Capítulo I

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Engfa

Assim que desembarquei no aeroporto de Bangkok, senti o peso retornando em minhas costas, ali era o lugar que eu deveria chamar de casa, porém já fazia um bom tempo que não me sentia em casa. Ficar três anos longe em "treinamento" também tinha sido uma grande merda, mas pelo menos estava longe do meu pai e sua frieza durante esse tempo.

Meu pai, assim como eu, cresceu dentro da organização, rodeada de crimes e escolhas complicadas. Meu avô, que passou a sucessão para ele, ensinou e ajudou meu pai a trilhar os seus caminhos dentro da organização. Hoje o temido e imponente senhor Waraha comanda boa parte do tráfico, boates e prostíbulos de Bangkok e há também aqueles em que ele não manda, mas são de seus alinhados e não ousam cruzar seu caminho. Ele é conhecido dentro da organização como "O Piromante", isso graças a ser o chefe da organização e ter uma forma intrigante de "acabar" com seus inimigos, confesso que nunca gostei do seu estilo, mas quem sou eu para criticar.

A organização é formada por quatro famílias principais, tem a minha família, a Waraha ou os Dragões Vermelhos como fomos nomeados há muito tempo no início de tudo. Minha família está à frente da organização a três gerações, temos a principal responsabilidade de manter todas as famílias que fazem parte do acordo em "harmonia" e lucratividade. A parte mais complicada é manter a ordem, pois sempre tem aqueles que querem ganhar mais e para ficar tudo ainda mais complicado, dentro de cada família ainda há ramificações de primos, irmãos e além. Nossa família, por exemplo tem meu tio Wasanu, que sempre foi um pé no saco e queria ganhar em cima dos outros arranjando problemas e confusões que tomaram proporções insustentáveis, desta forma ele foi banido da organização e hoje vive longe de tudo isso.

A organização tem regras e tradições especificas que a partir do momento que você aceita entrar e fazer parte está ciente de que precisa seguir rigorosamente tudo que inclui o acordo, mas assim que está dentro também há proteção, expansão dos negócios e solidificação não só no mercado nacional, como internacionalmente. Meu pai sempre manteve tudo em ordem e até aqui "sobreviveu" pelos principais ataques que tentaram contra nós, por isso nossa família se fortifica cada vez mais no comando de tudo, sempre tivemos os melhores líderes.

A família Austin conhecida como os Dragões Brancos, são os mais novos aliados da organização, sempre estiveram presente no submundo e perto de nossa família, porém mais discretos, nos últimos cinco anos isso mudou, o senhor Austin decidiu se juntar a organização e expandir seus negócios junto com seu irmão e até o momento estava sendo um sucesso está nova aliança para ambos os lados.

A família Thongkham conhecida como os Cavaleiros Negros têm a sua frente os jovens irmãos gêmeos Daw e Wiriya Pithaya, destemidos e implacáveis, com métodos muito eficientes e que colocam medo não só em seus inimigos, mas em todos a sua volta, com sabedoria tocaram o negócio herdado muito bem. Nunca deram problemas dentro da organização e sempre atendem ao chamado do meu pai quando necessário.

A família Sisuwan conhecida como as Serpentes Vermelhas é comandada pela temida senhora Dang Sisuwan, ela já era uma senhora de idade, mas muito se enganava quem pensava que era inofensiva, ela tinha técnicas e métodos de tortura que causava arrepios no mais corajoso soldado da organização. Com sua maestria em tortura e a sagacidade para os negócios, a senhora Dang tinha sua parte dos negócios sólida e muito bem-organizada.

Independente da organização ser cem por cento criminosa, tínhamos regras, tradições e hierarquias que deviam ser respeitadas e seguidas à risca, apesar de ter algumas laranjas podres, consideramos que somos uma grande família e zelamos pela boa convivência, afinal isso mantinha os negócios funcionando para todos de forma lucrativa e segura.

A respeito da minha família, infelizmente perdi minha mãe quando tinha doze anos de idade, me lembro de que quando minha mãe ainda estava entre nós, meu pai também era presente e amoroso, não éramos exatamente a família perfeita, mas tinha amor, felicidade e cumplicidade entre nós três. Porém quando meu pai resolveu se arriscar e ir atrás dos malditos russos que estavam tentando pegar o controle de toda sua área em Bangkok, a merda aconteceu, vieram atrás de mim e da minha mãe. Meu pai até tentou nos proteger, nos enviando para um esconderijo da organização cercado de seguranças de sua confiança, mas nos encontraram. Não consigo me lembrar de tudo o que ocorreu naquele dia, talvez o trauma tenha feito com que eu bloqueasse essas memórias, porém me lembro claramente de um único momento que ocorreu depois que os russos conseguiram invadir o lugar e levaram minha mãe, uma coisa eu posso afirmar, não houve muito sofrimento em sua morte, pois segundos após os russos nos separarem, os seguranças do meu pai invadiram o local com um intenso tiroteio, me levaram dali rapidamente, mas pude ver enquanto me arrastavam para fora o corpo da minha mãe sem vida no chão.

Desde esses acontecimentos meu pai mudou drasticamente, ele havia vencido os russos com um custo muito alto, perdeu minha mãe e grande parte de seu exército de soldados mais leais. Ele evitava contato comigo o máximo que podia, acabei sendo criada por nossa governanta dona Mei e um dos seguranças de confiança de meu pai, o senhor Ram, eu entendo o quanto foi doloroso para o meu pai perder a mulher que mais amava, ainda mais antes de ter o filho homem que ele tanto queria para poder ter seu herdeiro "legítimo", mas para mim não justificava seu afastamento.

Quando completei quinze anos, ele me chamou em seu escritório e ali foi onde tudo mudou para mim, ele me disse que havia tomado a decisão e a levado para o conselho da organização, eu seria sua herdeira, mas para isso eu precisava estar preparada e ter estômago para tudo o que viria a seguir. Apesar da pouca idade, eu escutava escondida algumas reuniões do conselho que aconteciam em seu escritório na mansão onde morávamos, vi que não foi uma briga fácil para que todos aceitassem sua decisão de passar a sucessão para uma mulher, mas de forma que eu desconheço, ele conseguiu todos os votos do conselho e quando eu completasse trinta anos eu assumiria seu posto.

Dali em diante, minha rotina e minha vida literalmente mudaram, o que eram só estudos normais em aulas particulares, virou estudos com cursos intensivos da organização, eu tinha aulas sobre história das famílias que já passaram, principais gangues rivais e como funcionava alguns negócios, aprendi a falar 6 línguas diferentes, tinha treinamento intensivo de todo o tipo de lutas possíveis e o principal, os treinamentos incessantes com armas variadas. Mas apesar de tudo isso, de todo o empenho que colocava a todo momento, meu pai só falava comigo na maioria das vezes através de recados dos seus subordinados, quase nunca cara a cara.

Penso que isso possa ter piorado quando fui para a faculdade, outra exigência dele. Honestamente não sei qual a necessidade de uma criminosa, prestes a herdar uma organização inteira rodeada de vários tipos de crimes, precisava de uma faculdade, mas como eu havia aprendido, jamais podemos ir contra a decisão de nosso chefe, portanto só obedeci. Pelo menos ele me deixou escolher qual curso estudar, optei por me formar em relações internacionais, algo que me seria útil quando assumisse a liderança na organização.

E foi durante os quatro anos de faculdade onde me encontrei em alguns sentidos pessoais e o principal deles foi a minha decisão de me assumir lésbica perante todos e enfrentar mais uma vez os julgamentos de uma maioria de velhos babacas dentro da organização. Pensei que depois que meu pai soubesse, as coisas entre nós iriam piorar, mas para minha surpresa nada mudou, nosso relacionamento continuou na mesma e até hoje não sei qual a opinião dele sobre mim e de verdade prefiro nem saber, já que ele quem faz questão de se manter afastado.

Me formei aos vinte e quatro anos, claro que devido a quem eu era, de forma vigiada e meticulosamente controlada durante todo esse tempo de faculdade, mas eu conseguia dar as minhas escapadas ali e aqui para um pouco de diversão. Foi também aos meus vinte e quatro anos um pouco depois de me formar, quando fui em minha primeira missão oficial da organização acompanhada da Faye, minha segurança particular, foi onde tirei a primeira vida pelas minhas próprias mãos, hoje já perdi as contas de quantas foram.

Durante os próximos três anos, segui em "missões" da organização, colocando todos os treinamentos em prática e acabei digamos que devolvendo boas técnicas de torturas, das quais me orgulho, pois só as utilizo com quem de fato merece.

Quando fui informada que precisava ir aos Estados Unidos para fazer um treinamento intensivo envolvendo armas e diversas estratégias de combate, pois estava chegando o momento em que eu iria assumir o lugar de meu pai, simplesmente Ram e seus quase dois metros de altura, careca e em sua idade um pouco mais avançada, entrou na academia da mansão onde estava me exercitando e me disse que era hora de arrumar as malas.

Logo após completar meus vinte e sete anos parti rumo aos Estados Unidos, passei os últimos três dentro de gangues americanas onde meu pai tinha contatos, treinando, me dedicando e até ganhando alguma experiência ajudando-os em alguns conflitos com gangues rivais. Estamos no mês de agosto, isso quer dizer que tenho cinco meses para finalizar meus preparativos, me casar por determinação da tradição dentro da organização e finalmente assumir a liderança.

Uma certeza eu tinha, depois desse tempo longe havia um único objetivo em minha mente, eu iria assumir meu lugar como herdeira, sem distrações, sem questionamentos e não iria me permitir cometer o mesmo erro do meu pai e deixar que tirassem qualquer coisa de mim, eu seria mais competente, eu seria melhor. Vim para me tornar a líder da organização e levá-la ao ponto mais alto como ninguém nunca fez antes, nem mesmo o meu pai e nada nem ninguém ficaria no meu caminho.

A Herdeira da MáfiaOnde histórias criam vida. Descubra agora