Capítulo 12

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O clima está esquisito na fazenda. Fomos recebidos com as mesmas boas-vindas de sempre, mas dava para perceber que algo não ia bem. Somos levados por Matias até o quarto dos patrões no andar de cima, o maior da casa. Encontramos Francisco sentado em uma cadeira próximo à cama. Ao seu lado está Edna segurando uma de suas mãos. Eles pareciam estar conversando, mas se calaram ao nos ver. Com um sinal de Edna, Matias se retira. E ela diz:

— Que bom que vieram — diz ela indo fechar a porta. — Já soubemos do que aconteceu hoje de manhã. Ainda bem que fomos embora antes.

Notei que seu marido está quieto demais. Ele tem o olhar vazio e algo o incomoda.

— Por que nos chamaram?

Ela demorou a responder.

— Bem... Acho que o senhor tem que ver com seus próprios olhos.

Francisco puxou a manga de sua camisa, revelando uma imensa marca de mordida em seu antebraço.

— Tentamos fugir, mas a fera nos encontrou. Achei que tinha sido apenas um arranhão, pois fui arremessado para longe. Só percebi haver sido mordido quando chegamos em casa.

— Vocês são as únicas pessoas, com exceção de Maria, que sabem — Edna falou — Os empregados, não tem conhecimento sobre o ocorrido. Não sabemos o que fazer.

— Vou virar um monstro... — Disse, com ressentimento na voz.

— Por favor... — Implorou ela.

— Me matem — interrompeu ele. — Antes que outros façam, ou antes, que eu machuque alguém.

— Francisco! — falou com a voz tremular — tire essa ideia da cabeça! Ainda podemos amenizar a situação.

— E o que vamos fazer, Edna? Hoje é noite de lua cheia e o povoado deve ter declarado guerra aos lobisomens com tudo que aconteceu! Não podemos confiar nem nos empregados. Eles seriam os primeiros a nos entregar. Sinceramente, não sei se consigo viver com isso. Por isso te imploro, Heitor, que pegue a arma que está em sua cintura e acabe logo com isso!

— Ou podemos ajudar — diz Jônatas. — Você mais do que ninguém conhece o segredo de sua família. Seu tataravô viveu a vida toda com este segredo. Então, você também consegue. — Ele olhou para mim. — Senhor Heitor, só precisamos conte-lo no começo, até ele conseguir controlar. E até a lua cheia passar.

 Não deixei de pensar no linchamento na praça. Francisco teria o mesmo destino, sem sombra de dúvida, se eu não intervisse.

— Ele tem razão — comecei — A Senzala. Podemos usá-la para escondê-lo. E correntes, muitas correntes. Vocês precisam dispensar os funcionários. Ninguém pode estar aqui depois do pôr do sol.

— Sim, me encarregarei de fazer isto. Está ouvindo, querido? — ela apertou seu ombro — Vai ficar tudo bem.

Ele Pensa por uns minutos e diz:

— Na biblioteca há uma passagem secreta que dá em um quarto cheio de tudo que vamos precisar, vou lhes mostrar onde fica.

Ele se levantou e nós o seguimos. Mal saímos do quarto quando sentir alguém puxando o meu ombro.

— Obrigado, senhor Heitor. Não fazia ideia de como ajudá-lo. As pessoas estão com medo e nunca mais teremos paz se souberam que o meu marido é um amaldiçoado. Ele também está com medo. Hoje, mas cedo ele tentou se matar. Quase não conseguia impedi-lo...

— É normal sentir medo no começo, Edna. Mas eu já conheci pessoas que conseguiram viver com a maldição. Sei que o seu marido não é uma ameaça, mas a verdadeira está por aí, rindo da nossa cara.

Paro de falar ao notar que alguém entrou o quarto. É Maria trazendo uma xícara de café, em uma bandeja. Ela fica um pouco sem jeito ao me ver e abaixar a cabeça.

— Trouxe um café, senhora. — Fala timidamente.

— Obrigada, Maria. Mas mande de volta para a cozinhar e procure não trabalhar, você continua de luto — Ela se vira para mim — Vou falar com os empregados.

E Edna se retira da sala, nos deixando sozinhos. Maria já está indo embora quando a chamo.

— Espere, senhora. — Falo — Sinto muito pelo seu filho... E desculpas também. Sei que se tivéssemos descoberto mais cedo sobre a condição dele, as coisas podiam ter sido diferentes.

— Eu não culpo o senhor. — Fala, de forma compreensiva. — Talvez isso fosse inevitável. Morria de medo durante todas as noites de lua cheia e, sinceramente, me sinto culpada por todas aquelas mortes. Tudo o que aconteceu a Serra do Conde tem um pouco de culpa minha, e não espero o perdão de ninguém. A única coisa que peço é que Deus tenha piedade da alma do meu filho, pois sei que ele não era mal e não fez aquelas atrocidades porque quis.

— Sei disso...

— Já sei que foi o Matias que matou o lobisomem. Deve ter sido um choque para ele descobri quer era o Eliseu esse tempo todo. Eles eram muito apegados.

— Mais tarde senhora, podemos conversar? Queria fazer umas perguntas com mais calma, pois no momento corremos contra o tempo. Talvez você possa nos mostrar algum detalhe que não percebemos.

— Vou ajudar no que for preciso.

— Obrigado, agora preciso ir.

Saio do quarto, desço as escadas e vou para a biblioteca. O espaço é abarrotado de livros, que aparentam não ser usados há um bom tempo por estarem cobertos de pó nas grandes prateleiras que quase chegando ao teto. Há um tapete marrom no chão de madeira e dois sofás ao centro da sala; sobre eles está um grande lustre, que combina com os abajures da sala. Reparo em uma prateleira mexida para os lados, revelando uma pequena sala.

Chego mais perto de meus amigos, eles mexem em correntes, cadeados e focinheiras. Há muitos equipamentos guardados e organizados na sala. Tanto para conter a fera, quanto para matá-lo. Com certeza, Horácio, o tataravô de Francisco, devia ser muito precavido. Afinal, ele devia compartilhar esta casa com a sua família. E sabia o quanto essas criaturas são perigosas. Isso me faz pensa em Edna, no futuro, sozinha, tendo que lidar com seu marido, correndo perigo de vida, por sua causa, ou devido às pessoas do povoado. Mas confio em Francisco, sei que ele fará o possível para se controlar.

— Acho que isso serve — fala ele — Gostaria que vocês usassem as armas, principalmente você, Edna.

— Não vamos precisar usá-las. — diz, sem muita confiança.

— Não adianta banca a positiva, Edna. Apenas escolha uma delas.

Ela pegou uma pequena adaga, adornada com desenhos de lobos e uma garrucha, perfeitamente preservada.

— Esse modelo está tão ultrapassado... Acho melhor você usar uma das minhas. — Estendo o braço entregando um revólver a ela. — Você sabe usar, não é?

— Sei como funciona. — Responde.

— Com licença — diz Maria em frente a porta — O delegado ligou perguntando se vocês estão aqui. Ele está procurando vocês, disse ser urgente.

— E o que você disse?

— Respondi que vocês estão aqui.

— Por favor, não podem nos deixar sozinhos.

— Esse é o problema, pode ter acontecido algo sério na cidade, mas não se preocupem, vou primeiro ver do que se trata.

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