papel com o barman

- É - secava seus cabelos com cuidado - o que houve?

- Eu me envolvi com um gerente - ela dizia entre lágrimas

- E a marmita deles se doeu - ela assentiu, colocando a cabeça entre as pernas

- Sabe o que é a pessoa que você ama, que diz que te ama, ter vergonha de você? Do seu corpo? De quem você é?

- Eu não sei. Mas sei que se ele tem vergonha do mulherão que você é, ele não merece seu amor

- Amor não é coisa pra travesti. Alana disse que nem mulher de verdade eu sou, e o que eu tenho entre as pernas prova isso

- Nina isso não te faz menos mulher do que ela nem ninguém - joguei os papéis no lixo - vem, vou pedir um uber pra você - levantamos e fomos até a porta do baile

Ela agradeceu e entrou no uber, ao me virar para voltar, bati com força em alguém 

- Foi mal - estendi a mão, num gesto de desculpa, mas logo o reconheci - menino dos penhores

- Morena da dívida

AMANTESOnde histórias criam vida. Descubra agora