O sol já estava se pondo, e eu observava as nuances de laranja e rosa no céu contrastando com o branco pálido da neve que cobria as partes mais expostas do resort. Algumas fachadas de madeira do lugar refletiam a luz do entardecer, dando uma sensação acolhedora, embora o frio fosse implacável. Depois de um dia exaustivo no restaurante, Ana e eu saímos em direção ao ponto de ônibus, caminhando lado a lado, e senti um silêncio raro vindo dela. Ana, geralmente cheia de comentários e energia, parecia pensativa.
— Você tá quieta hoje — comentei, tentando quebrar o silêncio.
Ela me olhou, e aos poucos o brilho habitual voltou ao seu olhar. Ana tinha essa forma peculiar de se perder nos próprios pensamentos e, de repente, explodir em entusiasmo. Era como se o mundo interior dela fosse cheio de faíscas, prontas para acender a qualquer momento.
— Tava pensando — disse ela, ajustando o cachecol. — Sobre o futuro e... tudo mais. Esse intercâmbio é importante, mas sempre que penso em onde quero estar, volto para a mesma imagem: Nova York.
Sorri, já sabendo que não era a primeira vez que ela falava disso.
— Nova York parece ser incrível mesmo — respondi, mais para incentivá-la a continuar. — Mas acha que não é um sonho meio distante? — Gostei da resposta.
— Distante, sim. Impossível, não — retrucou, com convicção. — Sempre imaginei minha vida lá, sabe? Desde adolescente. Culpem Gossip Girl ou todos aqueles filmes que romantizam a cidade, mas me vejo lá. E não é só pelos arranha-céus ou pelas luzes. É o lugar ideal para alguém que quer viver o jornalismo de verdade.
Ri da forma como ela falava, tão séria e determinada.
— Achei que as pessoas só diziam "jornalismo de verdade" quando falavam de guerras ou grandes conspirações.
Ana semicerrou os olhos e fez um sorriso de canto.
— Bobo! — retrucou. — Quando falo de "jornalismo de verdade", quero dizer algo que tenha um impacto genuíno. Escolhi Nova York, não necessariamente para morar pra sempre, mas para ter uma experiência fora da minha bolha, pra me desenvolver como pessoa e profissional. Acho que viver lá é uma forma de crescer.
A paixão dela era evidente, e isso me fez pensar no cinema — um sonho que sempre esteve em mim, mas que talvez eu nunca tivesse verbalizado com tanta intensidade. Será que eu estava mesmo comprometido ou apenas "seguindo o fluxo" sem me arriscar?
— E você? — Ana perguntou, como se lesse meus pensamentos. — O que você realmente quer, Alex? Sem essa de "juntar grana" e "trabalhar muito". Quero saber o que você realmente quer da vida.
A pergunta me pegou de surpresa, me fazendo questionar tudo. Eu tinha o sonho do cinema, mas me perguntei: quando foi a última vez que pensei no que realmente me faz feliz?
— Eu... não sei, Ana. Acho que tô tão focado em fazer tudo dar certo, em garantir que vou conseguir me estabelecer aqui, que esqueço de pensar nisso — admiti, meio que confessando algo que eu mesmo evitava.
Ela sorriu de lado, parecendo entender.
— É disso que eu tô falando. Às vezes, a gente fica tão preso no futuro que esquece de viver o agora. Quer saber? Talvez você esteja se sufocando com tantos "deveres". Já pensou em relaxar e curtir mais o intercâmbio?
Soltei uma risada, mas, por dentro, suas palavras ecoavam em mim. Relaxar... parecia uma ideia estranha. Desde que cheguei aqui, entre o trabalho e as metas, parecia que nem sabia o que era isso.
— Tá dizendo que eu devo parar de me preocupar? — brinquei, mas escondendo a dúvida real.
— Exato! — Ela me deu um leve tapa no ombro, rindo. — Aproveitar as oportunidades. Como, por exemplo... Patrício.
Eu fiz uma careta, surpreso.
— Patrício? O que tem ele?
Ana arqueou as sobrancelhas, com um sorriso malicioso.
— Acha que não percebi? Ele dá em cima de você sempre que pode! E vou te dizer, acho que você gosta disso.
Ri, desconcertado. Sim, eu tinha notado o flerte de Patrício, mas nunca soube lidar muito bem com isso.
— Não sei... — comecei a dizer, mas Ana me interrompeu.
— Sabe sim, Alex. Você só se sabota com todas essas "responsabilidades". Quem sabe, se relaxar um pouco, não descobre coisas novas sobre si?
Fiquei em silêncio, absorvendo o que ela disse. Ana sempre tinha esse jeito direto, sem rodeios, e, talvez, ela estivesse certa. Eu estava tão focado nos meus objetivos que deixei as experiências e as pessoas ao meu redor em segundo plano.
— Talvez você tenha razão... — murmurei, mais para mim mesmo.
— Claro que tenho — ela piscou. — Agora, faça um favor a si mesmo: relaxa, curte o lugar, o intercâmbio... e, quem sabe, o Patrício também.
Ela soltou uma risada alta, e eu ri junto, sentindo o peso diminuir um pouco. O ônibus chegou logo em seguida, e enquanto entrávamos, tive a sensação de que Ana, com seu conselho, tinha me dado algo importante — algo que, até então, eu não sabia que precisava.
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O Idiota Americano - 1 (Em revisão)
RomanceO que acontece quando duas pessoas de mundos opostos se encontram em um lugar inesperado? Alexandre, um jovem brasileiro de 22 anos, vai para os EUA em um intercâmbio Work and Travel, determinado a juntar dinheiro para sua pós-graduação em cinema...