O dia começou de forma um pouco diferente. Havia perdido o sono. Acordei mais cedo do que o normal e, com uma xícara de café quente nas mãos, fiquei observando a neve caindo do lado de fora do housing. O céu estava limpo, e a luz suave da manhã refletia nos flocos que dançavam silenciosamente pelo ar. Minha mente vagava, pensando nos rumos que minha vida estava tomando.
Às vezes, acho loucura como tive coragem de me inscrever nesse intercâmbio, de sair da minha zona de conforto, e já conheci tantas pessoas incríveis aqui. Esse era um passo grande, e, apesar das dificuldades, cada dia me mostrava o quanto estava valendo a pena.
Depois desse breve momento de calma, preparei-me para mais um dia de aula de esqui. O frio já não era uma surpresa, mas, de vez em quando, o vento gelado ainda me pegava desprevenido, como um lembrete de que eu estava muito longe do calor ao qual estava acostumado. Tentei focar nas técnicas que explicava aos alunos, ignorando a sensação do gelo penetrando pela minha roupa. Por mais que Patrício tenha falado que com o tempo a gente acostuma com o frio, eu ainda não consegui esse feito.
Enquanto guiava um dos alunos mais novos, percebi uma menina mais atrás, parada e visivelmente nervosa. Ela devia ter uns 10 anos e, pelo jeito que segurava as hastes dos esquis com força, dava para ver o nervosismo. Mas o que mais chamou minha atenção foi o brasão de Hogwarts estampado na sua jaqueta. Fã de Harry Potter, já gostei dela de cara.
Aproximei-me e abaixei-me para ficar na altura dela, com um sorriso encorajador. Ela me olhou, hesitante.
— Está com medo de cair? — perguntei.
Ela acenou timidamente.
— Sim... Não consigo me equilibrar direito. É muito escorregadio.
Notei o símbolo de Hogwarts e decidi usar isso a meu favor.
— Você é fã de Harry Potter?
— Aham — respondeu hesitante, ainda tentando se equilibrar.
— Qual é o seu personagem favorito? — perguntei, tentando fazer com que ela focasse apenas em mim.
Ela me olhou, seus olhos ganhando um brilho entusiasmado.
— A Luna... E o Roni — disse, tentando conter um sorriso.
Eu ri junto.
— A Luna? Ela é incrível. Sabe o que acho mais inspirador nela? Ela sempre acredita em si mesma, mesmo quando ninguém mais acredita. — Fiz uma pausa, ajustando os esquis dela. — Você pode ser assim também. Quero que você acredite em si mesma, ok?
A menina sorriu, visivelmente mais tranquila, e isso me deixou satisfeito. Harry Potter sempre funcionava – era como mágica, literalmente.
De repente, senti uma presença do meu lado, e, antes que pudesse reagir, alguém esbarrou em mim. Por um segundo, desequilibrei-me, mas consegui me manter de pé. Ao me virar, vi Noah ali, com aquele sorriso cínico de sempre estampado no rosto.
— Opa, quase te derrubei, hein? — disse ele, sem realmente parecer arrependido.
Respirei fundo, tentando manter a calma. Ele não merecia uma explosão de raiva. Pelo menos, não agora.
— Acho que você precisa de mais prática, Noah — rebati, um sorriso passivo-agressivo no rosto. — Não é todo dia que vejo alguém tropeçar na própria arrogância.
Noah ergueu as sobrancelhas, com um sorriso divertido crescendo no rosto.
— Você sabe meu nome? — perguntou, claramente surpreso e, ao mesmo tempo, satisfeito. Foi aí que percebi a besteira que fiz.
"Ótimo, Alex," pensei, irritado. "Mais essa pra Ana fofocar depois."
— Sim — tentei disfarçar, pensando rápido. — Você vai bastante ao restaurante. Tenho uma boa memória — acrescentei, esperando que minha expressão neutra disfarçasse o desconforto. — Acabei guardando seu nome, como de tantos outros.
Minhas palavras saíram mais agressivas do que eu pretendia, mas ele parecia se divertir com isso. Ele segurou meu olhar, aquele brilho desafiador e quase provocador nos olhos.
— Touché! Quase fiquei ofendido — respondeu, colocando uma das mãos no peito em fingida surpresa.
— Eu quase me importei — devolvi, tentando manter a postura.
Noah riu, uma risada baixa e controlada, como se estivesse se divertindo às minhas custas. Ele era um enigma, e, decifrá-lo, um desafio que eu não sabia se queria enfrentar. Mas algo mudou naquele instante. Seu sorriso vacilou por uma fração de segundo, e, por trás de toda a confiança, vi algo diferente – seus olhos foram de mim para a garotinha que segurava a ponta da minha jaqueta. Notei um lampejo de cansaço, talvez até de tristeza. Durou apenas um instante, mas foi o suficiente para me fazer questionar se ele realmente estava tão confortável com sua máscara de autossuficiência.
Logo, ele recuperou a postura, voltando a ser o Noah confiante e despreocupado de sempre. Ele se afastou, lançando outro comentário sarcástico aos amigos, que riam ao longe, mas aquele breve vacilo ficou comigo. Senti um misto de raiva e algo mais profundo – algo que não conseguia identificar. Noah mexia comigo de um jeito desconfortável, e não era só por sua arrogância. Havia algo mais por trás daquele comportamento, algo que ele não queria deixar transparecer.
Antes que eu pudesse entender melhor meus próprios pensamentos, a menina de 10 anos puxou minha manga, trazendo-me de volta ao presente.
— Professor, como eu faço para não cair de novo? — perguntou, ansiosa.
Sorri para ela, abaixando-me para ajustar seus esquis.
— Lembra da Luna. Você consegue, porque você é diferente — disse, e ela assentiu, mais confiante dessa vez.
Depois da aula, caminhei em direção à área de descanso para tirar meus esquis. Foi quando percebi Noah, já sentado no banco próximo à entrada da montanha. Um suspiro escapou antes mesmo que eu conseguisse me controlar. Ele estava ali de novo, sempre na minha linha de visão, como se o universo achasse divertido nos colocar juntos.
Revirei os olhos, mas segui em frente. Ao me aproximar, pedi licença para passar e me sentar no banco. Noah levantou os olhos, surpreso, e abriu um sorriso discreto, diferente do habitual sorriso cínico que eu já tinha me acostumado a ver.
— Eu vi o que você fez pela garotinha — começou ele, de um jeito quase casual. — Isso foi muito legal. Ela conseguiu descer sem cair.
Eu, que já estava armado com uma resposta sarcástica, senti a tensão nos ombros diminuir. Não esperava isso dele. Uma reação genuína, talvez até... gentil?
— Obrigado — respondi, desarmado, enquanto terminava de tirar os esquis. — Só estava fazendo o meu trabalho.
Enquanto eu me ocupava em remover os equipamentos, Noah assentiu, os olhos voltados para os flocos de neve caindo à nossa frente. O silêncio era quase confortável, mas também trazia aquela sensação estranha, uma inquietação que ele parecia despertar toda vez que estava por perto.
Terminei de ajustar o último esqui e, sem mais palavras, me levantei e me afastei. Mas o desconforto ficou, como se ele tivesse plantado alguma coisa que eu ainda não sabia identificar.
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O Idiota Americano - 1 (Em revisão)
RomanceO que acontece quando duas pessoas de mundos opostos se encontram em um lugar inesperado? Alexandre, um jovem brasileiro de 22 anos, vai para os EUA em um intercâmbio Work and Travel, determinado a juntar dinheiro para sua pós-graduação em cinema...