Dez

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Talvez um dia todos percebam que o acaso é somente mais um dos caprichos daqueles acima da vida e da morte, um simples querer daqueles que veem o destino apenas como mais uma ferramenta


O rosto sorridente do homem ficou marcado na mente de Stella, mesmo após ele abrir caminho para que fosse escoltada para depois das portas. Uma enorme sala oval, repleta de pilastras e janelas, com runas escritas em pequenos detalhes dourados que corriam por todos os lados, fosse nas paredes ou até mesmo no tapete vermelho que se estendia até o trono; um assento esplendoroso, metade de um sol, feito de uma rocha escura com um brilho avermelhado quase imperceptível. Ao lado do trono havia uma figura alta e esguia em um vestido azul ultramar, bordado especificamente para que lhe caísse da melhor forma. Os cabelos castanhos estavam presos perfeitamente atrás da cabeça, num penteado estravagante e certamente complicado de se fazer, dando o protagonismo aos olhos esmeralda.

— Sua majestade — O capitão das sentinelas fez uma mesura exagerada e lenta, e os demais o acompanharam. Quípor achou sensato repetir o gesto, e Stella imitou o amigo. — Os dois recém-chegados, como milady havia solicitado.

— Obrigada, Sir. Trevor — A voz da rainha consorte se espalhava suavemente pela sala, carregando um peso estranho. — Deixem-nos. — Erguendo a destra num gesto rápido, as sentinelas se foram num piscar de olhos.

Houve um momento de silêncio total, onde o olhar da rainha perfurou Stella como se vasculhasse seus mais profundos pensamentos, e assim permaneceram até o som de passos lentos ecoarem por todo o local.

— Talvez fosse mais prático irmos direto ao ponto. — A voz já era familiar aos dois jovens, principalmente para Stella. O sujeito caminhou até os degraus do trono e se manteve ali, observando sorridente a rainha. — Minha rainha.

— Tens razão, lorde Rígoris. — Foi quase como se a tirasse de um transe, sua voz quase vacilou quando tronou a falar. — É certo que vens de longe, de onde exatamente?

Quípor deu um passo à frente, um pouco irritado por ter sido claramente deixado de lado, e sua voz soou com mais nervosismo do que ele imaginava. — Somos de Arium.

— E por que atravessar o vasto mar para vir até aqui? — A resposta veio rápida, sem mais vacilos. Seu olhar continuava em Stella.

Não cabia ao rapaz responder, e talvez todos naquela sala sabiam disso.

— Eu... — Stella começou a falar e as palavras se embaralharam em sua mente, tentando encontrar a melhor forma de se expressar. — Bom... Eu tenho... Ele está aqui? — Sentia seu rosto ferver, e com um pouco de atenção era possível ver seu rosto se avermelhar como fogo.

— "Ele"? — A rainha parecia descontente e sem muita paciência. — Querida, somo apenas nós aqui, revela tuas intenções.

Stella se forçava a raciocinar e formular as frases que desejava.

— Eu vim encontrar meu pai! — As palavras ecoaram até a rainha, quase como se já esperadas.

— De todos os bastados, és a primeira a ousar. — Havia desgosto naquela voz. — És mui corajosa, ou tola demais.

Stella engoliu em seco. — Como assim "todos os bastardos"?

— Não respondeste minha pergunta. Qual é a tua intenção?

— Como assim intenção? Ele é a família que me resta. — A frase de Stella deu a Quípor uma sensação amarga, mas o rapaz sabia que não era o momento de interromper.

— E? — A rainha observava Stella incrédula de que não havia algo armado ali. — O que imaginou? Que faríamos um banquete em homenagem à tua chegada? Acolheríamos uma nova bastarda do rei, para que todos vissem o quão impuros são os Imrhett?

— Eu não... sei... — A voz de Stella foi se perdendo aos poucos.

— Por sorte a imagem de Héres jamais foi ligada às depravações dos irmãos, ainda que eu reconheça uma cria dele quando vejo.

Quípor fazia um esforço tremendo para manter a calma, juntando partes de um quebra-cabeça em sua mente, se perguntando em que ponto haviam sido descobertos.

— Não tenho nada a tratar contigo — Continuou a rainha — Toma teu caminho de volta para Arium, não precisamos de mais problemas por aqui.

Rígoris, o lorde extravagante observava em silêncio, sem mais sorrisos. Sua expressão era serena, quase como um espectador num teatro, esperando o momento para aplaudir a peça. Stella por sua vez deixava cair algumas lágrimas sem que percebesse, e seus dedos instintivamente iam de encontro ao pingente, o retirando de dentro da blusa e apertando com força.

Os olhos da rainha foram rapidamente atraídos para o objeto, como uma engrenagem que tornava a serenidade e desgosto em repudio e ódio.

— O que significa isto?! — A mulher trovejou, assustando até mesmo Rígoris. Seu dedo fino apontava para o pingente. — Como ousa?!

Rígoris recuperou a postura e observou melhor do que se tratava tamanha ira, se surpreendendo como uma criança ao receber um presente inesperado.

— a Aiiveath¹... — Ele sussurrou, não baixo o bastante para que escapasse dos ouvidos da rainha.

O olhar cortante correu até o lorde.

— CALE-SE!

Antes de qualquer resposta ou tentativa de desculpas as portas de escancararam. Eram grandes e pesadas, mesmo assim era como papel ao vento, e o baque contra as paredes ecoou pelos corredores. As mão responsáveis ardiam em chamas, dedos finos e longos, decorados com alguns anéis de prata. O sujeito era alguns centímetros mais alto que Stella, seus cabelos eram tão vermelhos quanto os dela, e seu rosto trazia certas semelhanças, ainda que sua pele fosse clara e os olhos fossem de um verde bem vivo. Era claramente um príncipe, vestido com o couro mais caro, com detalhes bordados por toda a roupa, além da espada que trazia na bainha, cujo pomo era um sol dourado. Toda a atenção era direcionada ao rapaz, que não aparentava mais de dezenove aniversários.

— O que significa isto? — A voz, claramente forçada, se espalhava facilmente pelo local. — Uma bastarda? Quem foi desta vez, Berín ou Baltazar? — Seu olhar era fixo em Stella, e a pergunta claramente foi direcionada a jovem.

— O que? — Sua voz quase não saiu, mas ficou feliz em pelo menos ter conseguido responder.

— Teu pai. És bastarda de qual lorde?

Stella jamais havia parado para imaginar a realidade de ser uma bastarda naquele local, que seria tratada como mais um animal a ser descartado.

— Meu pai... meu pai é Héres! — As palavras trouxeram novamente o silêncio ao local, mas o baque atingiu apenas o príncipe, que se manteve calado e agora mirava sua mãe.

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¹Promessa

Coroa Sangrenta - Aço e FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora