O sol raiou e as pessoas puderam sair de seu esconderijo. Havia corpos, restos de comida, sangue, cartuchos de bala, fogo e destroços por todos os lados. Ninguém mais possuía aquele rosto alegre e esperançoso, está tudo destruído e o que restou foi medo e espanto.
Eu devia imaginar que existia uma nova criatura. Eu não devia sair tão rápido da cidade. Tudo havia se resolvido tão rápido, eu deveria pelo menos ter suspeitado. Esse lobisomem é pior do que Eliseu, ele é mais forte, mas veloz e, com certeza, é ciente de seus atos. Sim, seja lá o que ele queria com essa chacina, foi premedita. Esperou que todos se juntassem, despreocupados, no mesmo lugar para atacar. Com certeza, percebeu a oportunidade por pensar que iriamos embora daqui. Se eu não tivesse ouvido o Jônatas, Serra do Conde estaria entregue em suas mãos. Será que foi mesmo o Eliseu a matar todas aquelas pessoas? É o que devo descobrir!
Estou junto do delegado e do Jônatas, nenhum de nós dormiu esta noite. Ficamos acordados vagando pela cidade à procura da fera. Ontem também tivemos uma reunião de emergência com o prefeito. E levantei as minhas teses: estávamos mesmo lidando com um maníaco, um maníaco com superpoderes animalescos! Estamos vagando pela praça. Vejo algumas pessoas gravemente feridas andando pela rua. Elas estão assustadas e dificilmente superaram o trauma. Sinto alguns olhares lançados para mim e não esperaria outra coisa.
Há uma mulher — uma enfermeira da cidade — tentando ajudar um homem ferido. Ele segura, com cuidado, o seu braço ensanguentado, levanta a manga de sua camisa e toma um susto. Ela começa a gritar e a multidão se volta para eles.
— Ele foi mordido! — ela fala. E limpa as suas mãos como se a maldição fosse pega apenas pelo contato com sangue. — Ele vai virar aquele bicho hoje à noite! — Diz apontando para ele.
As pessoas começam a cochichar aqui e ali. Rapidamente as conversinhas começam a aumentar até virarem um coro de pavor e indignação. “Ele vai nos matar na primeira oportunidade!” “Não chegue perto, filho! Saia daí!” “Nem alma ele deve ter mais!” “Temos que matá-lo antes que ele nos mate!” “Isso mesmo. Vamos linchá-lo!” E a multidão parte para cima dele. Ele tentar apaziguar a situação, implora para não fazerem isso, mas não consegue convencê-los, pois em suas mentes está fixa as lembranças do massacre da noite anterior.
E não é só ele a ter esse destino. Uma senhora, que segura no braço de uma garota, ergue as mãos. Anunciando que encontrou outra amaldiçoada. E em seguida, novas vozes são erguidas revelando novos contaminados. Não importa as idades, elas são traídas por parentes, amigos e vizinhos, não importa quem sejam, são instantaneamente extirpados da comunidade. Alguns até tentam fugir, mas são pegos.
Há umas poucas pessoas que pedem para não continuarem. Provavelmente, devem ser um pai ou uma mãe e quem sabe até um interesse amoroso, mas nada adianta. A maioria venceu. Olho para o delegado e ele parece estar de acordo com a situação.
— Não vai fazer nada? — Jônatas pergunta. — Não, sinto muito, mas não temos condições para lidar com tantos monstros. Um só já causou esse estrago, imagine vários!
Jônatas olha para mim, mas eu não falo nada. Não há muito o que fazer. As pessoas já cobrem aqueles pobres coitados e não conseguimos ver o que se sucede, apenas escutamos os gritos.
Fomos para a pousada. Subo as escadas em silêncio e adentro o quarto. Me sinto cansado, culpado e irresponsável com tudo que aconteceu. Olho para a minha cama, há um livro em cima dela. É o exemplar que peguei da biblioteca. Pegou-o e fico o encarando, mas o meu olhar acaba se voltando para a minha cama. Estou tão cansado, não dormir nada ainda, sinto uma leve dor de cabeça e um breve mal-estar.
Jônatas, fica andando de um lado para o outro no dormitório. Ele está impaciente e parece um pouco sem jeito, como se não soubesse o que falar. Hoje mal começou e já tivemos aquela cena... E se não corremos, poderemos presenciar outra. Temos poucas horas antes do anoitecer e os habitantes da cidade declaram guerra à fera. É difícil adivinha o que pode acontecer a seguir.
— E agora o que faremos? — Pergunta Jônatas. — Não sei — Respondo, desesperançoso. — Não temos uma pista sequer por onde começar e o tempo está contra nós.
— Poderíamos tentar começar por onde paramos. Quem sabe na fazenda, conversando com a mãe de Eliseu?
— Por que com ela? — Porque talvez ela saiba de algo há mais. E se ela soubesse da existência do segundo lobisomem? Nem que seja uma informação pequena, já pode nos ajudar.
Foi quando bateram na porta. Vou até lá ver quem é. É a esposa do dono da pensão. Ela traz um recado. Diz que recebeu um telefonema da Fazenda Bom Lugar, mandaram avisar-me para ir o mais rápido que eu puder até lá e era urgente. Entendi que outro problema havia surgido, mas pelo menos poderíamos aproveitar para ver a empregada Maria.
— É, Jônatas. Suspeito que tenhamos um novo problema.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Serra do Conde
LobisomemHeitor é um pesquisador que estuda os seres mágicos que habitam o mundo. Ele é enviado pela '' universidade'' para investigar estranhos assassinatos numa cidadezinha no Nordeste do país, chamada de Serra do Conde. Tudo indica ser obra de um lobisome...