Noite com Ele - Duskwood

18 - Jessy

Prendi o cabelo em um rabo de cavalo e virei as costas para o espelho, tentando ver a extensão dos ferimentos que os curativos de Jake cobriam. As gazes, levemente manchadas de sangue, estavam distribuídas de um lado a outro cortando a extensão da coluna.

Hmm... Exagerado. Pensei, colocando uma camiseta folgada para que o tecido não friccionasse contra a pele.

Passando pelo quarto, vi Jake jogado de bruços na cama em sono profundo, sem travesseiro ou cobertores. Sorri reparando no rosto amassado contra o colchão. Fui até o guarda roupa e peguei um cobertor, deixando ao lado dele para caso acordasse com frio.

Fechei todas as cortinas da casa e tentei trancar a porta da frente sem fazer barulho. Foi então que me lembrei de que estava prendendo Jake lá dentro e não tinha chave extra. Sem ver outra solução, retirei a chave principal do molho e a deslizei por baixo da porta. Decidi ir caminhando parte do caminho até a casa de Jessy. Meu senso de direção em geral era terrível, mas em Duskwood eu tinha que aprender a me virar. Parei após poucos passos, examinando a vegetação do jardim. A terra parecia empapada e lamacenta demais. Me agachei, cutucando as florzinhas azuis afogadas na água.

Será que é assim que se cuida desse tipo de planta? Da onde eu vim isso tá errado...

Peguei meu celular e procurei o nome da espécie de flor, curiosa sobre os cuidados que ela exigia.

"A Centáurea Azul prefere solos bem drenados e não gosta de muita água. Ela se dá melhor em condições moderadas, com regas ocasionais, evitando o encharcamento."

Sabia... O jardineiro não faz a menor ideia do que está fazendo. Acho que vou avisar a dona da casa. Vai que ela joga a culpa em mim quando voltar e ver o jardim virando um brejo.

Olhei para o outro lado da rua, deserto como de costume. As montanhas, carregadas de vegetação alaranjada ou verde muito escuro, emolduravam o horizonte. Naquele bairro, as casas eram muito afastadas umas das outras, separadas por longos trechos de padaria ou bosque e por mais que o acesso a elas não fosse difícil- contanto que o clima estivesse bom- chegar em qualquer lugar exigia uma longa caminhada ou algum veículo pequeno.

Felizmente eu gostava de andar.

Algum tempo depois, quando já estava com o rosto quente de andar, cheguei em um trecho na qual eu podia chamar um táxi mas decidi não fazê-lo. Continuei minha caminhada, completamente focada no trajeto que eu achava que tinha decorado ao estudar o mapa antes de sair de casa. Se eu não estivesse enganada, atravessando toda aquela vila que aparecia a minha frente, estaria o centro e a delegacia. Mais afastado ainda, porém dentro do que era considerado "centro urbano" de Duskwood, estava o hotel onde Jake ficara hospedado na nossa primeira noite juntos.

Parei por um instante, reparando no bairro cheio de casas coladas uma ao lado da outra, com os tetos vermelho-escuro inclinados e janelas emolduradas com madeira. Percorri a frente das casas, correndo os olhos pelos números que conseguia enxergar em cada uma. Virei uma esquina estreita, ainda olhando para cima e os arredores, aceitando mentalmente que eu ainda teria que andar muito, pois o provável era que eu já estava perdida. Mas notando que uma casa se destacava das outras, voltei alguns passos para trás. Todas as casas tinham dois ou mais andares, as sacadas baixas e abertas exibiam plantas e flores pendendo de forma quase descuidada. Havia algo nelas- talvez a madeira envelhecida ou as sombras que pareciam se arrastar pela vegetação densa,- que trazia uma lembrança de contos de fadas antigos, mas com uma sensação estranha de abandono, rejeição e segredo. No entanto, a casa que se destacava naquele bairro de pedra e madeira tinha algo que me parecia mais familiar; portão de ferro, grades nas janelas e uma câmera do lado direito da entrada e outra do lado esquerdo. A sacada, com potencial para parecer aconchegante e convidativa, fora depredada pela instalação de barras maciças horrorosas, cuja cor branca não fazia nada para amenizar a sensação de quem morava ali tentava manter alguma criatura presa, ou alguma criatura do lado de fora.