O destino nada mais é do que uma série de eventos, que em nossa loucura mundana, vemos como bons ou ruins, nada mais
Não houver recusa por parte de Stella, sequer escondeu o sorriso ao ouvir as ordens da rainha, mas evitou olhar diretamente nos olhos de Katherine, já imaginava que a mulher procurasse o menor dos motivos para mandar Stella para longe ali. Quípor não foi levado junto, e a garota só percebeu quando já havia deixado a sala a tempos, voltando a caminhar pelo corredores confusos cercada por sentinelas. A figura que caminhava a seu lado era ninguém menos que o Oráculo, com seu sorriso despreocupado e olhar alheio a tudo e todos.
Rígoris também os acompanhava, e sua presença só foi realmente percebida quando chegaram até um salão oval, bem decorado com diversas estátuas douradas postas nas colunas de mármore, e uma vista invejável de boa parte do reino, desde a grande montanha até as florestas que levavam a Meari.
— Finalmente veremos o tal "destino" em ação. — Disse o Oráculo, mirando através de Stella.
Era estranho encarar a mulher diretamente, e mais estranho ainda tentar entender o que ela queria dizer, pelo menos para Stella era assim, e preferiu dirigir sua atenção à Rígoris, a pessoa que agora era alvo de muitas de suas dúvidas.
As sentinelas, por fim, pararam sua marcha e consequentemente Stella também parou, estavam bem próximos ao centro do salão, onde uma grande escadaria espiral subia, claramente levava à um tipo estranho de mezanino, uma plataforma de mármore bem acima de onde estavam.
— Eu assumirei a partir daqui. — Rígoris se dirigiu ao capitão daquele grupo de sentinelas, projetando sua voz com autoridade. — Aguardem aqui.
— As ordens da rainha foram claras... — Sir. Trevor carregava descontentamento na voz.
— Rainha-regente. — Corrigiu o Lorde — E eu, como conselheiro e mão direita do rei, não que seja de bom tom atrapalhar o descanso de sua majestade com tantos visitantes.
Pela primeira vez Stella viu uma sentinela se mover sem ser para marchar ou brandir uma arma, parecia realmente um incômodo obedecer à Rígoris, mas não viu maiores sinais de resistência, o sujeito apenas fez uma reverência rápida e se afastou, abrindo caminho para que Stella e o Oráculo caminhassem rumo à escadaria. Rígoris sorria como uma criança que acabou de ganhar um doce, já subindo dos grandes degraus.
A cena trouxe a Stella um aperto no peito, como se seu coração falhasse brevemente, sensação que a jovem nunca havia sentido antes e certamente não gostaria de sentir de novo. O rei se encontrava sentado numa cadeira, e apesar de sua grande estatura, estava esguio, carregando aparência enferma e olha cansado, apesar dos cabelos rubros sobre a coroa servirem como um pequeno disfarce para a idade. Os grande olhos âmbares do rei miravam a pequena miniatura a sua frente, uma representação de Lafir, construída cuidadosamente pelas mão do próprio monarca, ainda que em tempos passados. Suas vestes pareciam pesadas, disfarçavam um pouco o corpo desnutrido.
Rígoris continuou caminhando em direção ao homem, enquanto Stella e o oráculo permaneceram paradas próximas às escadas. Ao observar a mulher ao seu lado, Stella percebeu que seus olhos, há pouco tão distantes, agora se fixavam em Héres como se fosse pedra, talvez os olhos proféticos não fossem capazes de ignorar algo no rei, mas o que seria? Talvez a jovem não fosse demorar muito para descobrir, pois Rígoris falava bem próximo ao rei, em seus ouvidos, e a figura que parecia frágil e doente logo direcionou seu olhar à Stella. Aquele semblante cansado e perdido aos poucos se tornava mais "amigável", ainda que os olhos do rei parecessem inspecionar cada pensamento.
Com um gesto suave, Héres chamou ambas para mais perto, sem deixar seu olhar vacilar. Antes que percebesse, Stella já caminhava em direção ao rei moribundo, lado a lado com o Oráculo. Quípor sussurrou mais alguma coisa para Héres e recuou alguns passos até que sua presença fosse deixada de lado pelos presentes.
— Sua majestade. — O Oráculo fazia uma mesura com seu jeito peculiar de ser, mantendo um sorriso no rosto a todo momento.
Stella tentou imitar o melhor que pode, quase tão desengonçada quanto uma criança aprendendo o básico.
— Sua esposa se mostrou ser nada prudente hoje — continuou o Oráculo. — Quase deixou as emoções assumirem, seria um erro enorme.
O rei finalmente livrava Stella daquele olhar inquisidor, dedicando um pouco mais de sua atenção ao Oráculo. Seu peito se moveu lentamente, e logo em seguida uma bufada lenta por parte do rei pareceu trazer um silêncio eterno.
— Diz, criança. — A voz de Héres era forte, apesar da rouquidão que trazia junto. — Quantos aniversários tens?
Stella demorou para responder, havia tantas coisas em sua mente que por um segundo as palavras do rei simplesmente vagaram pela sua cabeça. — Dez e nove.
O rei se manteve em silêncio, absorto em seus próprios pensamentos repentinos, novamente observando Stella de modo com que nenhum piscar de olhos passaria despercebido. Seus lábios formaram um sorriso breve.
— É certo? É ela? — A pergunta claramente foi feita ao Oráculo, e talvez já estivessem acostumados com esta dinâmica, pois a mulher responder prontamente.
— Ela carrega a diiveath consigo. — A voz da mulher trazia um alívio, como se finalmente contasse algo esperado a muito.
Héres segurou as palavras por algum tempo, talvez reunindo forças para continuar aquela conversa, sua mão esquerda apertava ansiosa o apoia da cadeira, enquanto a destra ia lentamente até seu peito. Stella não entendeu muito bem a princípio, mas logo teve que se esforçar para continuar de pé, suas penas mais pareciam feitas de tecido quando o homem retirou um pequeno medalhão de baixo do manto.
Como ele...? Os pensamentos sequer se concluíam antes de Stella se bombardear de perguntas, uma mais extrema que a outra. Fato é que não imaginava como o rei possuía um medalhão tão similar ao seu, e ao mesmo tempo, entendia a reação da rainha anteriormente.
— Foram feitos para "nós" há muito... — Héres falava com um pesar no rosto, ainda que suas palavras saíssem tão suáveis quanto possível. — Do mais puro desejo, mas é assunto para outra hora.
— O que quer dizer? — As palavras saíam da boca de Stella com pressa, motivadas pela curiosidade que surgia. — "Nós" quem?
— Em outra hora. — Héres colocava em sua voz o que lhe restava de energia, transmitindo autoridade aos que estavam presentes. Stella engoliu as palavras prestes a sair, sob o olhar risonho do Oráculo.
Rígoris tornou a se aproximar, trazido pelo sinal que Héres fazia com a mão, como um escudeiro vindo carregar as tralhas de seu cavaleiro. Eram como um adulto conversando com uma criança, pelo menos do ponto de vista de Stella, que sequer dava atenção ao que os dois falavam, estava mais concentrada em dedilhar seu medalhão e criar teorias fantasiosas em sua cabeça sobre como haviam sido criados os dois objetos tão similares, e principalmente, se sua mãe havia lugar naquela história.
Por fim, o pequeno diálogo entre o rei e seu conselheiro se encerrou, e ambos observaram Stella por mais alguns instantes, antes de Rígoris avançar um passo e se curvar exageradamente, com toda pompa que possuía.
— Seja bem-vinda ao lar, princesa.
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Coroa Sangrenta - Aço e Fogo
FantasyPara alguns, não há nada mais angustiante do que mergulhar em águas desconhecidas, ainda assim, existem aqueles que, talvez por ignorância, abraçam a maré sem hesitar. Stella, uma órfã teimosa e alheia aos problemas do mundo, embarca em uma jornada...