XIV

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Jorge agarrou o braço dela e a puxou para fora do quarto sem se importar com o porta-retrato quebrado no chão. Fechou a porta com a outra mão e se aproximou tão perto dela que seus lábios estavam quase se tocando.

- Esse quarto não lhe diz respeito. - falou entredentes. Seus olhos faiscavam.

Angélica se contorceu.

- Você está me machucando. - ela disse num fio de voz. As lágrimas estavam secas em suas bochechas.

Ele a soltou, substituindo sua raiva por desaprovação.

- Você não devia ter vindo aqui.

Angélica não conseguiu dizer nada e ele saiu sem olhar para ela novamente. Ela observou suas costas enquanto ele se afastava. Passando os braços em volta de si, fechou os olhos e suspirou, envergonhada.

Os dois quase não se falaram durante o jantar, por sorte Francisco estava presente e apesar de sentir que algo estava errado, nada comentou e tentou deixar o clima mais leve. Jorge não mencionou o que aconteceu, muito menos ela.

- Eu tenho um trabalho a fazer. Com licença. - disse se levantando.

Jorge se retirou da sala-de-jantar deixando o pai e a esposa a sós.

- Jorge, as vezes, se torna uma pessoa difícil, mas nada que você não possa contornar. - disse com um sorriso encorajador. - Você é uma mulher doce, mas muito determinada.

Ela deu um sorriso, mas nem ela acreditava no que Francisco Monforte estava falando.

- Você joga xadrez? - perguntou ele.

Ela sorriu mediante a mudança de assunto dele, provavelmente uma tentativa de animá-la.

- Eu jogo, mas me considero uma jogadora um tanto medíocre.

- Minha querida, eu posso apostar todos os dedos das minhas mãos que nada em você é medíocre.

Os dois sorriram. Como ela se sentia bem com o sogro. Como ela se sentia bem e confortável na presença dele. Quem dera pudesse ser assim com o marido.

A maior parte da noite os dois jogaram e se divertirem. Mas em nenhum momento Jorge reapareceu. Perto das 21 horas, Angélica decidiu que era hora de dormir. Despediu-se do sogro e foi para o quarto que dividia com o marido. Passou pelo quarto que fora o motivo do afastamento de Jorge sem olhar para ele e entrou no seu. Trocou-se e olhou para a porta. Nada de Jorge. Sentou-se na penteadeira e pelo espelho olhava a porta enquanto penteava seus longos cabelos. O marido não voltou. Sentou-se na cama e os minutos se passavam sem o retorno dele. Já passava das 22 horas quando ela se levantou e colocou um robe. Ela iria a sua procura.

Saiu do quarto e foi até o escritório de Jorge. Não havia qualquer luz saindo por baixo da porta. Talvez ele tivesse ido para o antigo quarto. Angélica foi em direção ao seu próprio quarto, desistindo de procurá-lo quando viu um movimento com
o canto do olho. A porta da biblioteca estava aberta, lhe dando uma visão clara do marido, que estava sentado na grande poltrona em frente as portas francesas abertas, provavelmente por causa do calor,
no escuro, bebendo o que parecia ser uísque. Angélica ainda pensou em ir até
ele e pedir desculpas, mas sua expressão a fez desistir. Em vez disso, ela calmamente voltou para o quarto. Ela tentou dormir, mas só muito tempo depois obteve sucesso.

Acordou ainda muito cansada. Não descansara nada naquela noite. Olhou para o lado e viu o lado da cama do marido intocado. Ele não dormira com ela. Era bem cedo, como era seu costume acordar. Levantou-se e trocou de roupa. Arrumou-se rapidamente e saiu ainda no escuro. Os primeiros raios solares ainda nem tinham despontado. Ninguém a viu sair de casa. Era bem provável que ninguém houvesse ainda se levantado. Foi até o estábulo.

- Olá, princesa. - o relincho de Fúria a acalmou.

A própria Angélica selou a égua e seguiu para a sua fazenda. Ela não pôs o chapéu, foi de cabelos soltos. Queria sentir o vento frio do amanhecer chicoteá-los em seu rosto. Era como se precisasse daquilo para se sentiu viva. O caminho não era longo. Quem dera fosse maior. Durante o percurso viu o despontar dos primeiros raios de sol. Ao chegar em suas terras, logo deparou-se com Matteo.

- Bom dia, Matteo.

Ele apenas assentiu com a cabeça.

- Não é bom que um amigo fique sem falar com outro.

- Que bom que veio. - ele disse sem nenhuma emoção. - Ontem eu a esperei. Um empregado do seu marido veio avisar um tempo depois que você não vinha. - ela assentiu.

- Na dia anterior havia sido meu casamento. Eu estava cansada.

Ele assentiu de novo sem querer demonstrar que aquilo o afetava demais. Mas ela sabia. Infelizmente sabia.

- Mas me diga o que eu perdi.

Os dois começaram a tratar dos assuntos da fazenda. Angélica percebeu que seu amigo não poderia estar mais distante. Mas ela tinha fé que aquilo logo passaria e o amor que ele lhe tinha confessado acabaria chegando ao fim.

Voltaram para a casa grande da Fazenda Fernandes Lima. Juntos tomaram o café-da-manhã e discutiram sobre assuntos burocráticos. Já perto da hora do almoço, Angélica retornou para a Fazenda Monforte. Um dos empregados a recebeu e pegou Fúria para levar ao estábulo. Ao entrar na casa grande do viu Sofia.

- Boa tarde, Sofia.

- Boa tarde, senhora. - falou sem nenhuma emoção.

- Onde está meu marido?

- O senhor Jorge está no escritório, senhora - a voz de Sofia soava fria, sem vida. - E perguntou pela senhora no café-da-manhã. - informou ainda sem emoção.

Angélica franziu o cenho e pensou como uma pessoa podia ser daquele jeito.

- Obrigada pelas informações, Sofia.

A mulher assentiu e saiu rígida. Angélica foi em direção ao escritório. Ao se aproximar havia silêncio atrás da porta, mas isso não queria dizer nada. Bateu e em seguida entrou, sem esperar por uma resposta. Jorge  estava sentado atrás de uma mesa de madeira escura e estreitou os olhos quando a viu entrar em
seu escritório pela primeira vez. Talvez ele sentisse como se ela estivesse invadido seu espaço pessoal novamente.

Os olhos de Angélica pousaram sobre a moldura de prata na mesa. A imagem era da sua primeira esposa. Ele abaixou o porta-retrato no
meio da mesa, como se tivesse pressa em escondê-la quando a viu entrando. Não havia quaisquer outras fotos na sala. Somente a dela.

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Era uma vez... A viúva virgemOnde histórias criam vida. Descubra agora