Entre Bebidas

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A noite no bar estava mais tranquila do que eu esperava. O tilintar constante dos copos e o murmúrio baixo das conversas ao redor criavam um ambiente reconfortante. Depois de tantos dias intensos no restaurante, o turno de barman parecia um tipo de terapia. Preparar drinks, mexer com ingredientes, tudo isso me trazia uma sensação de controle que eu não sentia ao correr de mesa em mesa.

Estava cortando limões, perdido na rotina, quando ouvi a porta do bar se abrir. Olhei para cima, e, para minha surpresa, Noah entrou. Ele estava sozinho, sem os amigos e sem o ar de superioridade habitual. Hoje, o cabelo loiro caía um pouco mais sobre o rosto, de uma forma despretensiosa, mas que o deixava... diferente. Mais intenso. Eu esperava que ele caminhasse direto para as mesas, mas, em vez disso, ele veio em direção ao balcão, sentando-se bem à minha frente.

Quando ergui os olhos, nossos olhares se encontraram, e percebi uma leve mudança na expressão dele. Seus olhos se estreitaram, quase como se estivesse surpreso em me ver ali. Mas a surpresa logo se dissolveu, dando lugar a um sorriso suave, diferente de tudo que ele tinha me mostrado até agora. Ele parecia mais calmo, o olhar meio travesso e um pouco mais... próximo.

— Uma dose dupla de bourbon, por favor. — Sua voz saiu mais baixa, quase rouca, como se estivesse testando o efeito que teria em mim.

Engoli em seco, sem conseguir disfarçar a surpresa de vê-lo tão próximo e, ainda por cima, com aquele olhar. Ele continuava observando-me com uma intensidade que me deixava ligeiramente desconcertado. Respirei fundo, mantendo a compostura e servi o pedido. Quando empurrei o copo na direção dele, vi que ele me observava atentamente, e o canto da sua boca se ergueu em um sorriso sutil.

Ele segurou o copo com delicadeza, mas não bebeu de imediato; ficou girando o líquido, perdido em pensamentos. O silêncio entre nós dois era carregado, algo que eu não sabia exatamente como interpretar. Quando finalmente tomou um longo gole do bourbon, seu olhar estava fixo no copo.

— Sabe, às vezes tudo isso é uma grande merda — disse ele, em um tom baixo, quase como se falasse consigo mesmo.

Pisquei, pego de surpresa. Noah parecia ter rachaduras. Havia algo em sua postura, algo no jeito que segurava o copo, que deixava transparecer uma vulnerabilidade inesperada. Parecia que ele carregava um peso invisível, e o desabafo havia saído sem que ele pudesse segurar.

— Tudo isso? — perguntei, com a voz ligeiramente hesitante, tentando entender o que ele queria dizer. Ele me olhou de canto, avaliando se queria ou não continuar.

— É... ser sempre o "responsável". Todo mundo acha que só porque meu pai é quem é, eu também tenho que ser igual. — Ele girou o copo nas mãos e deu um sorriso amargo. — Só que eu nem sei se quero isso.

Eu fiquei em silêncio, deixando a revelação assentar. Ali estava Noah, um enigma ambulante, finalmente abrindo uma pequena fresta para o que parecia ser a verdadeira pessoa por trás da fachada de idiota. Ele parecia tão humano, tão... próximo, que por um momento parecia ser outra pessoa.

— E o que você quer? — perguntei, sinceramente interessado, mantendo o tom leve, mas percebendo a leve tensão que nascia entre nós.

Ele ficou quieto, ainda encarando o copo, como se nunca tivesse realmente pensado nisso. Depois de um longo suspiro, continuou.

— O estúdio da minha família... está em crise. Meu pai está com medo de arriscar, acha que apostar em um novo diretor vai afundar tudo de vez. Mas esse projeto... é a nossa chance de salvar o que construímos. Só que ele não acredita em mim.

Eu assenti, absorvendo cada palavra. Nunca imaginei que Noah tivesse esse tipo de problema. Sempre o via como alguém que tinha tudo, mas agora percebia que ele também carregava um peso enorme. Seus olhos se ergueram novamente, me encontrando. Havia uma profundidade ali, um pedido mudo de compreensão. Por um segundo, pensei que ele fosse dizer mais, mas ele apenas sorriu, um sorriso triste, como se estivesse acostumado a carregar esse fardo sozinho.

— Cinema é risco — respondi, tentando compartilhar um pouco da minha própria visão. — Se você acredita nesse projeto, talvez o risco valha a pena.

Ele me observou, a expressão de surpresa estampada no rosto.

— Você quer trabalhar com cinema? — perguntou, genuinamente curioso.

Dei um leve sorriso, um pouco tímido.

— Sim, é o meu sonho. E sei que é arriscado, mas não ligo. Estou disposto a arriscar tudo para tentar. Acho que é isso que faz sentido para mim.

Noah me encarou por mais um tempo, o rosto relaxado, e pude notar um brilho diferente em seus olhos, como se estivesse realmente impressionado. O leve sorriso em seu rosto foi se desfazendo, e sua expressão ganhou uma intensidade que me pegou desprevenido. Era como se estivéssemos, de repente, ligados por algo mais profundo.

— Eu admiro isso — disse ele, sua voz mais suave, quase um sussurro. — É raro encontrar alguém que não se intimida com o fracasso.

O silêncio entre nós se alongou, mas era um silêncio confortável, cheio de significados não ditos. Ele se inclinou um pouco para frente, o olhar ainda fixo em mim. Um leve arrepio percorreu meu corpo, mas mantive a expressão neutra, lutando para não demonstrar nada. O ar ao nosso redor parecia mais pesado, comecei a ter a percepção da minha própria respiração.

Quando Noah finalmente se levantou, ele hesitou, me olhando de uma forma que eu não sabia bem como interpretar. Um aceno de cabeça quase imperceptível, mas o suficiente para me fazer entender que ele estava agradecido, de algum jeito.

— Boa noite. — A voz dele saiu baixa, carregada de um peso que eu não entendia completamente.

Fiquei ali, parado atrás do balcão, o coração batendo um pouco mais rápido. Noah Wordsen era muito mais do que eu imaginava. E aquela noite ele se mostrou mais do que qualquer outro dia. 

O Idiota Americano - 1 (Em revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora