Capítulo 3

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O último mês foi de muito trabalho. Nenhum corpo foi encontrado, Diego e eu brincamos que o maluco estava tirando férias. Falávamos isso apenas entre nós, obviamente, porque a gente acabava soltando uma risada depois e tínhamos consciência que qualquer outra pessoa ali não iria rir de algo assim.

Apesar de não ter outro corpo, nós trabalhamos com o que tínhamos. Eram muitas informações. Nós refizemos o quadro da investigação, usamos muitas fotos, muitos papéis, retiramos algumas coisas, adicionamos outras. A gente trabalha bem junto, eu admito.

Ele é sim extremamente irritante e arrogante, mas é muito inteligente e atento a todos os mínimos detalhes. Descobri que ele tem 30 anos, apesar de parecer ter 16. Além de irritante, descobri que ele pode ser bem engraçado também, então ele me fazia rir em alguns momentos, por mais que estivéssemos debruçados em fotos de corpos. Apesar de conviver por tantas horas, eu não sabia praticamente nada sobre ele, além dessas informações. Não estava interessado em perguntar e ele não estava interessado em contar. Assim como ele também sabia até menos de mim do que eu sabia dele.

Trabalhamos inúmeras vezes até tarde trancados em uma sala que cheirava a mofo. O cheiro de mofo se misturava ao cheiro de cigarro e café e, um dia, Diego brincou que sentir cheiro de lavanda naquele momento ia ser até reconfortante. Eu ri inicialmente, mas quando lembrei daquele cheiro, senti ânsia. Diego ainda não havia sentido o cheiro, então ele não fazia ideia de como era perturbador.

Hoje era sexta-feira e às sextas nós não trabalhávamos até tarde, era um acordo velado. Eu estava sentado no meu sofá, de banho tomado, bebendo uma cerveja e pronto para assistir um documentário quando meu celular tocou. Assim que vi o nome de Diego brilhando na tela, deixei tocar algumas vezes, na esperança dele desistir. Como eu imaginei, ele não desistiu. Ele nunca desiste.

– Que foi, Diego? – atendi com a voz irritada propositalmente

– Amaury, eu acabei de perceber uma coisa. Eu tava em casa jantando e fui revisar algumas coisas do caso 5, o último, o ruivo e eu percebi...

– Você janta vendo fotos de corpos?

– Não importa, você não tá entendendo... Sério! Você tá na DP? Preciso te mostrar

– Eu tô em casa

– Me passa seu endereço – sua voz era afobada do outro lado da linha

– Eu não vou te passar meu endereço. Diego, é sexta-feira. Vai relaxar, cara

– Amaury, é importante!

– Diego, nada, nesse momento, é mais importante do que eu no meu sofá, bebendo uma cerveja

– Você pode continuar no seu sofá bebendo cerveja enquanto eu te mostro isso aqui

Eu não respondi, apenas bufei alto e eu tenho certeza que do outro lado ele revirou os olhos.

– Porra, você é insuportável. Vou te mandar o endereço por mensagem

Menos de trinta minutos depois, um Diego meio ofegante surgiu na minha porta. Ele entrou como se já conhecesse o lugar, não comentou sobre a falta de alguns móveis ou sobre a bagunça de caixas e eu fiquei aliviado, ia ser meio difícil explicar que eu não acabei de me mudar, que eu só não tô conseguindo desfazer a mudança mesmo depois de seis meses de separação. Ele me entregou algumas cervejas e espalhou algumas fotos e papeis pela mesa de centro, se sentou no sofá e estendeu a mão pra mim, que ainda estava de pé, como se eu fosse obrigado a adivinhar o que ele queria. Infelizmente eu passei a conhecer ele e sabia que quando ele estendia a mão assim, ele tava pedindo o café que estava longe. Só que nesse caso, ele pedia uma cerveja.

Lavanda - dimauryOnde histórias criam vida. Descubra agora