Capítulo XXIII - parte final

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Sangue descia, escorrendo. Pulsava, uma dor leitosa. E ao arrancar o anel... Escuridão. Medo. Desespero. Eu era a catalisadora. O centro da desgraça. Morte. Agonia. Na mesma intensidade que o sangue pulsava, pingando, sujando o chão, no bater de meu coração, as vozes se tornavam mais ensurdecedoras. Eu... estava com medo da minha voz.

"Não..."

Murmurei.

"Sim..."

Respondia.

"Não é certo."

Podia sentir a dor, sabia que ia doer. Ainda assim, sabia que precisava recolocar o anel. Com um gemido de agonia, forcei-o de volta ao outro dedo da minha mão, sentindo cada centímetro do movimento como uma punhalada. O grunhido de dor escapou de meus lábios.

As vozes se calaram. Uma dor que... limpava a mente.

Um suspiro de alívio tomou meu espírito. O que fosse se calou. Quem fosse se foi. A dor acalentava e apaziguava minha mente. Me olhavam pasmos, vendo o espetáculo de horror, sangue pulsante escorrendo, pingando. Cheiro de carne queimada permeando o ar. Ana veio, segurando minha mão, tentando parar o sangramento.

"Última chance."

Nem ela aguenta. O pano molhado fumegava. Esperava que fosse a lady, mas quem apontou, trêmulo, a contra gosto, foi o barão. Meus olhos deslizaram com a lentidão de quem observa a queda de uma folha, até repousarem sobre Alexander Anderson Marvill Terceiro, o dono da fábrica de tintas. Seu semblante, habitualmente enrijecido pela arrogância de um poder inclemente, agora tremia como as mãos de um condenado diante do cadafalso.

O pedido desesperado de Ana se unia às vozes descrentes, sumindo entre elas, sem importância. "Por favor, tire o anel", ela clamou, e como clamou.

Beatriz juntou-se ao coro de súplicas, suas palavras um eco do desespero. "Por favor, isso está te machucando; tire, senhorita!" Ela implorou, seus olhos transbordando de preocupação sem entender a razão do que acontecia.

"Não. Se eu tirar... Não sei o que pode acontecer", uma calma estranha me tomava, a dor não me incomodava mais tanto. Como pontadas de agulha, ou fosse os nervos deteriorados pelo calor.

"Mas!-"

"Sem mas, Ana. Marvill, tem algo a dizer?"

"Quem me deu a carta foi o Collins!"

Entregou sem pestanejar.

"Mentiroso!"

O dito cujo acusou.

"Não veem que ela está tentando separar a família?! E não jogue a culpa para mim, maldito!"

"Ah?! Agora vai fingir de desentendido, puto? Se eu for me foder, você vem comigo! Você me entregou essa bomba porque falou que não tinha como os entregar!"

"Prove!"

Uma faísca para o barril de pólvora estourar de vez. Nobres agindo como selvagens. Vi um homem se lançar sobre o outro dando um belo de um murro no rosto; e este mesmo se levantar, murmurando, ou tentando, pois o maxilar estava deslocado. Adorável bestialidade, trazendo a tona o verdadeiro lado daquela família tão unida. E a própria matriarca parecia se agradar daquela caótica cena. Parte dos homens tentavam segurar Collins, porém como o pai, tinha a força de um touro – combinava com seu serviço, pois era um ferreiro dos bons.

"Seu demônio! Olha o que fez com meu irmão! Desgraçado! Amaldiçoado!" Latia, Sophia da casa Lockser. "Como tem coragem disso?!"

"Cala a boca, vagabunda!" Rosnou. "Não vou me foder por causa desse puto! Ele que me deu essa carta! Não minta!"

Promessas de primaveraOnde histórias criam vida. Descubra agora