Olhares que Desafiam

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Capítulo 1: Olhares que Desafiam

O ginásio estava mais barulhento do que de costume naquela manhã. As conversas das atletas ecoavam no amplo salão, misturadas ao som dos saltos que reverberavam no tablado. Júlia chegou cedo, como sempre, para garantir que tivesse tempo para se concentrar antes de qualquer distração. Ela sentia que algo estava mudando, mas ainda não conseguia colocar o dedo exatamente no quê.

Enquanto se alongava sozinha em um canto, seus olhos percorriam o ambiente familiar. O cheiro de magnésio pairava no ar, misturado ao som baixo de música que tocava no fundo. Tudo parecia igual a qualquer outro dia, mas uma inquietação crescente tomava conta de seu peito. O treino de hoje seria diferente.

Ela observava as colegas se reunindo em pequenos grupos, conversando e rindo, enquanto ela permanecia isolada em sua bolha. Era seu ritual — manter o foco. Desde pequena, Júlia havia aprendido que o sucesso vinha da concentração e da disciplina. Porém, algo estava quebrando sua barreira mental naquele dia, e ela não sabia exatamente o que era.

Foi quando ouviu o nome que vinha sendo sussurrado de boca em boca durante toda a semana.

“Luana Dias.”

O som daquele nome parecia vibrar no ar de uma maneira estranha. Júlia sabia quem era Luana. Uma nova promessa da ginástica, cheia de talento e, aparentemente, carisma. Não era a primeira vez que uma novata entrava no time e chamava atenção, mas havia algo de diferente dessa vez, algo que as conversas não diziam claramente, mas que ela podia sentir.

Tentando afastar a curiosidade, Júlia voltou seu olhar para a barra de exercícios à sua frente, concentrando-se nos movimentos precisos que precisaria executar mais tarde. O simples ato de focar no treino sempre a ajudava a acalmar a mente, mas hoje parecia mais difícil. Seu corpo estava no ginásio, mas sua mente vagava.

E então, a porta do ginásio se abriu.

Júlia não precisou levantar o olhar para saber que era Luana quem havia entrado. O clima no ambiente mudou instantaneamente. As conversas diminuíram, e, por um breve momento, parecia que todas as atenções se voltaram para a novata. Mas Júlia, teimosa, decidiu não se deixar envolver. Não podia se distrair com essas questões.

No entanto, por mais que tentasse manter os olhos focados no tablado à sua frente, ela não conseguiu evitar. Quando Luana passou por ela, um breve olhar foi inevitável. Foi só um segundo, talvez menos, mas algo naquela troca de olhares fez o coração de Júlia acelerar de um jeito que ela não esperava.

Luana tinha uma presença marcante, isso era inegável. Seu andar confiante e o sorriso de canto de boca sugeriam que ela sabia exatamente o impacto que causava. Havia uma naturalidade em seus movimentos, como se cada passo fosse planejado para causar efeito, e de alguma forma, ela parecia flutuar no ginásio com uma leveza que contrastava com a tensão no ambiente.

Júlia respirou fundo, tentando afastar o desconforto. Era só mais uma ginasta. Mais uma competidora, como tantas outras que já haviam passado por ali. Não fazia sentido se deixar abalar por isso. Mas aquela troca de olhares rápida e, ao mesmo tempo, intensa não saía de sua mente.

Enquanto ela se preparava para o aquecimento, Flávia Saraiva entrou no ginásio, alguns minutos atrasada. Ela também parecia diferente, com o rosto mais sério do que o habitual. Júlia observou de longe enquanto Flávia caminhava até sua estação, sem trocar palavras com ninguém. Havia um ar de desconforto em sua postura que Júlia não conseguia ignorar. O que estava acontecendo?

Os treinos começaram como de costume. O treinador, sempre meticuloso, explicou as sequências do dia, enquanto Júlia tentava encontrar seu foco perdido. Mas era impossível não perceber os olhares que Luana lançava de vez em quando para as outras ginastas — e, mais especificamente, para Flávia. Era sutil, mas havia uma tensão no ar que ia além das competições rotineiras. Era como se algo estivesse prestes a explodir, mas ninguém sabia exatamente quando ou como.

Flávia e Júlia sempre foram próximas, embora a proximidade delas fosse carregada de rivalidade. Era uma conexão estranha — uma mistura de respeito e competição, com momentos de camaradagem, mas também de provocações veladas. No entanto, naquele dia, Flávia parecia mais distante. Algo nela estava fora do lugar, e Júlia percebeu, com um pequeno incômodo, que isso também a afetava.

À medida que o treino avançava, Luana executava cada movimento com uma precisão impecável. Suas manobras eram suaves, como se ela estivesse dançando em vez de realizando acrobacias complexas. Ela era boa — muito boa, e isso não passou despercebido por ninguém, muito menos por Flávia. Júlia conseguia ver o desconforto crescendo na colega, mesmo que ela tentasse disfarçar.

Entre uma pausa e outra, enquanto bebia água, Júlia ouviu uma conversa de fundo.

"Flávia está irritada com a novata, percebeu?"
"E quem não estaria? Luana chegou agora e já está chamando toda a atenção."

Júlia franziu a testa. Flávia? Irritada? Não era do feitio dela se abalar com esse tipo de coisa. Flávia sempre fora a mais calma, a mais controlada. Mas, ao observar o rosto tenso de sua amiga do outro lado do ginásio, Júlia percebeu que algo realmente estava fora do comum. E o centro de tudo parecia ser Luana.

Nos minutos finais do treino, o treinador pediu que cada ginasta fizesse sua sequência individual. Júlia observava de longe quando chegou a vez de Flávia. Havia um silêncio no ginásio enquanto ela se preparava para começar. Flávia sempre foi uma das melhores, e todos esperavam uma apresentação impecável. Mas, naquele dia, as coisas foram diferentes.

Durante uma transição simples, Flávia cometeu um erro. Pequeno, mas perceptível. Ela recuperou o equilíbrio rapidamente, mas não antes de um breve vacilo. Júlia viu o rosto de Flávia ficar ruborizado, como se ela soubesse que aquele deslize seria notado. E foi.

Mas, mais do que qualquer outro olhar no ginásio, foi o de Luana que chamou a atenção de Júlia. Havia algo ali — um brilho nos olhos da novata que Júlia não conseguia decifrar. Um misto de curiosidade, satisfação, talvez até... provocação?

O treino terminou, mas o desconforto permaneceu. Flávia saiu rapidamente, mal trocando palavras com as outras ginastas. Júlia ficou, recolhendo seus pertences lentamente, enquanto observava o ambiente esvaziar.

E então, mais uma vez, o olhar de Luana cruzou o seu. Desta vez, foi mais longo, mais profundo. E havia algo a mais. Um sorriso? Ou seria apenas coisa de sua cabeça? O que quer que fosse, aquilo deixou Júlia com uma sensação estranha no estômago — uma mistura de curiosidade, insegurança e uma pitada de algo que ela ainda não sabia identificar.

Enquanto caminhava para fora do ginásio, Júlia sabia que, de alguma forma, tudo estava diferente agora. O que exatamente havia mudado, ela ainda não sabia, mas uma coisa era certa: aquele olhar de Luana, aqueles pequenos gestos e a presença perturbadora de Flávia... tudo aquilo estava apenas começando.

O fim da história ainda parecia incerto, mas uma coisa Júlia sabia com certeza — esse jogo de provocações e sentimentos estava longe de ser resolvido.

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