X

27 8 20
                                    

O clérigo desceu as escadarias do Palazzo Borgia. Debaixo daquela capa, carregava uma adaga em uma corda de cetim. Não estava irritado. Já havia se vingado da ignorância do irmão. Se não fossem irmãos, teria o prendido no Castello di Sant'Angelo. Matar um irmão era um pecado gravíssimo, abaixo apenas de se matar o próprio pai e desonrar o nome de Nosso Senhor. Como parte do alto clero, aquilo poderia acarretar numa excomunhão. Mesmo sendo o filho mais obediente do Papa, Giovanni era o favorito. O seu pai o excomungaria e o deportaria para Valência, onde seria um pobre e miserável mendigo. Por isso, evitou irar-se contra Giovanni. Ele estava mais interessado em se encontrar com Micheletto.

Cesare adentrou Trastevere, uma das 14 regiões de Roma. Dentre todas elas, Trastevere era a mais carente. As ruas eram irregulares, tortas, barrentas e, por vezes, sem saída. As casas e prédios eram também irregulares, assim como as ruas. As áreas mais baixas, próximas ao Rio Tibre, alagaram no verão e nas grandes chuvas. Como era de costume de grandes cidades com muitos judeus, aquele era o lugar onde todos os judeus da cidade eram segregados. Mesmo com a grande Basilica di Santa Maria in Trastevere, que rende 6.000 ducados por ano, a região não recebia ajuda da prefeitura romana, exceto as manutenções inevitáveis e indispensáveis para manter os judeus dentro de Trastevere.

Passando pelas ruas, encontrou alguns mendicantes. Trastevere também era o lugar para onde os mendigos eram tocados pelos guardas, caso mendigassem nas ruas, incomodando as pessoas. Porém, em toda a cidade, eles habitavam prédios e casas de banho abandonados.

- Uma esmola, por favor, gentil senhor. - Suplicou um dos que estavam na sarjeta.

Comovido pela situação e pela súplica, deu-lhe um ducado de ouro. Era metade de tudo o que tinha na ocasião. Ao receber o ouro, agradeceu.

O Borgia continou o seu caminho.

Após mais meia dúzia de pobres sem-teto, chegou na casa indicada por Micheletto: pequena, feita de má alvenaria, com uma janela quebrada e com o sobrado sem cobertura em frente a um dos portões de Roma. Cesare bateu à porta, porém, ela estava aberta.

- Micheletto? - Perguntou o arcebispo, entrando na casa.

- As portas estão sempre abertas à Sua Eminência. - Respondeu Micheletto, indo de encontro com ele.

O clérigo fechou a porta.

- Algum trabalho para mim, Vossa Eminência?

- Procure dois homens: Franceschino e Toddi di Toni.

- Como Vossa Eminência quer que eles morram?

- Faça como achar melhor, Micheletto. - Cesare começou a reparar na casa. - Como conseguiu a casa? Ela é sua?

- Não, Vossa Eminência. Mas acredito que aquilo que não tem dono pode ser reivindicado por qualquer um.

- Você os matou? Quantos eram?

- Era uma família de cinco. Ninguém importante dará por falta. Para os cidadãos de bem, eles não existem.

- Meu Deus. - Lamentou Cesare. - Que Deus os tenha. - Disse ele, fazendo o sinal da cruz sobre si.

- Sua Eminência se compadece com judeus?

- Deus não faz essa distinção, Micheletto.

- E qual a razão da sentença, Vossa Eminência?

- São meus assuntos, Micheletto. Faça apenas o que lhe peço. Não quero te envolver nisso.

- Em três dias, lhe trarei a prova, Eminência.

- Não será necessário. Eu confio em você.

- Que assim seja.

Micheletto ofereceu ao clérigo uma noite em sua casa. O arcebispo aceitou, mas com relutância. Ele subiu as escadas, que davam ao segundo andar. Ali, foi guiado para um dos quartos. Naquele cômodo, havia uma cama simples recheada de palha, uma bancada de madeira, onde havia uma Torá. O clérigo apanhou-a, porém, estava em hebraico. Perguntar o que lá estava escrito a Micheletto era inútil. Era analfabeto. Além do mais, toda a Torá estava dentro da sua Bíblia. Não há nada que ela poderia lhe ensinar. A Torá, portanto, era desnecessária. O clérigo a colocou de volta na bancada e sentou-se na cama.

Os BorgiasOnde histórias criam vida. Descubra agora