XXXVII

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       Depois de duas semanas viajando sozinho, Cesare havia chegado à Florença em meio à tarde nebulosa, onde a neblina tomava conta das ruas. Ao cruzar a Ponte Vecchio, viu um corpo de um homem às margens do Rio Arno. Pertencia a um florentino penitente, que estava usando sacos no lugar das roupas e estava coberto de cinzas negras. Sua pele exposta estava coberta de bolhas negras e manchas. Seu corpo estava pálido e fétido, rodeado por moscas. Havia falecido há um ou dois dias e nenhum homem deu-se ao trabalho de ajudá-lo. Provavelmente, estava enfermo com a peste. Ao passar pelo defunto, fez o sinal da cruz sobre si e rezou pela alma do pobre infeliz.

       Ao adentrar Via por Santa Maria, caminhou até a Chiesa di Santa Cecilia, em frente ao Palazzo della Signoria. O Borgia entrou na piazzetta e saiu para a PIazza della Signoria pela saída adjacente. Na grande praça, vultos negros rodeavam um grande palco. Podia ouvir as vozes das almas mesmo antes de adentrar a praça. Por sorte, não estava com as suas vestes clericais, caso contrário, poderia ser apanhado. Ele se aproximou, sorrateiramente, cortando a multidão até mais próximo do palco. O homem que estava sobre ele era de aspecto magro e sua pele era pálida; estava encapuzado e não tinha cabelos e barbas, apenas um nariz avantajado e exuberante e olhos profundos e negrios, como o hábito dominicano que vestia. Em suas mãos, havia um cajado o qual era feito de cetim. Falava com fervor. Cesare já o conhecia e queria saber sobre as novas que trazia Savonarola ao povo de Florença.

       — Irmãos e irmãs! Arrependei-vos! Arrependei-vos enquanto o jugo de Nosso Senhor não caia sobre as vossas almas! — Gritou Savonarola, erguendo os braços e os cajados para cima. — Deus enviou o Primeiro Cavaleiro: a Pestilência. A peste já tomou conta das principais cidades e seus arredores. Florença, Milão, Turim, Veneza, Nápoles, Ferrara, Toscana, Paris, Lion, Avinhão, Roma, Ancona, Ragusa e tantas outras cidades da cristandade! Arrependam-se, mestres do mundo, pois, se não arrependerem-se e converterem-se dos maus caminhos, eis que perecerão com este mundo profano e a misericórdia vos será negada! Arrependam-se, ó banqueiros, cuja ganância e cobiça fazem Deus vomitar com o fedor de suas ambições malditas! Arrependei-vos, ó patrícios, que governam esta cidade há muitos anos, trazendo os males para esta cidade, pois grande é o pecado e grande será a ira de Deus sobre vós! Arrependei-vos, ó, pequeninos, que sois humildes de coração e reconhecem os seus erros, convertam-se e humilhem-se perante Deus Pai Todo-Poderoso para que tenha misericórdia de vossas almas naquele grande dia, na tribulação que virá sobre Florença!

       Os florentinos olhavam-o, admirados; os PIagnoni gritavam, confirmando as suas palavras, dizendo: “misere nobis, Domine, ora pro nobis beatae Mariae semper Virgini”.

       — Eu vejo um homem sobre um cavalo vermelho, com armadura reluzentes e capa escarlate, carregada por dois homens escarlate, com suas hostes, vindo para guerrear contra todos. Seu exército preencherá o horizonte e não saberão seu início nem fim. Quando o seu comandante erguer a sua espada, todas as muralhas ruírão… Eu vejo morte, sangue, sofrimento, bestialidade, impiedade, destruíção e desamparo; Deus fechará seus olhos, seus ouvidos se taparão e as preces dos que não se arrependeram serão negadas. Os santos, que por nós rezam todos os dias, em vão, tentarão interceder por eles, mas de nada adiantará… Eu vejo Roma sendo violada pela terceira vez, saqueada e despida pela terceira vez… Eu vejo Satanás, que tomou a Cátedra de São Pedro, e todos os cardeais que se rebaixaram a ele sendo derrotados, trazendo a fome e a morte a muitos homens e inocentes… Eu vejo tudo acabar em ruínas… Mas, eu vejo Florença escapando do jugo de Deus. Florença não será violada. Deus, dentre todas as cidades, escolheu Florença para substituir Roma. Perseverai, ó, povo de Florença, pois Deus nos salvará do Segundo Cavaleiro!

       Cesare desejou não ouvir mais Savonarola. Deixou a multidão e seguiu para o palácio, que era guardado por guardas com lanças e com armaduras resistentes. Ao verem Cesare, ameaçaram-no com as armas. Rapidamente, o cardeal tirou para fora o anel cardinalício, o único indício de que se tratava do alto clero. A sua passagem foi permitida.

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