Somos capazes de evitar nosso destino? Esse tal "destino" sequer existe? Somo predestinados a algo, ou apenas jogados ao acaso? Alguém sabe a resposta? E essa resposta realmente importa?
Todos concentraram seus olhares no recém chegado, o homem estranho tinha um olhar penetrante, Rígoris parecia ansioso para algo, o Oráculo talvez nem estivesse realmente olhando para ele e havia em Stella um alívio ao perceber a chegada do amigo. Quípor sentiu um calafrio percorrer seu corpo com a atenção toda sobre si mas sequer pôde fazer uma reverência, pois logo foi guiado, quase como uma marionete, por um criado até uma das cadeiras, bem ao lado da amiga. Imaginou que era a pessoa por quem estavam esperando para começar a comer, visto que os pratos foram postos logo que se sentou naquela cadeira estranhamente confortável.
Era difícil não dedicar um tempo para observar os talheres de ouro polido ao lado de pequenos pratos de porcelana, até as frutas no cesto ao centro da mesa pareciam mais bonitas do que o normal, realçadas pela prata do objeto. Tudo isso talvez só não fosse mais chamativo do que as pessoas sentadas ao seu redor, todos num silêncio estranho. Para a surpresa de Quípor, o sujeito do outro lado da mesa foi quem falou primeiro, se esticando para alcançar um pequeno cacho de uvas.
— Estamos todos aqui? — Sua voz era um tanto rouca e grave, trazendo um pesar estranho consigo. Seus olhos corriam até Lorde Rígoris.
— Não tantos quanto eu gostaria, mas o bastante, por hora. — Por mais que soasse sério, Rígoris dava atenção a equilibrar uma maça na ponta do dedo. — Como vamos nos chamar?
Quípor se surpreendeu a observar o semblante confuso dos demais, não estava tão desatualizado quanto havia imaginado, e talvez Rígoris não fosse tão são para ser o conselheiro real.
— Eu perdi alguma coisa? — Stella questionava com um pouco de irritação na voz. — Está fazendo algum jogo?
— Não seria bem um jogo... — Rígoris respondia com um olhar afiado para a jovem, ainda em sua brincadeira de equilíbrio. — Na verdade, acho que podemos chamar de jogo sim, um jogo pela sua vida.
Houve um tempo para que todos pensassem um pouco sobre a frase, talvez não fossem necessárias explicações, pelo menos seria assim se todos conhecessem Katherine como Rígoris.
— Vamos, não sejam tolos. Katherine não deixará que saia do palácio viva. — Rígoris continuou, deixando a maçã cair e rolar pela mesa.
— Então é sobre isso... — Stella disse para si, brevemente submersa em pensamentos.
— Tão jovem e já tem um alvo nas costas... — O Oráculo dizia em tom caricato, balançando a cabeça como se falasse de um personagem de livro.
— Lorde Lucius está aqui para garantir que tal tragédia não aconteça. — Rígoris repousava o indicador sobre a maçã. — Este breve encontro é para que fiquem a par de tudo.
Os criados agiam como se fosse um café da manhã como qualquer outro, e Quípor empalideceu ao se dar conta de que ainda estavam presentes. "É o tipo de coisa que se diga assim?!" foi o que o jovem pensou, e sua expressão representava perfeitamente o nervosismo que sentia, capaz de arrancar uma gargalhada de Rígoris.
— Tenha calma. — O Lorde relaxou na cadeira, aproveitando aquele momento de humor repentino. — São todos "meus".
Quípor ainda se recuperava do susto, olhando confuso para alguns criados que iam e vinham, silenciosos em seus afazeres.
— O que quer dizer? — Stella não pareceu incomodada com a presença dos demais, já havia aceitado o desgosto de Katherine e no fundo entendia parte daquilo.
— Tudo em seu tempo, milady. — A voz de Rígoris ao terminar a frase soou um tanto quanto arrastada, trazendo à tona o que muitos presentes pareciam ter deixado de lado.
— Então o que faremos? Nos atualize. — Lucius se esforçava um pouco para manter a voz forte. — Como planeja sair daqui com a mais nova princesa sem chamar atenção? As sentinelas também "são suas"? — Houve um pouco de ironia e um sorriso sutil se formou no rosto do sujeito.
Rígoris não conseguia esconder o sorriso, segurando o ânimo que sentia enquanto inclinava o corpo para frente.
— E quem disse que não vamos chamar atenção?
— Por que não nos conta logo? — Era difícil dizer se Lucius estava impaciente ou ansioso, talvez as duas opções sejam válidas.
— E qual seria a graça disso?
Stella sentiu um calafrio pelo corpo, uma tensão vinda de Rígoris que o fazia parecer estranhamente imponente naquele momento, mesmo em seu tom brincalhão.
— Héres fará um pronunciamento, até lá, Katherine não fará nada... nada muito "perigoso". — Rígoris prosseguiu. — No momento certo, vocês saberão o plano.
— E por que nos reunir agora? — Lucius questionou em um tom pouco mais elevado, demonstrando claramente sua indignação.
— Porque preciso de "cúmplices". — Rígoris concluiu, e seu sorriso não poderia ser mais incômodo.
O resto daquela manhã foi de perguntas bombardeadas sobre Rígoris, que teve o prazer de desviar todas elas com trocadilhos e piadas, deixando apenas a apreensão sobre Quípor e Stella, ainda que houvesse dito que poderiam confiar nas pessoas presentes naquele salão. Lucius, que já conhecia Rígoris e seu jeito nada sério de lidar com assuntos importantes, guardou para si o incômodo que sentia e se calou após algumas perguntas não respondidas, se retirando depois de comer algumas frutas.
Somente quando duas criadas foram chamadas para guiar o Oráculo de volta para casa foi que Quípor foi trazido de volta a realidade, aos poucos tendo sua mente resumida a uma simples pergunta: "E agora?".
Stella claramente havia arrumado um guardião mais capaz e, mesmo que temporariamente, estava segura do que quer que viesse a acontecer, mas e ele? Não confiava em Rígoris e sabia que só ajudava Stella por interesse próprio, qualquer um percebia, mas m não era tolo o bastante para contradizer o nobre naquela situação.
— Bem, acho que seria um tanto quanto problemático se não déssemos ao jovem "guardião" uma recepção apropriada, não é mesmo? — Rígoris estampava um sorriso tão verdadeiro quanto porcos voadores. — Qual é mesmo a sua graça?
O rapaz enrubesceu ao ouvir o apelido, olhando para Stella com irritação, antes de responder à pergunta um tanto quanto sem jeito. — É Quípor.
— Um nome interessante. — Rígoris dava as costas e caminhava em direção às portas, que não demoravam muito para serem abertas pelos criados próximos. — Estará conosco até o pronunciamento real, jovem Quípor, você e sua amiga deverão aprender algumas coisas até lá.
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Coroa Sangrenta - Aço e Fogo
FantasyPara alguns, não há nada mais angustiante do que mergulhar em águas desconhecidas, ainda assim, existem aqueles que, talvez por ignorância, abraçam a maré sem hesitar. Stella, uma órfã teimosa e alheia aos problemas do mundo, embarca em uma jornada...