XIV

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Dias mais tarde, em 24 de janeiro, uma quinta-feira, Cesare e Micheletto adentraram Roma pela Porta San Pancrazio, que dava diretamente aos jardins do Vaticano. Passaram pelos caminhos ladrilhados rodeados por arbustos e árvores de baixa estatura. Após atravessarem os jardins, seguiram com os cavalos à Piazza di San Pietro.

- Volte para Trastevere, Micheletto. Talvez precise de você muito em breve.

- Sim, meu senhor.

Micheletto golpeou a besta com os calcanhares e saiu depressa pela Porta Sancto Spiritu. Enquanto isso, o arcebispo apenas o observava. Assim que o perdeu de vista, desceu do corcel e entregou-o a um dos guardas papais e adentrou o Palácio Apostólico.

Não deu importância aos cardeais. Queria apenas chegar ao pai. Havia uma suite de cômodos onde o Papa gostava de ficar, mesmo ainda não estando pronta, então o bispo seguiu para ela. Ao chegar a ela, abriu a porta. Deparou-se com o Santo Padre observando o trabalho de Bernardino di Betti, conhecido como Pinturicchio, que estava concluindo uma camada de tinta num touro enquanto outro terminava de fazer um dos personagens do primeiro plano, que se parecia um pouco com Lucrezia. Rodrigo Borgia gostava de vê-lo trabalhar. A delicadeza e suavidade de Bernardino o impressionava.

- Santo Padre. - Disse Cesare.

O Papa o olhou, sorrindo por estar são e salvo.

- Com licença, signore pittore. - Disse o Papa, prestando uma pequena reverência a Bernardino que, assustado, quase caiu da plataforma elevada de madeira a qual estava em pé para pintar o teto ao lado de seu assistente.

O Papa o levou para fora.

- Bem, meu filho, o que prega o lamentador frei Savonarola, o dominicano?

- Ele blasfema contra a Igreja e seus representantes. Diz que o dinheiro é o próprio demônio. Ele prega a caridade e a miséria. Segundo ele, a pobreza é a forma de exorcizar esse demônio chamado "dinheiro" e desmantelar os seus templos chamados "bancos".

- Temos em mãos um São Francisco de Assis, porém muito mais radical e um completo blasfemador, sem temor das consequências de seus atos.

- Ele me mandou lhe entregar um recado, Santidade.

- Diga.

- Ele disse que o seu fim está próximo. Que um grande exército descerá pelos alpes e que seu comandante é como Ciro.

- O Grande?

- Sim. Ele disse que o jugo de deus cairá sobre Roma se não deixar a sua devassidão.

- Devassidão? Não sou nenhum devasso. O máximo que fiz foi... - ele se interrompeu, olhando em volta para ter certeza de que não havia ninguém. - O máximo que fiz foi dormir com algumas mulheres. Fornicação. É o meu único pecado até então. - Disse ele, sussurrando no ouvido do filho.

Ao dizer isso, passou a mão no rosto e pôs-se a olhar pelas janelas, para a Piazza di San Pietro. Ele abriu as cortinas e apoiou o corpo sobre uma das mãos no peitoril da janela.

- Então há um novo Ciro em nosso mundo, na Europa. A aliança com os reis de Castela e Leão e Aragão deve bastar para impedir qualquer invasão, caso os Sforza e os D'Aragona de Nápoles nos traiam. Por falar nisso, onde está o seu irmão, Cesare?

- Quer mesmo saber? - Indagou ele, rindo-se, disfarçadamente.

O Papa suspirou, decepcionado.

- Procure o nobre Duque de Gandia e o tire de qualquer bordel que tenha achado adequado para passar a noite passada.

- Devo trazê-lo ao Vaticano também?

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