Desafios de Inverno

694 8 0
                                    

O inverno em North Lake Tahoe era uma realidade completamente nova para mim. Cresci no calor do Rio de Janeiro, onde o inverno nada mais era que uma brisa mais fresca à noite. Neve? Era algo que eu via em filmes, uma paisagem surreal, quase fantasiosa. Mas agora, ali estava eu, cercado por montanhas cobertas de branco, respirando um ar tão gelado que parecia cortar meus pulmões a cada inspiração. Cada passo afundava na neve espessa, e o ar frio lembrava a todo instante o quão longe eu estava de casa.

Nessa manhã, fui até a área de recreação buscar meu equipamento de esqui. O lugar ainda estava calmo, e Stefani já estava ali, ajeitando alguns capacetes e botas de esqui nas prateleiras.

— Bom dia! Não te vi hoje no café — disse, tentando disfarçar a preguiça que o sono ainda deixava nos olhos.

Stefani olhou para mim, surpresa por um segundo, mas logo sorriu.

— Ah, saí mais cedo. Alguém tem que estar aqui para organizar tudo antes da correria. Mas e você? Trabalhando em dobro? — perguntou, com um olhar de aprovação e um toque de curiosidade.

Ri, meio sem jeito, enquanto pegava o capacete.

— Pois é. As gorjetas do restaurante ajudaram, mas ainda não são suficientes. E sendo instrutor de esqui posso juntar mais, mesmo que só tenha aprendido o básico na última semana.

Ela ergueu uma sobrancelha e cruzou os braços, me observando com interesse.

— Uau, admiro isso. Eu não teria esse empenho todo, não. Dar um jeito de aprender esqui em tempo recorde e ainda trabalhar duas vezes ao dia... é corajoso.

— Ou loucura, né? — respondi, rindo. — Mas preciso fazer isso dar certo. Cada dólar me aproxima de realizar o que vim buscar aqui.

Stefani sorriu de lado, em um gesto quase encorajador.

— Bom, se precisar de alguma coisa, estarei aqui. Vou torcer por você, Alex.

— Obrigado! — sai da loja de recreação às pressas, pois estava quase atrasado para minha aula.

Agradeci com um aceno e fui até a área de equipamento, onde podíamos nos preparar antes das aulas. Coloquei as botas e, no segundo seguinte, uma presença familiar me fez levantar os olhos. Noah estava do outro lado da sala, ajustando os próprios esquis. Ele parecia tão concentrado que por um momento pensei que nem tinha percebido que eu estava ali. Mas, como se sentisse meu olhar, ele ergueu a cabeça, nossos olhares se encontraram por um segundo. Era como uma linha invisível se esticando e tensionando entre nós, um tipo de desafio silencioso.

Eu abri a boca para dizer alguma coisa, mas Noah desviou o olhar, voltando à tarefa como se eu não estivesse ali. Fiquei parado por um instante, as palavras presas, enquanto uma irritação crescente me dominava.

Riquinho arrogante.

Pensei, apertando os lábios para conter um suspiro exasperado. Ele seguia completamente alheio, ajeitando os esquis com uma serenidade que me deixava inquieto. Algo na indiferença dele fazia com que a raiva crescesse ainda mais. Com o rosto quente de irritação, forcei um suspiro e terminei de me arrumar, mantendo o foco no que era importante.

Saí da área de equipamentos e segui até a montanha, onde o grupo de adolescentes já me aguardava para a primeira aula do dia. Cada um deles parecia ansioso, e eu mesmo tentava parecer o mais confiante possível, apesar da pouca experiência. Dei as primeiras instruções, mas, enquanto me movia, meus olhos insistiam em procurar Noah. Ele já estava mais abaixo, esquiando com um grupo de amigos, todos tão à vontade quanto ele.

Noah era o centro das atenções, mesmo sem fazer esforço algum. Seus movimentos precisos e calculados tornavam o esqui quase natural. Quando descia a montanha, o corpo completamente alinhado com a neve, era como assistir a uma coreografia de alguém que pertencia àquele lugar. Isso me irritava profundamente.

Eu deveria estar focado nos alunos. Um dos adolescentes, claramente mais inseguro, chamou minha atenção com um murmúrio nervoso.

— Estou fazendo certo, Alex?

Forçando um sorriso, me aproximei para ajustar sua postura, tentando manter o foco onde devia.

— Está indo bem. Só se incline um pouco mais pra frente e dobre os joelhos — respondi, mas a irritação continuava ali, fervendo por baixo da superfície.

Cada vez que meus olhos se desviavam para Noah, uma onda de frustração crescia em mim. Ele estava ali, completamente alheio a tudo ao redor, enquanto eu lutava para manter o controle da aula. Era como se a sua simples presença me lembrasse de que eu ainda estava longe do que queria alcançar. Eu sabia que estava colocando essa tensão toda em mim, mas, por alguma razão, ele só fazia isso piorar.

Noah parecia flutuar em sua bolha, como se o resto do mundo fosse um detalhe insignificante. E eu, ali do lado, tinha que lidar com aquela imagem que, por algum motivo, não conseguia ignorar.

Mas, de repente, ele parou e olhou diretamente para mim, sem qualquer aviso. Fiquei tão surpreso que minha respiração travou por um segundo. Havia algo naquele olhar que não parecia simples. Era um misto de indiferença e... desafio? Só sei que minha pele queimava sob o frio gelado, como se ele tivesse me desafiado a encará-lo de volta. Mesmo assim, em um instante, ele desviou o olhar, deixando-me ali, com o coração acelerado e a irritação mais forte do que nunca.

Quem você pensa que é?

Pensei, tentando me convencer de que ele era só mais uma distração que eu precisava ignorar.

Mas isso era mentira. Noah não era apenas mais um qualquer. Ele mexia comigo de uma forma que eu ainda não entendia, e isso só me deixava mais determinado a focar em meu trabalho, em meu propósito.

Quando me virei de volta para os adolescentes, um deles acenou timidamente.

— Tá bom agora, Alex?

Soltei o ar que prendia no peito e forcei um sorriso, segurando o rosto que ainda estava quente.

— Tá ótimo, vamos lá! — respondi, tentando soar entusiasmado.

A realidade era que eu tinha outras prioridades, metas maiores e mais importantes. Noah não fazia parte do meu futuro, mas ali, naquele momento, ele dominava o presente de um jeito... 

O Idiota Americano - 1 (Em revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora