Ventos Novos

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Flávia estava sentada à mesa da cozinha, mexendo distraidamente a colher na xícara de café. O calor da manhã paulistana entrava suavemente pelas janelas, mas sua mente estava longe, mergulhada nas tensões que pareciam estar se acumulando nos últimos dias. A conversa que tivera com Júlia ainda ecoava em sua cabeça, mas agora, havia algo novo a ocupar seus pensamentos. Lara estava vindo para São Paulo.

Ela já havia avisado sua mãe na noite anterior, mas ainda não tinha certeza de como seria a dinâmica de tê-la em casa, especialmente agora que tudo parecia um pouco fora do lugar em sua vida. Levou um gole de café à boca, tentando clarear os pensamentos, quando ouviu a voz familiar de sua mãe vindo da sala.

"Você tá distraída hoje, Flávia," disse a mãe, entrando na cozinha com um sorriso curioso. "É por causa da chegada da Lara?"

Flávia sorriu, meio sem jeito, deixando a xícara de lado. "É, um pouco. Ela vai ficar aqui por uns dias, então eu vou buscá-la no aeroporto hoje à noite."

"Ficar aqui? Não sabia que vocês estavam tão próximas assim. Vai ser bom pra você ter uma amiga por perto, mas... e a Júlia? Como estão as coisas com ela?"

Flávia suspirou, sentindo o peso das palavras da mãe. "Eu e a Júlia estamos... complicadas. A gente conversou, mas não sei se as coisas melhoraram ou se só ficaram mais confusas. Agora com a Lara por perto, pode ser que tudo piore."

Sua mãe se aproximou, sentando-se ao lado dela com um olhar compreensivo. "Filha, amizades mudam, relacionamentos mudam. Às vezes a gente se distancia das pessoas, às vezes se aproxima. O importante é ser honesta consigo mesma. Se a presença da Lara vai te ajudar a ver as coisas de uma maneira mais clara, talvez seja o que você precisa."

Flávia assentiu, mas não respondeu. Sabia que sua mãe tinha razão, mas ainda assim não conseguia afastar a sensação de que a chegada de Lara só aumentaria a tensão que já existia entre ela e Júlia. "Eu espero que seja assim."

"Vai dar tudo certo," disse sua mãe com um sorriso encorajador. "Agora vai se preparar, e à noite a gente janta antes de você ir ao aeroporto."

Flávia levantou-se, agradecendo o apoio silencioso da mãe. O dia passou em um borrão de treinos e pensamentos confusos, mas no fundo, ela sabia que não podia fugir do que estava por vir. E, de alguma forma, sentia que a chegada de Lara traria algo novo para sua vida, mesmo que ainda não soubesse exatamente o que.

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Já era noite quando Flávia chegou ao aeroporto. Ela estacionou o carro e foi direto ao portão de desembarque, seus pensamentos ainda girando em torno de como seria reencontrar Lara depois de tanto tempo. Elas sempre foram muito próximas, mas a distância e a vida corrida acabaram colocando uma certa barreira entre as duas. Agora, Lara estava vindo passar um tempo com ela, e Flávia não sabia se isso seria um alívio ou um peso a mais na confusão emocional em que estava mergulhada.

Quando avistou Lara, uma onda de familiaridade a atingiu. Lara era alta, tinha os cabelos escuros amarrados em um coque meio desajeitado, e as tatuagens que cobriam seus braços chamavam atenção. Ela carregava uma mochila nas costas e empurrava uma mala com a outra mão, caminhando com aquele estilo despretensioso e confiante que sempre fez parte de sua personalidade.

Flávia abriu um sorriso ao vê-la. Apesar de tudo, era bom ter uma amiga de volta.

"Lara!" Flávia acenou e foi ao encontro dela. As duas se abraçaram, e Flávia sentiu um alívio imediato. Era como se, por um momento, todo o drama entre ela e Júlia desaparecesse.

"Finalmente cheguei!" Lara disse com um sorriso largo. "São Paulo parece maior do que eu lembrava."

"É, essa cidade nunca para," Flávia brincou. "E você veio na semana mais quente do ano, sorte sua."

Lara riu, ajeitando a alça da mochila no ombro. "Não ligo pra isso. Tô mais interessada em ver como você tá e em aproveitar esses dias. Como andam as coisas?"

Flávia hesitou por um momento. "Complicadas," disse com um sorriso forçado. "Mas vamos falar sobre isso depois. Primeiro, vamos pra casa. Minha mãe está ansiosa pra te ver."

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A manhã seguinte começou cedo. Flávia e Lara tomaram café juntas, e depois saíram em direção ao ginásio. Lara, apesar de estar de visita, sempre foi do tipo que gostava de acompanhar os amigos em suas rotinas, e hoje não seria diferente.

No caminho, Flávia explicou como andavam as coisas no ginásio, omitindo, claro, a parte mais complicada sobre Júlia. Ela não estava pronta para falar disso ainda. Ao chegarem, Lara parou um instante na entrada, olhando o ambiente com curiosidade.

"Uau, faz tempo que eu não entro em um lugar assim. Esqueci como o clima de treino é intenso."

"É, mas você se acostuma rápido," Flávia respondeu, tentando soar casual.

Lara, com sua altura e presença marcante, logo chamou atenção das outras ginastas. Ela tinha um estilo que destoava do ambiente – suas roupas largas, os cabelos escuros e as tatuagens davam um ar mais rebelde, algo incomum no universo disciplinado da ginástica. Mesmo sem querer, sua presença provocava curiosidade.

As meninas começaram a murmurar entre si, especialmente quando perceberam que Lara acompanhava Flávia de perto. Júlia, que já estava no ginásio, lançou olhares rápidos para as duas, sentindo o incômodo crescer dentro de si. Não era ciúme – pelo menos, era o que ela tentava se convencer –, mas a simples presença de Lara parecia mexer com algo que ela ainda não sabia nomear.

Luana, como de costume, não perdeu a oportunidade de se aproximar de Júlia e provocar.

"Quem é a novata? Amiga sua ou da Flávia?" Luana perguntou com um sorriso travesso, sempre buscando uma brecha para mexer com os nervos de Júlia.

Júlia lançou um olhar rápido para ela, antes de responder, seca. "É uma amiga da Flávia. Vai ficar por uns dias."

Luana sorriu, percebendo o desconforto de Júlia. "Humm, interessante. Parece que a Flávia tá bem à vontade com ela."

Júlia tentou ignorar a provocação, mas não pôde evitar olhar de soslaio para Flávia e Lara, que conversavam animadamente enquanto se preparavam para o treino. O desconforto crescia, e ela sentia que, a cada segundo, o laço entre ela e Flávia se afrouxava mais um pouco.

O treino começou, mas a tensão no ar não passou despercebida. As outras ginastas começaram a trocar olhares, percebendo que havia algo de estranho acontecendo entre Júlia e Flávia. Rebeca, sempre atenta, decidiu que era hora de intervir. Durante uma pausa, ela se aproximou de Flávia, que estava se alongando em silêncio.

"Tudo bem por aqui?" Rebeca perguntou, seu tom casual, mas com uma nota de preocupação.

Flávia forçou um sorriso. "Tudo sim. Por quê?"

"Ah, sei lá," Rebeca continuou, sem tirar os olhos de Flávia. "Você e Júlia estão meio... distantes, não acha? E agora com a sua amiga por perto, as coisas estão diferentes."

Flávia respirou fundo, sem saber o que responder. Ela sabia que Rebeca tinha razão, mas ainda não sabia como lidar com a situação. "A Lara só tá aqui por uns dias. Não tem nada de mais."

"Eu sei," Rebeca sorriu. "Mas a gente sente quando o clima muda, Flá. E, pelo que parece, você sente isso também."

Flávia ficou em silêncio por um momento, sentindo o peso das palavras de Rebeca. Ela sabia que precisava lidar com seus sentimentos, mas, por enquanto, tudo parecia uma grande confusão.

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