Palazzo di Santa Maria in Portico
Naquela tarde, como todas as tardes, Lucrezia estava com as portas do palácio abertas. Poetas se reuniam em volta da galeria do saguão para declararem-se para ela, que se debruçava para ouvi-los. Nobres de Ferrara, da Toscana, de Veneza e da Bolonha, assim como artistas vindos das mesmas e de outras regiões, vinham para vê-la pela fama da sua beleza. Além deles, havia alguns comerciantes e aspirantes a poetas. Era consenso de todos que aquela menina de 12 anos era a mulher mais bela de toda a Itália.
Enquanto ela os ouvia, Vannozza dei Cattanei adentrou as portas do palácio, cortando a multidão até as escadas, guardadas por homens armados com lanças. Ela passou por eles, subindo os degraus. Ao vê-la, Lucrezia se endireitou, olhando surpresa para a sua mãe, que estava igualmente surpresa.
- O que significa isto? - Indagava Vannozza. - Quem são eles? O que fazem aqui?
- São artistas, mãe. Estão fazendo a sua poesia.
- Eu não os quero aqui, Lucrezia! Você está noiva.
- Mas...
- Nada de "mas", mocinha! Vocês - chamou os guardas -, expulsem esses vagabundos fornicadores daqui.
Os guardas obedeceram e os presentes foram lançados para fora. Aqueles que resistiram tiveram o corpo retirado à força. Chutes e socos foram utilizados para jogá-los para fora.
Enquanto os artistas e nobres gritavam do lado de fora, Lucrezia saia da galeria para o seu quarto, passando correndo pelos corredores.
- Você me odeia mesmo, não é? Não posso ter um pouco de lazer nem receber pessoas na minha própria casa!
- Com casa ou não, ainda é uma menininha boba e inocente. Por isso, fui contra o seu casamento e a sair de casa. Eu os tirei daqui porque eu a amo, Lucrezia.
- Se me amasse, me daria a liberdade de estar com os meus poetas e músicos.
- Eu os deixaria, caso os conhecesse. Não sabe nem mesmo os seus nomes. Não sabe de onde vieram nem como chegaram aqui.
- E eu também nunca conheci o noivo que meu pai vai obrigar a me deitar. Mas eu tenho que aceitar. O que a impede de aceitar que eu tenha amigos ou que receba pessoas em minha casa, mãe?
- Você é a minha filha, Lucrezia! - Disse Vannozza, apanhando-a pelo braço. - Quero o seu bem acima de tudo. Não deve se expor assim.
- Me expor? Tudo o que quero é aproveitar o pouco de felicidade que me resta. Quero poder aproveitar o pouco de liberdade que ainda tenho, antes de me casar com um homem que nunca vi em toda a minha vida. Me casar com um homem sem beleza, respeito ou amor algum por mim, um homem que foge da gentileza, da bondade e tem a pele áspera como uma pedra... um homem que vai me tratar como um objeto de prazer... - embora os seus olhos chorassem, manteve-os em sua mãe, que ainda a segurava, mas com delicadeza. - E esse o meu destino. Meu pai preferiu a política do que a mim.
- Seu pai a ama, minha filha. Ninguém a ama que o seu pai, Lucrezia.
- Se me amasse tanto assim, não teria me fadado a esse cruel destino, longe do verdadeiro amor.
Vannozza a abraçou e a deixou chorar. Aquela ocasião era rara. Vannozza poucas vezes sentira a filha perto de si. Sempre foi mais apegada ao pai e ao irmão Cesare. Lucrezia acabou-se em prantos sobre a mãe, que aproveitava o raro momento com a filha.
- Lucrezia... eu... não chore. Infelizmente, eu não posso fazer nada. Se isso lhe faz bem, apenas tome cuidado. Eles podem ter más intenções.
- Vai me visitar?

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Os Borgias
Historical FictionEm 11 de agosto de 1492, subiu ao Trono de São Pedro Rodrigo Borgia, conhecido como "Il Valenciano", assumindo a alcunha de Sua Santidade o Papa Alexandre VI. Com o seu poder, fez da família Borgia uma das mais poderosas da Itália em muito pouco tem...