Linhas Tênues

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Os dias que se seguiram foram como andar em uma corda bamba para Júlia. Treinos intensos e interações constantes com Flávia e Luana tornaram cada momento uma nova batalha interna. Cada risada entre Luana e outras ginastas, cada olhar trocado entre ela e Flávia, tornavam tudo mais difícil de ignorar. E o pior de tudo era que Júlia sentia sua resistência emocional se desgastando.

Flávia estava cada vez mais reservada, e a tensão entre as duas era quase palpável. Não falavam mais sobre o que aconteceu no ginásio, como se ambas temessem tocar naquele assunto novamente. A sensação de que algo estava para acontecer pairava sobre elas, mas nenhuma das duas tomava a iniciativa de desarmar essa bomba-relógio.

Já Luana... Luana continuava desafiadora, sem nunca realmente sair do centro da atenção de Júlia. Era impossível ignorá-la. Seja em um simples exercício, onde seus corpos se aproximavam de maneira provocativa, ou nos olhares que trocavam, Luana sempre encontrava uma forma de bagunçar os pensamentos de Júlia.

Uma tarde, após um treino exaustivo, Júlia ficou sozinha no vestiário, enquanto o resto das ginastas já havia saído. Ela precisava de um momento para si mesma, longe da confusão que se tornara sua vida. A água quente do chuveiro escorria pelos ombros dela, trazendo um breve alívio físico, mas nada podia silenciar os pensamentos incessantes em sua mente.

Estava tão absorta que não percebeu a aproximação de Luana. A voz suave dela soou como um sussurro entre as gotas de água que caiam.

"Você parece estar fugindo de algo", disse Luana, encostada à porta do vestiário.

Júlia sobressaltou-se e rapidamente desligou o chuveiro, enrolando-se na toalha. "Luana, o que você está fazendo aqui?"

Luana deu um sorriso despreocupado e caminhou até um dos bancos, sentando-se casualmente. "Só queria conversar. A gente nunca se fala de verdade, você já percebeu?"

Júlia sentiu um desconforto se espalhar por seu corpo. Conversar com Luana em um espaço tão pessoal, tão vulnerável, era perigoso. Cada palavra dita ali parecia estar carregada de significados escondidos, como se houvesse algo mais profundo que ambas evitavam tocar.

"Eu estou exausta. Hoje não é um bom dia para isso", respondeu Júlia, tentando evitar o confronto.

Mas Luana não parecia disposta a ceder tão facilmente. "Você sempre foge de mim, Júlia. Sempre arranja uma desculpa para não falar. Mas você não pode fugir do que sente."

A frase fez Júlia congelar. As palavras de Luana ecoaram como um lembrete doloroso de tudo o que vinha tentando suprimir. O que exatamente ela sentia? Estava confusa demais para dar nome àquilo.

"Eu não estou fugindo", disse Júlia, defensiva, embora soubesse que aquilo não era completamente verdade.

"Está sim", insistiu Luana, seus olhos brilhando com uma intensidade quase hipnótica. "Mas eu entendo, às vezes é mais fácil correr do que enfrentar o que te incomoda."

Júlia olhou para Luana, tentando encontrar o limite entre o desafio e a provocação nas palavras dela. Mas, antes que pudesse responder, a porta do vestiário se abriu novamente, revelando Flávia.

O silêncio tomou conta do ambiente. A expressão de Flávia era uma mistura de surpresa e desconfiança. Seus olhos percorreram a cena — Júlia ainda com a toalha ao redor do corpo, Luana sentada casualmente, parecendo incrivelmente à vontade. Havia algo no ar, algo que não precisava ser dito para ser compreendido.

"Eu... achei que você já tinha ido embora, Júlia", disse Flávia, sua voz baixa, como se quisesse esconder o desconforto.

Júlia deu um passo para trás, sentindo o peso das emoções que se acumulavam ao redor dela. "Eu só... estava me trocando."

Flávia olhou de Luana para Júlia, suas sobrancelhas se franzindo levemente. "Certo. Eu vou indo, então."

"Flávia, espera!", Júlia chamou antes de pensar, sentindo o pânico crescer em seu peito. Ela não podia deixar Flávia sair com aquela impressão errada.

Flávia parou na porta, mas não se virou. "Tem certeza de que quer que eu fique?"

A pergunta pairou no ar, carregada de subtextos que Júlia mal conseguia processar. Luana observava tudo em silêncio, seus olhos atentos a cada detalhe da interação. Era como se ela soubesse exatamente o impacto que sua presença estava causando.

Júlia queria gritar que sim, que queria que Flávia ficasse, que não queria perdê-la por causa daquela confusão. Mas as palavras não saíam. A confusão interna era tão grande que ela mal conseguia pensar com clareza.

Flávia balançou a cabeça levemente, como se esperasse aquela hesitação, e saiu, deixando o silêncio mais pesado do que nunca.

Júlia fechou os olhos, sentindo-se engolida pelo turbilhão de emoções. Luana levantou-se devagar e se aproximou dela, parando a poucos centímetros.

"Essa indecisão vai te destruir, Júlia", disse Luana, sua voz baixa e quase compreensiva. "Mas eu estou aqui... se você precisar de mim."

As palavras de Luana eram carregadas de uma promessa sutil, mas Júlia não sabia se isso era reconfortante ou ainda mais perturbador.

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