XXXVII

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Aquele grito cortou o silêncio noturno. Angélica gritara e acabou despertando toda a casa. Jorge saiu em desespero do quarto. Ao percorrer o corredor parecia que o percurso tinha um quilômetro de tanto que pareceu demorar. Chegou na sala-de-estar, mas não viu a mulher.

- Angélica? - ele gritou, mas o silêncio veio como resposta.

Então ele percebeu as portas francesas abertas e seguiu até lá. Então ele a viu. Sua mulher estava ao pé da escada que dava para os jardins da propriedade. Angélica estava estendida no chão com a barriga para baixo.

Jorge desceu os vinte degraus correndo, desesperado.

- Anjo? - ele tentou chamá-la, mas ela não atendeu.

Angélica estava desmaiada. Jorge a pegou no colo e nessa hora o pai, Dolores, Adelina e Vitória saiam pela mesma porta que ele havia saído alguns minutos antes.

- Filho, o que houve? - Francisco perguntou enquanto Jorge carregava a mulher nos braços subindo as escadas.

- Mande chamar um médico, meu pai. - foi tudo o que Jorge conseguiu falar.

Ele entrou e, no quarto,  colocou a mulher na cama. Ela continuava desacordada. Então ele viu sangue que manchava a branca roupa de dormir.

- Meu amor? - ele falava como uma súplica.

- Filho, seu pai já mandou o José ir até a cidade trazer o médico. - disse Dolores.

Jorge parecia não ouvir ou se ouviu, não processava nada. Só conseguia se concentrar em sua mulher. Ajoelhado no chão e encostado na cama, ele segurava a mão dela. Sem perceber, lágrimas caíam.

- Acorde, meu amor. - ele segurava a mão dela forte enquanto sua voz saía embargada.

Jorge não pôde precisar o tempo que passou, pois ele só conseguia se concentrar na sua amada esposa e implorar a Deus que não permitisse que nenhum mal a acontecesse.

- O que houve? - era o médico que chega ao quarto.

Jorge se levantou num rompante.

- Por favor, doutor, salve a minha mulher. - a voz dele denotava o desespero que inundava seu ser.

- O que aconteceu, Jorge? - ele foi enfático para que ele fosse objetivo na resposta.

- Eu não sei. Só ouvi o grito dela e a encontrei caída aos pés da escada.

- Ela caiu?

- Acredito que sim.

O médico começou a examiná-la e não viu nenhum corte ou contusão aparente. Depois examinou o ventre abaulado.

- Não está na época. - disse Jorge uma coisa que o médico bem sabia, mas era o desespero falando.

- Jorge, deixe-me sozinho com a Dolores. Você está nervoso e pode me atrapalhar. - ele começou a negar com a cabeça.

- Vanos, filho . - disse Francisco - Deixe-o ajudar a sua mulher.

Jorge deixou-se ser levado. O médico ficou no quarto com Dolores. Quando chegaram na sala-de-estar, o pai o ajudou a sentar na poltrona. O relógio badalou, Jorge olhou e viu 5 horas. Ainda estava escuro. Como a alma dele. Um trovão pareceu estremecer todo o lugar. Não havia lua. A iluminação clareava parcamente o ambiente quando um raio rompeu a escuridão. Logo uma chuva intensa começou a cair incessantemente.

- Se algo acontecer com ela, eu não vou aguentar. - as lágrimas caiam devagar.

- Nada de ruim vai acontecer, filho. - Francisco falava tentando confortar o filho, mas ele não estava convicto daquilo.

- Eu sofri quando Joana se foi, meu pai. - o olhar dele era vago. - Mas, acredite em mim, nada vai se comparar se eu perdê-la. Eu amei Joana, mas Angélica é a minha vida.- o rosto estava inundado.

- Nada vai acontecê-la. Tenha fé, Jorge.

- Eu nunca pensei que fosse amar novamente. Muito menos que eu fosse amar tanto. - falava completamente vulnerável. - Se ela morrer, eu também morro. - sussurra, dolorosamente.

- Não fale isso, pelo amor de Deus. - repreendeu o pai.

Então outro grito cortou a noite. Era mais uma vez o grito de Angélica. Jorge pareceu sair da sua letargia e correu em desespero de volta ao quarto.

Ao chegar viu a esposa se contorcendo na cama.

- O que está acontecendo? - indagou Jorge.

- Traga toalhas limpas e uma bacia com água quente,  Dolores. - o médico não respondeu ao marido de Angélica, estava agitado tentando fazer o seu trabalho.

Dolores saiu do quarto para fazer o que foi mandado.  Jorge sentou ao lado de Angélica e a abraçava tentando acalentá-la, mas nada a acalmava.

- Ajude-a, pelo amor de Deus.

- Se você for ficar aqui me enlouquecendo, saia e me deixe trabalhar. - Jorge calou-se e acolheu a mulher em seus braços.

Angélica gritou novamente.

- Estou aqui, minha vida. - ele beijava a têmpora dela, mas Angélica parecia não ouvir. - O que está havendo?

- Não está claro? - perguntou retoricamente. - A sua mulher entrou em trabalho de parto.

- Mas ainda está cedo. - afirmou com a voz atormentada.

- A queda provavelmente acelerou o processo. - explicou o médico sem parar de fazer seu trabalho, pegava coisas na sua maleta.

- Mas ela vai ficar bem? - a sua voz era só um suspiro.

O médico parou e o encarou.

- Reze pra isso.

Não deu tempo dele se atormentar com aquela frase que parecia mais uma sentença de morte, pois Angélica gritou outra vez. Nesse instante Dolores vinha com a bacia de água quente e as toalhas.

Tudo se seguiu muito rápido.

- Faça força, Angélica. - o médico dizia. - Seu bebê já quer sair.

Angélica pareceu processar aquela informação e começou a fazer o que o médico pedia.

- Quando a dor for intensa, empurre. Faça a maior força da sua vida. - o médico orientou e assim ela fez.

Mas a força que Angélica fazia parecia não surtir efeito. Ela estava cada vez mais cansada. Ela chorava e gritava e fazia força. Nada.

- Eu estou aqui, meu amor. - Jorge a beijava e falava palavras de conforto.

Nada estava ajudando. Não era hora do seu bebê nascer. Ele fora obrigado. Aquilo só estava acontecendo por intermédio de uma pessoa má.

Nádia força. Mais gritos. Mais choro. Mais desespero. Angélica estava exausta. Então o chorinho agudo denunciou a chegada de mais uma vida ao mundo.

- Nasceu. - disse o médico segurando o bebê nos braços.

Angélica sorriu. Mesmo em meio a exaustão, ela sorriu quando viu aquela boquinha vermelha em formato de coração.

- Bem-vindo, meu amorzinho. - ela conseguiu dizer e desmaiou.

Era uma vez... A viúva virgemOnde histórias criam vida. Descubra agora