VI

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Na segunda semana de outubro, morreu, em Veneza, o velho cardeal Gherardi, que votou em Rodrigo Borgia como Papa. Nas semanas seguintes, alguns cardeais levantaram hipóteses sobre a misteriosa morte do cardeal. Muitos diziam ser envenenamento, outros afirmavam que era uma doença. Porém, no começo de novembro, o vice-chanceler convenceu o consistório que o cardeal morrera pelo avanço da idade. Todavia, a penumbra dos boatos parecia ainda estar em volta dos cardeais, colocando em dúvida se aquilo era uma morte natural ou forçada por alguém.

O Santo Padre parecia ter o consistório tranquilo. O cardeal Della Rovere, como prometeu, se isolou em um mosteiro para expurgar-se. Seu paradeiro, porém, era desconhecido até para aqueles que estavam com ele. Isso preocupava a todos eles, sobretudo a Oliviero Carafa, que sentia-se abandonado pelo cardeal. Michiel, seu oponente no conclave, havia se unido ao Papa Borgia. Sem o cardeal Della Rovere, sua oposição parecia desbaratada, pronta para ir ao caminho mais favorável: o Borgia.

Em seu quarto, Carafa estava sentado na cama, pensando. "Della Rovere se foi; Zeno nunca mais vai voltar; o jovem De'Medici não virá tão cedo; D'Aubusson está em viagem; Cibo de'Mari, por sua vez, parece ser frouxo e aproxima-se dos Borgias a pedido de seus parentes. Restaram apenas Piccolomini, Basso della Rovere e eu no Vaticano. O filho daquele velho desconfia de Cibo de'Mari. Temo que esse maldito diga algo. Temo ter o fim de Gherardi. Rezo para que não suspeite de mim."

Ao findar os seus pensamentos, decidiu respirar um pouco na praça vazia. Quando encostou as costas numa coluna, fechou os olhos e tomou banho de sol. Tentava encontrar um pouco de paz e calmaria para a sua ansiedade.

De repente, uma sombra tapou o seu tão adorado calor e luz. Ao abrir os olhos, assustou-se com um vulto, pulando para fora da coluna da passagem coberta, desajeitado. Porém, não tentou fugir, pois aquele homem estava com a guarda papal. Ao voltar os olhos para o vulto, percebeu que ele era aquilo que mais temia: o clérigo carmesim, o filho do santo Padre, Cesare Borgia. Carafa estremeceu no lugar ao ver sua feição. A postura daquele clérigo não parecia fazer jus ao seu hábito. Sua postura era intimidadora. Ao olhar para um clérigo, deveria esperar de tudo, menos intimidação de medo.

—  Vossa Eminência. — Disse o Borgia, curvando-se.

— O que q-quer? — Indagou ele, gaguejando de nervosismo, suando frio.

— O cardeal Della Rovere não lhe disse para onde iria, por acaso? Ele desapareceu desde aquele desentendimento com Sua Santidade, o Papa.

— P-por quê eu s-saberia?

— Soube que encontrou-se com o cardeal algumas vezes pelo cardeal Cibo. Não estaria escondendo algo de Sua Santidade, não é mesmo?

— É c-c-claro que n-não. J-jamais t-tramaria contra V-v-vossa S-santidade.

— Tramar? Nunca mencionei uma trama. — Respondeu Cesare, com malícia. — Acredito que deva confessar. Tire de si este fardo pesado da culpa, amado cardeal.

O cardeal concordou. Ambos seguiram para a Capela Sistina. Entraram numa cabine do confessionário. Antes de iniciarem, o Borgia fez sobre si o sinal da cruz.

— Confesse-se, meu filho.

— Sou culpado de um pecado grave, clérigo. Sou culpado de conspirar contra Vossa Santidade. A minha consciência e o Espírito Santo me acusam.

— De fato, é demasiado grave o vosso pecado. Prossiga.

— Confesso que eu não fui sincero com Sua Santidade. Escondo um segredo do consistório de do Santo Padre. Estou mancomunado com o cardeal Giuliano della Rovere. Fiz isso por ganância, mas me arrependo amargamente.

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