Entre o Desejo e a Razão

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O dia seguinte chegou rápido demais para Júlia. Seus pensamentos ainda estavam presos ao que acontecera no vestiário na tarde anterior. A imagem de Flávia indo embora e Luana se aproximando com sua presença quase sufocante a assombrava. Ela sentia que estava em uma encruzilhada sem saída, e a linha tênue entre o desejo e a razão começava a desmoronar.

No ginásio, o clima estava pesado. Flávia manteve distância de Júlia, seu olhar focado em cada movimento que fazia durante o treino. A habilidade e a graça de Flávia sempre foram algo que fascinava Júlia, mas agora havia uma barreira invisível entre elas. Algo quebrado, mas que ela não sabia como consertar.

Júlia observava de longe, tentando encontrar uma forma de se aproximar, de fazer as pazes, mas não sabia por onde começar. Flávia estava com a guarda erguida, uma expressão neutra que escondia tudo o que poderia estar passando por sua cabeça. E o pior de tudo: Luana continuava à espreita.

O treinador deu início a uma série de exercícios em trios, e o destino – ou talvez a provocação sutil do próprio treinador – fez com que Júlia, Flávia e Luana acabassem juntas. Era inevitável que esse encontro colocasse ainda mais pressão sobre os nervos de Júlia.

O trio de movimentos exigia sincronia, confiança mútua e uma coordenação perfeita entre as três. Júlia sabia que seria um teste, não só de suas habilidades físicas, mas também de como lidariam emocionalmente com essa tensão. Quando começaram, a atmosfera era eletrizante. O silêncio entre elas era pesado, interrompido apenas pelos sons dos passos e das respirações ofegantes.

Em um dos movimentos de apoio, onde Júlia deveria segurar a mão de Flávia para impulsioná-la em um salto, algo falhou. A conexão entre elas, antes tão natural, estava tensa, e Flávia hesitou no último segundo, resultando em um tropeço. Flávia caiu de joelhos no colchão, frustrada e irritada, mas manteve o controle. Luana, observando de perto, levantou as sobrancelhas, um pequeno sorriso puxando o canto de sua boca.

"Isso foi perto", comentou Luana, quase provocando, enquanto ajudava Flávia a se levantar.

Flávia evitou olhar para Júlia, murmurando um "obrigada" apressado para Luana. Júlia mordeu o lábio, sentindo a frustração crescer dentro de si. O erro não foi técnico, foi emocional. Ela sabia disso.

"Vamos tentar de novo", sugeriu Júlia, mas sua voz saiu mais insegura do que ela pretendia.

Flávia balançou a cabeça, claramente hesitante. "Talvez seja melhor mudar as duplas. Está claro que isso não está funcionando."

Aquelas palavras atingiram Júlia como uma facada. Mudar as duplas? Estava tão ruim assim? Ela sabia que as coisas não estavam perfeitas, mas não imaginava que Flávia fosse tão longe a ponto de querer evitar trabalhar juntas.

"Flávia..." começou Júlia, mas foi interrompida pelo treinador, que se aproximava com uma expressão impaciente.

"Vamos, meninas, foco! Isso aqui não é lugar para distrações. Se concentrem nos movimentos, deixem qualquer outra coisa fora do tatame."

As palavras do treinador eram diretas e precisas, mas Júlia sabia que não era tão simples. Como poderia deixar fora do tatame algo que estava mexendo com cada fibra de seu ser? Mas, sem escolha, as três retomaram os exercícios, dessa vez em silêncio absoluto.

Ao final do treino, Júlia sentia que estava no limite. Precisava falar com Flávia, precisava resolver aquilo de uma vez por todas, mas, antes que pudesse abordá-la, Flávia já havia saído rapidamente do ginásio.

Luana, por outro lado, ficou para trás.

"Você deveria deixar ela um pouco", disse Luana, com a habitual calma calculada, enquanto se alongava perto de Júlia.

Júlia bufou, irritada. "Você não entende, Luana. Isso não é tão simples."

Luana parou de se alongar e olhou diretamente para ela, um olhar penetrante. "Eu entendo mais do que você pensa. E, sinceramente, você está se prendendo a algo que talvez não funcione mais."

Essas palavras perfuraram Júlia, mas ao mesmo tempo ressoaram com a dúvida que vinha crescendo dentro dela. Luana se aproximou, seus olhos fixos nos de Júlia, como se estivesse prestes a revelar algum segredo íntimo.

"Flávia não vai esperar para sempre", disse Luana, sua voz baixa, quase um sussurro. "Mas você sabe onde me encontrar... se mudar de ideia."

Com isso, ela se afastou, deixando Júlia sozinha com suas angústias. Júlia sentia o coração batendo acelerado, e uma parte de si lutava contra os sentimentos que Luana despertava nela. Mas outra parte... outra parte começava a ceder, a questionar tudo o que ela tinha com Flávia.

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Mais tarde, naquela mesma noite, Júlia deitou-se na cama, encarando o teto. Tudo parecia tão confuso. O que ela realmente queria? Sua mente viajava entre as memórias felizes que tinha com Flávia e os momentos intensos e desafiadores com Luana. Era como se ela estivesse sendo puxada em duas direções opostas, e nenhuma delas parecia a escolha certa.

Enquanto se perdia nesses pensamentos, uma notificação em seu celular chamou sua atenção. Era uma mensagem de Flávia.

"Precisamos conversar. Amanhã depois do treino?"

O coração de Júlia acelerou. Ela sabia que aquela conversa era inevitável, mas também sabia que a incerteza da resposta que viria era o que a assustava.

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