Nove

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Eles surgiram num piscar, caminharam sobre o vazio, e de suas próprias existências, forjaram tudo o que há. Os Primogênitos carregam a essência dos primeiros pensamentos de Leam, preenchendo o nada até que fosse tudo


Como se um pequeno choque corresse pelo seu corpo, Stella recuou um passo rapidamente, chamando a atenção de Quípor, perdido com o que estava acontecendo. Talvez o rapaz não fosse tão tolo, afinal, pois seu pressentimento havia se mostrado certeiro, havia algo a mais. Recuaram alguns passos em vão, congelando sem que pudessem explicar o calafrio que subia pelos seus corpos.

Seus olhos só puderam acompanhar o brilho prateado surgindo num piscar, em várias direções. Eram guardas. Não! eram algo a mais, pois seus elmos não possuíam viseira e nem havia som após os passos pesados das armaduras. Sentinelas. Imponentes e silenciosas, com suas grandes capas brancas esvoaçantes. Traziam consigo suas alabardas exageradamente detalhadas, mas não as apontavam para os jovens. O mais alto, único com capa vermelha e uma armadura pouco mais escura deu um passo à frente.

— Imagino que tenha feito uma longe viagem. — A voz era forte e clara, sequer parecia vir de dentro do elmo. — Peço que venha conosco de bom grado, vossa majestade deseja ter contigo.

Stella embaralhava um pouco as palavras, num misto de surpresa e confusão. — Ter... comigo? Quem? —Aos ouvidos da jovem o homem ainda falava Trhīa, mas trazia um sotaque muito pesado e difícil de se entender. — Viemos para encontrar seu patrono.

As sentinelas sequer se moviam, nem parecia que estavam vivos, ainda assim, a voz do capitão trazia autoridade indiscutível. — Virá conosco até o palácio, por bem ou mal. — Alguns instantes incômodos tomaram o lugar, um silêncio antes do capitão concluir — O rapaz também vem conosco. — Sua capa voltou a esvoaçar num movimento rápido com sua virada subira, dando as costas para Stella antes de começar uma marcha firme pela escadaria da praça. As outras sentinelas fecharam mais o cerco ao redor dos jovens e bateram as bases de suas alabardas no chão, um aviso bem claro para que acompanhassem, e então se iniciou uma marcha forçada escada a cima.

— Vão pelo menos nos dizer por que a escolta? — Quípor tentava argumentar, tomando cuidado para não tropeçar nos degraus.

As sentinelas permaneceram em silêncio, sequer olhavam para o rapaz, se é que podiam olhar para algo com aqueles elmos. Stella não questionava, mas carregava um semblante mais preocupado, talvez fosse um adianto para seus planos, mas não gostava da sensação que corria pelo seu corpo, um sentimento de alerta.

Havia ainda mais alguns pequenos distritos antes de chegarem ao topo, eram propriedades privilegiadas das casas nobres mais influentes de Treferih, exibindo suas bandeiras com orgulho, ainda que fossem ofuscadas pela grandiosidade do palácio, construído de alguma forma mesclando as rochas da montanha com mármore branco, tão claro que chegava a ser incômodo observar de muito perto.

Os portões que marcavam, de fato, a entrada do palácio não era guarnecido, não haviam soldados por ali que não fossem as sentinelas escoltando os dois jovens. Alguns criados caminhavam despreocupados pelo pátio, alguns até arriscavam uma espiada quando Stella e Quípor passavam, mas não se atreviam a observar muito. Havia cavalos enormes nos estábulos, bufantes e ansiosos para partir com seus cavaleiros.

Stella conseguia se concentrar um pouco mais, e quando as grandes portas principais se abriram, percebeu algo estranho no amigo, algo que não havia percebido até então.

— Está tudo bem? — Tentou manter a voz baixa, cutucando o rapaz com uma cotovelada leve. — Que cara é essa?

— O ar... está pesado. — O rapaz tentava esconder a respiração ofegante, observando de relance a decoração exagerada dos inúmeros corredores por onde passavam.

Stella podia não sentir o peso da altura, mas Quípor começava a ofegar, o ar era bem rarefeito aquela altura, e não havia previsão de que fossem descer tão cedo.

É um labirinto! Stella já havia esquecido quantas curvas haviam feito ali dentro, sequer pôde contar por quantas portas passaram, e a preocupação com Quípor a impedia de tramar outros esquemas em tão pouco tempo, com tanta pressão.

Parado ao final de um dos vários corredores, um homem aguardava pacientemente. Suas vestes ostentavam a fortuna que ele carregava, assim como suas várias joias, ainda assim, em seu pulso havia algo que superava de longe as demais, algo que Stella sabia não poder ser comprado em qualquer outra loja. Era quase como uma pequena coroa dourada, com uma lua e um sol cravejados em cada lado, perfeitamente e encaixada sobre a pele do sujeito.

Quando se aproximaram, o homem fez uma mesura digna de um nobre; mais demorada e espalhafatosa. Seus olhos eram como duas esmeraldas, fixos em Stella através de algumas mechas castanhas que despendiam sobre seu rosto esguio. A barba já revelava alguns fios brancos, mas a idade não parecia ser um problema.

— É entendível que tenha vindo. — Um sorriso se formava em seus lábios, e sua voz era tranquila, seu sotaque ainda atrapalhava um pouco, mas era entendível aos recém-chegados. — Os filhos da chama sempre são trazidos de volta para casa.

Stella e Quípor se entreolharam, antes de voltar sua atenção ao homem e perceberem que o mesmo se colocava a frente de uma enorme porta dupla, detalhada sutilmente com diversas figuras e brasões nas partes de metal, quase como se exibisse algum um tipo de conto antigo.

— Tens os olhos de teu pai — O homem continuou, e as palavras atingiram Stella como uma lança — mas certamente traz consigo a beleza de tua mãe. 

Coroa Sangrenta - Aço e FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora