Um ano antes... São Paulo, Brasil
Marilia
Eu desço do elevador, com destino à cobertura do meu parceiro de negócios de longa data, Marcos Pereira. Meus passos são largos e irritados pelo corredor, minha advogada e amiga pessoal, Maraisa, está do meu lado e os seguranças um pouco mais atrás. Marcos gerencia um dos ramos da MM, a companhia aérea da minha família. O táxi aéreo, ligando a Grande São Paulo às cidades do interior do estado e fora dele, marcou os primeiros passos da empresa na década de 1980. Meu pai, Michael Mendonça e seu irmão, ambos pilotos americanos, foram os fundadores. A companhia cresceu e expandiu a olhos vistos nas últimas décadas, entretanto, mantivemos o ramo inicial, considerando que nossa clientela, composta basicamente por altos executivos, se manteve fiel ao longo dos anos e das crises no setor de transporte aéreo no Brasil. Desde quando assumi a presidência do grupo, há dez anos, confiei cegamente na competência de Marcos para gerir o táxi aéreo para mim. Um rosnado fica preso em minha garganta. Eu respeitava tanto o maldito homem!
Isso tudo caiu por terra no mês passado, quando recebi um relatório-bomba em meu escritório, desmentindo tudo que acreditei sobre sua integridade e honestidade. Na verdade, a pulga se instalou atrás da minha orelha há um ano, quando meus diretores financeiros começaram a perceber oscilações nos balancetes financeiros apresentados por Marcos e sua equipe. Contratei uma firma de auditoria sem fazer nenhum alarde e, burlando totalmente a lei – não tenho vergonha de dizer – contratei também um hacker especialista em invadir contas bancárias. O resultado foi o relatório concluído no mês passado. O documento mostra claramente, o sumiço de grandes somas progressivamente, por cinco anos. E o hacker mostrou para onde o dinheiro foi: duas contas na Suíça, em nome de meu fiel funcionário. Ironizo-o.
Cinco anos, porra! Como não percebi isso antes? Só descobri porque ele cometeu um erro comum nos ladrões, foi sendo engolido pela ganância e passou a roubar indiscriminadamente, até que não conseguiu encobrir mais seu rastro. Estou muito, muito puta, especialmente, porque não costumo me enganar com o caráter das pessoas. Geralmente consigo ler bem tudo e todos. Desconfio da minha própria sombra, para você ter uma ideia. Crescer numa família abastada contribui para que mantenhamos um olhar mais atento a tudo que nos cerca. As pessoas, todas elas, sem exceção, sempre querem algo de você. Alguns dirão que é uma visão cínica da vida. Eu não me importo com suas opiniões, no entanto.
Chegamos à porta do apartamento e Maraisa toca a campainha imediatamente. Não quis me identificar na portaria e tomar o elevador privativo. Não, eu quis fazer uma surpresa para meu velho amigo. Ele não tem a menor ideia de que estou a par de suas falcatruas já tem um mês. Por que não o confrontei antes, você me pergunta? Não aprecio agir no calor do momento. Sendo sincera, sou conhecida no meio empresarial como a mulher de gelo e o título não me incomoda nem um pouco. Gosto que me temam. É bom que me temam. Ninguém constrói, ou no meu caso, mantém um patrimônio de bilhões sendo boazinha. Irá se arrepender de ter traído a minha confiança. Quando o homem souber o que preparei para ele e sua família, irá estrebuchar e implorar misericórdia. Eu não terei nenhuma. Nenhuma.— Está certa disso, Marilia? — Maraisa me pergunta com voz tensa. Ela nem sempre aprova meus métodos, porém, não é paga para discutir comigo, e sim para me ajudar a encaixar tudo dentro da lei.
— Não sou mulher de voltar atrás, Maraisa, sabe disso. — respondo com impaciência.
— É imoral, porra. — sua voz abaixa, enquanto seu olhar castanho me fixa com preocupação de advogada, mas, antes de tudo, de amiga.
— Imoral é o que ele — rosno, apontando para a porta fechada. — fez comigo, caralho.
Ela suspira exasperada e a porta começa a se abrir. Nossa atenção sendo levada para a moça devidamente uniformizada que nos atende.