Sinais Confusos

53 5 0
                                    

---

Os treinos começaram a seguir uma rotina novamente, mas, para Júlia, nada mais parecia ser como antes. Todos os dias, ela acordava com a mente pesada, carregada com pensamentos que a deixavam inquieta. Não era apenas o cansaço físico das sessões intensas, mas algo mais profundo, algo emocional que ela ainda não conseguia identificar completamente.

Flávia continuava distante, quase ausente em alguns momentos. Embora mantivesse a mesma dedicação nos treinos e não deixasse transparecer suas emoções, Júlia sabia que a amiga estava em um estado de conflito interno. Era algo que não se resolvia com palavras simples ou gestos de amizade. Havia uma complexidade naquilo que parecia escapar ao controle de ambas.

E então havia Luana.

Luana continuava a ser o enigma que perturbava o equilíbrio do grupo. Seus movimentos eram sempre impecáveis, sua confiança inabalável. Ela parecia deslizar entre as dinâmicas do time como se já conhecesse todos os pontos fracos de cada uma das ginastas. Mas o que mais incomodava Júlia era o jeito como Luana, aos poucos, vinha se aproximando mais e mais.

Naquela tarde, o ginásio estava vazio, já que a maioria das atletas havia terminado os treinos e se dispersado. Júlia permanecia no canto, praticando uma última sequência. Ela gostava de terminar sozinha, concentrada apenas no ritmo do seu corpo, tentando esquecer o turbilhão de emoções que a cercava. Foi quando ela ouviu passos suaves.

"Você sempre fica mais depois que todo mundo vai embora?", a voz de Luana soou, surpreendendo-a.

Júlia levantou o olhar, vendo a novata se aproximar. Ela parou ao seu lado, o rosto levemente iluminado pelos últimos raios de sol que entravam pelas janelas do ginásio. Havia algo na forma como Luana se movia, como falava, que deixava Júlia desconfortável. Era como se, a cada palavra, Luana estivesse dizendo mais do que aparentava.

"Eu gosto de ter um tempo sozinha para treinar. Ajuda a focar", respondeu Júlia, tentando soar casual.

Luana inclinou a cabeça levemente, estudando Júlia com seus olhos penetrantes. "Focar... em quê? Nos treinos ou nos pensamentos?"

A pergunta a pegou desprevenida. Júlia sentiu uma leve onda de calor subir pelo rosto. Ela estava se tornando muito boa em mascarar suas emoções, mas Luana parecia sempre saber onde tocar, onde mexer. E isso a incomodava mais do que queria admitir.

"Nos treinos, é claro", disse Júlia, desviando o olhar.

"Claro", Luana concordou, mas o tom de sua voz sugeria que ela não acreditava completamente na resposta.

As duas ficaram em silêncio por alguns instantes. O som suave da respiração de Luana parecia ecoar mais alto no ginásio vazio. Júlia tentava manter a compostura, mas sentia o clima mudar ao seu redor. Havia algo no ar, algo que a fazia se sentir ansiosa, e, ao mesmo tempo, intrigada.

"Você é incrível, sabia?" Luana quebrou o silêncio, e o elogio caiu como uma pedra no lago calmo de pensamentos de Júlia.

Júlia piscou, surpresa. "Eu? Por quê?"

"Você tem uma intensidade nos seus movimentos. Uma precisão que é difícil de ver nas outras ginastas", disse Luana, aproximando-se um pouco mais. "Eu noto isso. Cada vez que você compete, é como se estivesse lutando contra algo além do que qualquer uma de nós está lutando."

As palavras de Luana, ditas com um tom tão suave e cuidadoso, atingiram Júlia de uma maneira inesperada. Por que aquilo a deixava tão nervosa? Ela deveria ficar feliz com o elogio, mas, ao invés disso, sentia como se houvesse uma camada subentendida nas palavras de Luana.

"Eu só... dou o meu melhor", respondeu Júlia, tentando não se deixar abalar.

Luana sorriu, mas aquele sorriso continha algo a mais, uma sugestão de entendimento que Júlia não queria que estivesse ali. "Eu sei. Só acho interessante como você não percebe o quanto é especial."

As palavras pairaram no ar entre as duas. Júlia sentiu o coração bater um pouco mais rápido, mas, ao mesmo tempo, uma confusão dominava sua mente. O que Luana queria com aquela conversa? Ela estava apenas sendo amigável ou havia algo mais?

Antes que pudesse encontrar uma resposta, o som da porta do ginásio se abriu com um rangido alto, e as duas se viraram ao mesmo tempo.

Flávia estava na entrada, o olhar fixo nas duas. Ela não disse nada, mas o silêncio entre elas foi o suficiente para falar por si só. Júlia viu o desconforto nos olhos da amiga, um reflexo da própria confusão que ela mesma sentia. Flávia ficou ali por um momento, como se estivesse decidindo se deveria dizer algo ou simplesmente sair. E, no fim, foi o silêncio que venceu.

"Desculpe, eu não queria interromper", disse Flávia, a voz baixa e contida, antes de virar as costas e sair pela porta.

Júlia ficou paralisada por um instante, vendo a amiga se afastar. O que Flávia achou que estava acontecendo ali? O que ela estava pensando?

"Ela parece incomodada", comentou Luana, casualmente.

"Eu... preciso ir", Júlia murmurou, apressando-se a sair do ginásio sem olhar para trás.

Enquanto caminhava em direção ao vestiário, seus pensamentos estavam em desordem. A tensão que sentia entre ela e Flávia estava crescendo, e Luana, de alguma forma, estava no centro de tudo aquilo. Mas o que mais a atormentava era a incerteza de seus próprios sentimentos. Ela não sabia mais o que queria ou o que esperava que acontecesse a seguir.

E, pela primeira vez, sentiu medo do que viria.

---

Indecisão Onde histórias criam vida. Descubra agora