23 - O Jardineiro

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Tentei de tudo para amaciar Millie enquanto ela me dava uma carona pra casa, mas apesar dela ter sido gentil o suficiente para não me deixar largada ao pé da estrada à noite, sua boa vontade não se estendia ao celular ou a foto. Não consegui descobrir até onde ela escutara a minha conversa com Jake, ou se ela tinha outras fotos além de nós embaixo da Ponte do Lenhador.

Não tem jeito, o Jake vai ter que se virar... Pensei, enquanto acenava ao sair do carro.

— Valeu pela caron--

Millie deixou bastante claro que não se importava com os meus agradecimentos, disparando em velocidade em direção à vila.

Uma pena o Phil só querer o que não pode ter.

Ela daria certinho com ele.

Com o carro de Millie se afastando, sobrava apenas a luzinha débil e alaranjada da varanda lutando contra a escuridão daquele bairro quase rural, como um vagalume perdido na noite profunda.

Fechei bem a jaqueta tentando me proteger da forte rajada de vento que me inundou de repente, lembrando do frio insuportável que a noite trazia naquela época do ano. Um farfalhar estranho soou do jardim e imaginei que se tratava de algum cachorro ou gato procurando abrigo.

— Psi,psi, vem cá... — Dei alguns passos em direção ao barulho, e foi então que vi uma massa escura se erguer lentamente, ao pé das centáureas azuis. Quase pulei para trás. A figura se endireitou, assumindo o que me pareceu uns dois metros de altura. Com a escuridão, era difícil dizer se os olhos dele eram mesmo tão caídos, profundos sob as sobrancelhas espessas, ou se as sombras da noite pintavam uma imagem mais assustadora do que realmente era.

— Quase me matou de susto! Não era pra você aparecer só uma vez na semana? — Minha voz soou mais firme do que eu esperava. Era só o jardineiro...

— Sim... sim. Desculpe. — O homem tocou a testa com a ponta dos dedos, o gesto rígido, como se tivesse sido ensaiado. Depois, apontou para as flores, sem olhar para mim em nenhum momento. — São essas flores... tem alguma praga no solo. Elas não pegam água.

— E você tá enxergando alguma coisa nesse breu? — Perguntei.

— Ah, eu comecei cedo, a noite caiu de repente... — Ele deu um suspiro cansado.

Forcei os olhos... o homem parecia frustrado. Dei uma olhadela para trás, vendo as luzes que deixei acesas na casa.

O Jake veio de moto... Ele já deve ter chegado.

— Me empresta? — Apontei para o avental de sarja grossa do homem, da onde pendia uma lanterna pequena em forma de bastão. Me ajoelhei no chão lamacento e apontei a luz para a base das touceiras. Cavei, tirando uma porção profunda de terra, enquanto o homem se agachou do meu lado. Vi de canto de olho como ele prestava atenção nos meus movimentos.

— Não tem nada... — minha voz saiu fraca, mais para mim do que para ele. Limpei a garganta. — As raízes estão podres por causa de tanta água. O clima já tá úmido, não precisa regar tanto.

Ergui a terra, apontando a luz branca da lanterna. Ele deu uma olhada rápida e se levantou.

— Nem sempre dá pra ver praga assim... — o jardineiro respondeu. A voz dele era calma, mas o ritmo da fala era rápido.

Me levantei, tirando o excesso de lama dos joelhos. — A única praga aqui são os fungos. E é por causa da água. — teimei, entregando a lanterna e jogando a porção de terra no chão. — Mas você deve saber melhor do que eu.

Me pareceu que o homem sorria, mas também poderia ser apenas a distorção da luz da lanterna, iluminando de baixo para cima.

— Já trabalhou com isso, moça?

Noite com Ele - DuskwoodOnde histórias criam vida. Descubra agora