Capítulo 10

3 1 0
                                    

A noite da festa chegou. Na praça da cidade, casas de palha são erguidas. Há bandeirinhas coloridas e balões de São João pendurados por todos os lados. O cheiro da comida exala por todos os cantos, bolos, milho, canjica, amendoim, pé de moleque, maçã do amor e pamonha. Toda a cidade se concentra na localidade, estão, a maioria, com vestimentas de estampa xadrez. Os habitantes de Serra do Conde demonstram rostos alegres e tranquilos, enquanto dançam, conversam e comem ao som da música. Uma mudança drástica comparada à primeira noite de lua cheia. No centro da área, uma imensa fogueira é erguida, lançando suas faíscas no céu estrelado. E as suas labaredas dançam até as altas horas da noite. Jônatas e eu caminhamos por entre a multidão em busca de conhecidos. Toda a cidade já sabe que lutei com um lobisomem e é comum me pararem para me encherem de perguntas, mas nem tudo respondo, pois é bom manter o sigilo.

Encontramos o delegado junto de seus companheiros de trabalho. Eles não param de falar sobre aquela noite.

— Aquele bicho tinha uns dois metros de altura! — diz um.

— Sim, Só a pata daquele bicho é do tamanho do meu rosto! E pensar que esse tempo todo era o Franzino do Eliseu. — Fala o policial. E toma um gole de sua cerveja. — Onde você aprendeu a luta daquele jeito, Heitor?

— Eu fiz um curso — Minto. — Foi depois que terminei a academia de polícia.

— E você meu jovem? — Pergunta Luiz — É um cabra bom de briga também?

— Mas é claro que sim. Sei alguns truques — diz ele.

Há um policial encostado em um poste, ele tem um aspecto sombrio e parece e olha o para o vazio.

— Nunca vou esquecer as coisas que vi naquela noite... É incrível! Ele em algumas coisas lembrava um homem, tinha dois braços e duas pernas, a fisionomia que nem a de um homem, mas era cheio de pelo, como se vestisse uma pele de lobo.

— Duas pernas? — Questionei. — Mas o lobisomem era quadrúpede?

— Como assim? Ele andava com duas pernas e tinha algumas características que lembrava um homem.

Jônatas e eu nos entreolhamos.

— É verdade, o que vimos, andava sobre duas pernas.

— Mas eu vi um que andava sobre quatro!

— Espere um minuto! — exclamei — Quem mais viu um lobisomem de duas pernas?

Ao todo quatro pessoas levantaram as mãos. Eu, o delegado, Alfredo e Jônatas, ficamos em silêncio nos encarando por um bom tempo. Olhei ao redor e vi todas aquelas pessoas, todos aqueles rostos felizes e despreocupados, confiantes de que nada vai atacá-los. Então olho para o alto e vejo aquela imensa lua cheia no céu, exalando todo o seu poder sobre o corpo de qualquer um que tenha a maldição. Eu devia ter me precavido, devia ter pensado na possibilidade de haver outra criatura. Já deve ter se transformado a essa hora do noite e pode estar vindo para cá.

— Temos que tirar todos daqui! — grito. — Mandem para a música.

O delegado atende as minhas ordens e se dirigi a banda. Precisamos parar a música para conseguir a atenção das pessoas.

— Será que há mais algum lobisomem, além desse? — fala Jônatas.

— Eu espero que não, mas a minha verdadeira preocupação é em tirar essas pessoas da rua...

— Ei, Heitor. — Fala Francisco, acenando para nós. Ele está junto de sua esposa — pensei que já tinham ido embora.

— Escutem — falo secamente — Há um segundo Lobisomem — O sorriso deles some. — Vocês têm que sair das ruas e...

A música cessa e a multidão se volta para o palco onde está a banda. Luiz está em cima do palco com o rosto sério e as pessoas cochicham sobre o que pode ter acontecido.

— Escutem! — Grita ele. — A festa tem que acabar.

E um lamento de decepção é ouvido, interrompendo a fala do delegado. Ele se irrita com isso.

— Acabamos de descobrir que há mais uma fera a solta e para a segurança de todos, vocês devem sair da rua o mais rápido possível! Vão para as suas casas, ou a de amigos, vizinhos ou a igreja, mas saiam de campo aberto!

O prefeito tenta subir no palco quando um grito feminino é ouvido, o som torna-se em coro em seguida. Torno a olhar para os lados e vejo, em cima do telhado de uma casa, ele. Apoiado sobre duas pernas. Ele possui grandes músculos, garras afiadas e uma grande ferocidade em seu rosto, do tipo que te mataria sem misericórdia. Ele lança um uivo sobre a noite e o caos se instaura, sou empurrado para todos os cantos pela multidão. Quase caio no chão e sou pisoteado até a morte. É um pandemônio! E a situação só piora quando a fera salta para o solo. Ele avança para cima de um homem, morde o seu braço e o lança para longe. Em seguida, corre para a frente, acabando com quem estiver em seu caminho. Adultos, velhos e crianças tentam correr das garras do bicho. Uma barraca de palha despenca e a outra pega fogo. As pessoas correm desesperadas para a casa mais próxima e se trancam lá dentro. O padre da cidade tropeça nos degraus, mas consegue se encarcerar na igreja e bate à porta na cara de uma freira desesperada.

"Padre pela mor de Deus!"

Ela desiste de bater na porta principal e corre para uma pequena portinha que fica no lado direito do prédio e desaparece.

Finalmente ouço tiros. E perco Francisco e sua mulher de vista. Jônatas atira o pó branco na cara do bicho que estraçalhava um policial. Há pocas pessoas agora na praça e ele aproveita para atirar várias vezes contra a criatura. Ele consegue acertar um tiro. A fera corre em sua direção, mas ele desvia a tempo, como se fosse um acrobata experiente. Ele salta e caí de pé (ele disse que conhecia uns truques). Estou atrás da criatura e lanço uma adaga pontiaguda nas suas costas. Ele uiva de dor e Jônatas aproveita para alvejá-lo mais uma vez, mas não consegue, pois acabaram as balas de sua arma. Então é a minha vez de descer o chumbo no bicho, mas, antes de sacar a arma, o delegado chega com dez homens armados. Jônatas e eu nos abaixamos, o lobisomem novamente dá um salto e os homens dispararam, mas nenhum tiro o acerta. Em vez disso, uns três azarados, que não tinham nada a ver com o assunto, foram atingidos. E o lobo foge para os telhados das casas e começa a escalar e correr, como se fosse um macaco. Nos deixando entre aquele rastro de destruição. 

Serra do CondeOnde histórias criam vida. Descubra agora