Capítulo 14

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Ele está escondido pela sombra, mas os seus olhos brilham de um jeito anormal, como quando lançamos a luz de uma lanterna, ou um farol de um carro, na frente de um animal. Ele chegar mais perto e podemos identificar o dono de olhos tão aterrorizantes. Matias possuí uma expressão sombria e parece se divertir com a situação. Ao sair do escuro seus olhos param de brilhar.

— Posso te ouvir a quilômetros. Você não é nada silenciosa.

— Então era você. — Falo em tom de surpresa.

— Mas..., mas não é possível — balbucia Edna — foi você que matou o Eliseu. Por que fez isso, se queria mais lobisomens?

— Para que o Heitor, pudesse ir embora da cidade. — Responde — E além do mais o Eliseu estava me causando muitos problemas desde que o transformei — fala, friamente.

— Foi você! — grita, Maria. Surpresa.

— Foi um acidente. Encontrei ele em uma noite como essa. E sabe como ele não é certo do juízo. Ele tentou me atacar e eu revidei. Achei que poderia controlá-lo, de alguma forma, pois eu conseguia me comunicar com ele em minha fase lupina, mas ele era incontrolável, acredito que seja devido ao seu problema. E, então, ele virou uma máquina de matar ambulante. Foi aí que tive a ideia. Decidir matá-lo na frente de todo o povoado para que todos pensassem que o problema havia se resolvido. Quase conseguir acabar com você também, Heitor, mas, infelizmente, não conseguir.

Cerro meus olhos.

— E pra que você quer um exército de lobisomens?

— É simples. Sabe, senhora, Edna; devia ter mais cuidado com quem coloca para trabalhar em sua fazenda. Por muitos anos fiz parte de um grande bando de ladrões, que andaram por todo esse grande e seco sertão. Demos muitos trabalhos as autoridades, mas no fim fomos vencidos. Antes disso, tivemos alguns contatos com lobisomens e outras criaturas do tipo. Enquanto os meus companheiros, considerava-os uma abominação, eu os via de forma contrária. Nunca enxerguei como uma maldição, mas, sim, como um incrível poder. Certo dia o meu bando foi massacrado, apenas eu restei. Então voltei para Serra do Conde e arrumei um emprego na fazenda. Estava tudo indo bem, mas eu não deixava de pensar nos lobisomens. Então, busquei me torna um. Paguei um bom dinheiro para um amaldiçoado e, em troca ele me passaria a maldição e me ensinaria a controlar. E foi o que eu fiz. Percebi que eu tinha uma grande oportunidade nas mãos. Imaginem. Se um grupo armado de homens consegue dar dor de cabeça a polícia, imagina só o que um bando de feras pode fazer?

— Então é esse o seu plano? Criar um bando de lobisomens para assaltarem cidades?

— Sim, isso mesmo. E seremos mais conhecidos e temidos do que lampião foi em vida e será em morte.

Eu esbocei um leve sorriso de desdém ao ouvir seu plano.

— E o que te faz pensar que lhe seguiram? Pois você não pode controlá-las.

— Sou bom de persuasão, Heitor. Aliás, eu não obriguei meus homens a se tornarem feras — ele se virou e pudemos ver, próximos à porta, quatro figuras humanas cujos olhos brilhavam iguais aos olhos de Matias. — Tá na hora de completar o plano. Vão à cidade e acabem com a polícia. Menos você — ele apontou para o mais jovem. — Cuide deles.

Após proferi essa ordem, ele e os seus comparsas pegaram as nossas armas, saíram da senzala e nos trancaram. Suor escorre para o meu rosto. Tenho uma faca escondida no meu calcanhar e outra na minha manga, mesmo assim, não é o suficiente para ganharmos a lutar. Felizmente, Matias e seus homens, apenas trancaram a porta, mas se esqueceram das janelas. O jovem rapaz expressar um sorriso de divertimento, e começa a se mexer como se estivesse começando a ter uma convulsão. Ele cai de joelhos, coloca as mãos na cabeça e não para de gritar. Aproveito a situação para efetuar o plano.

— Rápido! Enquanto ele estive em processo de transição — digo, apontando para a janela.

— Mas e o Francisco? — Diz Edna.

Começa a crescer pelos por todo o corpo do Jovem.

— Não vamos poder ajudá-lo se morremos!

Ela compreende. Eu abro a janela e as ajudo a subir, em seguida é a vez de Jônatas e, quando o rapaz está prestes a completar a transformação, pulo a janela e corremos o máximo que pudemos, em direção ao casarão. Para a nossa sorte, o Lobisomem é grande demais para passar pela janelinha da senzala. Algo me diz que o tamanho dessas janelas era proposital, para que os escravos não recebessem muita luz do sol. O lugar servia de moradia e sala de tortura, ao mesmo tempo. Seja lá o motivo, foi útil para nós. Sei que ele vai achar uma forma de sair, mas conto em chegar à biblioteca antes, para nos equiparmos com as quinquilharias de Horácio. Entramos pelas portas dos fundos. Maria fica para trás, mas o seu instinto de sobreviver lhe dá ânimo assim que vê a fera do lado de fora, após quebrar a porta da senzala. Ela consegue entrar e corremos pelos corredores, até nos trancar na biblioteca. Procuro pelas espingardas e garruchas que vi mais cedo. Elas estão no chão da salinha secreta. As distribuo para cada um e os mando apontar para a porta. Há um longo silêncio repentino. Mas ele parou, quando ouvimos rosnados e objetos de vidro se quebrando. Uma sombra aparece na soleira da porta. Faço um sinal para os meus amigos indicando que é hora de descer chumbo naquele maldito. O lobisomem balança o trinco e grito: agora!

E os tiros ecoam por toda a casa. Deixando a porta e o lobisomem com mais buracos que um queijo emmenthal. E só paramos quando o sangue desce por debaixo da porta, causando horror em Edna e Maria, que, como já esperava, não tiveram coragem de atirar. Quando a poeira baixou, pudemos abrir a porta e nos deparamos com o jovem rapaz ensanguentado, com as feições do rosto expressando uma cara de assustado. Talvez pelo susto repentino, ou pelo medo inevitável de morrer. Ele aparentava fazer tudo por diversão. O que é assustador. Mas talvez não estivesse preparado para as consequências que poderiam decorrer da decisão de virar um lobisomem. A única coisa da qual tenho certeza é de que um já foi, faltam quatro. 

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