Sombra de Si Mesma

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O sol estava alto, mas parecia ter perdido o brilho para Flávia. Depois de uma semana inteira evitando o ginásio, ela sabia que não poderia continuar fugindo para sempre. Seus amigos estavam preocupados, Júlia estava preocupada, e, embora ela tentasse negar, o vazio que carregava dentro de si já não era possível esconder.

Ela entrou no ginásio lentamente, seus passos pareciam mais pesados do que de costume, e seu corpo, mais frágil. Carregava um semblante cansado, como se estivesse lutando com uma batalha silenciosa que ninguém podia ver. Os olhos, normalmente cheios de energia e foco, estavam opacos, sem brilho, e os ombros caídos indicavam que algo mais sério estava errado.

As meninas do time de ginástica, sempre atentas, notaram sua presença imediatamente. Rebeca, que estava em um canto ajustando as faixas de seu tornozelo, ergueu o olhar e franziu a testa ao ver Flávia. Gabi, que conversava com uma das meninas do vôlei, também percebeu a mudança no ambiente.

"Flávia...?" Rebeca disse suavemente, enquanto se aproximava com passos cuidadosos, como se não quisesse assustá-la. "Você tá bem?"

Flávia, em vez de responder, forçou um sorriso cansado e acenou com a cabeça, mas o movimento não convenceu ninguém. Ela parecia esgotada, mais pálida do que o normal, como se os dias que havia passado longe do ginásio tivessem sugado sua vitalidade.

Júlia, que estava mais distante, treinando uma série na barra, viu a movimentação e o coração dela deu um salto no peito ao ver Flávia de volta. Ela estava preocupada desde o último encontro no apartamento de Flávia. As palavras de desculpa, os sentimentos não resolvidos... tudo pesava sobre elas.

No entanto, quando seus olhos focaram na figura de Flávia, algo além da saudade a atingiu. Havia algo errado. Não era apenas o cansaço emocional que vinha carregando, mas Flávia parecia... doente. Fraca. Como se estivesse se forçando a estar ali quando seu corpo não conseguia mais sustentar o peso de tanto sofrimento.

"Ela tá mal", murmurou Gabi, que agora estava ao lado de Rebeca, observando Flávia com a mesma preocupação.

"Ela não parece bem de saúde", concordou Rebeca, franzindo o cenho. "Tá muito pálida. E olha como ela tá se movendo, devagar, sem força."

Flávia se aproximou do colchão para iniciar um aquecimento, mas cada movimento parecia uma tarefa árdua. Ela se abaixou para alongar, e o simples ato de estender os braços e tocar os pés pareceu drená-la ainda mais.

Júlia continuava observando de longe, o coração apertado. Ela sabia que algo estava profundamente errado, e a distância que ela vinha mantendo de Flávia agora pesava em sua consciência. O que poderia ter acontecido para Flávia estar naquele estado? Será que os dias de afastamento tinham sido tão difíceis para ela quanto foram para Júlia?

Rebeca, sem conseguir mais observar passivamente, deu um passo à frente e falou com firmeza, mas com suavidade: "Flávia, quando foi a última vez que você se alimentou direito?"

Flávia hesitou, os olhos evitando os de Rebeca. "Eu tô bem, Rebeca. Só... só não tô muito com fome ultimamente."

"Isso não é desculpa", Rebeca retrucou. "Você não pode se negligenciar assim. Se tá mal, tem que se cuidar."

Gabi interveio, se aproximando. "Flávia, a gente tá preocupada com você. Não adianta voltar ao treino se você não tá em condições. Não pode se machucar."

Flávia respirou fundo, tentando segurar as lágrimas que ameaçavam escapar. A verdade era que, desde que tudo com Júlia e Lara aconteceu, ela mal conseguia dormir, e muito menos comer. Cada tentativa de se alimentar trazia à tona a lembrança amarga da festa, de Júlia se afastando, de Lara indo embora, e da dor que vinha corroendo seu peito.

Júlia, por fim, não conseguiu mais ficar parada. Ela desceu da barra e caminhou até onde as meninas estavam. A distância que havia imposto entre elas nos últimos dias de repente parecia fútil diante do estado de Flávia. Ela se aproximou devagar, o coração batendo forte, e parou ao lado de Rebeca e Gabi.

"Flávia", Júlia começou, a voz baixa e carregada de preocupação, "você precisa se cuidar. Não pode continuar assim."

Flávia ergueu o olhar, finalmente encarando Júlia, e os olhos dela se encheram de lágrimas. Não era só pelo estado físico; era por tudo o que havia ficado por dizer, pela dor que ainda sentia e pela confusão que a envolvia.

"Eu tentei, Júlia", ela disse com a voz embargada. "Mas tudo parece tão... difícil. Eu não consegui parar de pensar em tudo o que aconteceu. E eu sei que você tava magoada, mas... eu só queria que as coisas voltassem ao normal."

O coração de Júlia apertou ao ouvir as palavras de Flávia. Ela não esperava que o afastamento tivesse causado tanto impacto. Sentiu uma onda de culpa, mas também de carinho, querendo apenas abraçá-la e prometer que tudo ficaria bem.

Rebeca, percebendo a intensidade do momento, tocou o ombro de Gabi e sussurrou: "Vamos dar um espaço pra elas."

As duas recuaram discretamente, deixando Júlia e Flávia sozinhas, com a tensão do silêncio tomando conta do ambiente.

Júlia não sabia o que dizer, mas sabia que precisava fazer alguma coisa. Ela respirou fundo, aproximou-se de Flávia e, com cuidado, segurou sua mão. "A gente vai resolver isso, Flávia. Mas primeiro, você precisa cuidar de si mesma. Eu... eu me importo com você."

Aquelas palavras, simples mas sinceras, atingiram Flávia de uma maneira que ela não esperava. Lágrimas finalmente escorreram pelo seu rosto, e, por um momento, todo o peso que ela vinha carregando pareceu aliviado, mesmo que por alguns segundos.

Mas Júlia sabia que aquele era apenas o começo.

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