Perguntas no Ar

24 3 0
                                    

O clima no ginásio estava denso, como se cada movimento das meninas carregasse mais do que a simples concentração nos treinos. As coisas não estavam exatamente como antes, e Rebeca Andrade sabia disso. Ela não era do tipo que deixava as coisas passarem despercebidas, ainda mais quando envolvia suas amigas mais próximas. Nos últimos dias, os olhares entre Flávia e Júlia se tornaram mais longos, mais carregados de algo que Rebeca ainda não conseguia entender completamente. Havia também Luana, sempre rondando Júlia, puxando assunto, mas nem sempre sendo correspondida. Isso também contribuía para a atmosfera esquisita.

No fim de um dos treinos, quando todas se reuniam para relaxar e alongar, Rebeca aproveitou um momento em que Flávia estava sozinha para puxar conversa.

"Você e a Júlia estão bem?" perguntou Rebeca, num tom casual, mas com um olhar que demonstrava que a pergunta era mais do que curiosidade.

Flávia, que estava distraída enquanto amarrava seus tênis, levantou os olhos rapidamente, claramente pegando de surpresa pela pergunta. "Claro, por que não estaríamos?" Ela tentou soar despreocupada, mas a tensão em seu rosto era evidente para quem a conhecia bem.

Rebeca arqueou uma sobrancelha, nada convencida. "Sei lá, tenho visto umas coisas diferentes entre vocês. Os olhares, o jeito que vocês agem uma com a outra… parece que tem algo no ar, sabe?"

Flávia desviou o olhar, mexendo nas fitas de seu uniforme como se precisasse de algo para ocupar as mãos. "A gente só… teve umas conversas complicadas ultimamente. Acho que estamos tentando entender o que está acontecendo."

"Entender o quê, exatamente?" Rebeca insistiu, sem querer deixar a amiga escapar daquela conversa tão facilmente.

Flávia deu de ombros, claramente desconfortável. "É difícil explicar, Beca. Sabe quando as coisas mudam, mas você não tem certeza de como? Eu e Júlia sempre fomos muito próximas, você sabe disso. Mas, ultimamente, parece que tem algo diferente, algo que nem eu sei como nomear. E com a Luana por perto o tempo todo, isso só piora."

Rebeca assentiu, compreendendo melhor do que deixava transparecer. Ela também conhecia essa sensação de ter algo que parecia amizade, mas que, no fundo, poderia ser mais. Algo que ela mesma vinha lidando em silêncio há tempos. Gabi Guimarães sempre esteve ao seu lado, mas nos últimos meses, essa proximidade começou a parecer algo mais profundo, algo mais complicado.

Ela hesitou por um momento antes de finalmente se abrir. "Eu meio que entendo o que você está passando. A Gabi... bom, as coisas entre a gente também estão diferentes."

Flávia a olhou, surpresa. "Você e a Gabi? Sério?"

Rebeca riu sem humor. "Pois é. Nem eu sei direito o que está rolando. A gente é amiga há tanto tempo, sempre foi uma parceria tão natural. Mas de uns tempos pra cá, parece que... não sei, tem algo mais. E eu não sei o que fazer com isso."

As duas ficaram em silêncio por um momento, cada uma perdida em seus próprios pensamentos. Flávia percebeu que, de alguma forma, o que ela e Júlia estavam passando não era tão único assim. Talvez fossem as pressões, as expectativas, ou talvez fosse simplesmente o fato de que sentimentos mudam e evoluem, às vezes de formas inesperadas.

"Você acha que... isso pode ser só coisa da nossa cabeça?" Flávia perguntou, esperançosa. "Que a gente está confundindo tudo?"

Rebeca deu de ombros. "Pode ser. Mas também pode ser que a gente esteja com medo de aceitar o que realmente está acontecendo."

Antes que Flávia pudesse responder, Júlia se aproximou, terminando de guardar suas coisas no armário. Os olhos de Rebeca e Flávia se encontraram rapidamente, mas nenhuma das duas disse nada. Júlia percebeu a tensão no ar e, com um suspiro leve, jogou a mochila sobre os ombros.

"Prontas para mais um treino amanhã?" Júlia perguntou, tentando soar casual, mas seu olhar em direção a Flávia entregava que a preocupação com o que estava acontecendo entre elas ainda pairava no ar.

Flávia assentiu, mas havia um desconforto palpável entre as duas. Rebeca, percebendo a oportunidade, decidiu dar espaço e se afastou, deixando as duas com suas questões não resolvidas.

Enquanto Rebeca caminhava para o vestiário, Gabi apareceu, sorridente como sempre. "Você demorou hoje, hein? Achei que ia ter que te carregar de lá."

Rebeca forçou um sorriso, mas sua cabeça estava longe. Gabi percebeu o tom distante da amiga e se aproximou, colocando uma mão leve em seu ombro. "Tá tudo bem, Beca?"

Rebeca respirou fundo, como se estivesse acumulando a coragem para dizer o que estava preso em sua garganta há tanto tempo. "Tá sim, só... pensando."

Gabi a olhou, claramente esperando que ela dissesse mais. E naquele instante, Rebeca soube que não poderia continuar ignorando o que estava sentindo. Mas isso era algo para outro momento. Um passo de cada vez.

---

De volta ao ginásio, Júlia e Flávia se preparavam para ir embora. A tensão entre elas parecia ter aumentado nas últimas semanas, e agora, mesmo com a conversa que tiveram, as coisas ainda estavam longe de serem resolvidas.

"Flávia, sobre o que a gente conversou aquele dia..." Júlia começou, sua voz baixa e hesitante.

Flávia parou, se virando para encarar Júlia, mas antes que pudesse responder, Luana apareceu do nada, interrompendo o momento. "Ei, Júlia! Vai embora agora? Pensei que a gente poderia pegar um café antes de ir."

Aquela era uma das muitas tentativas de Luana de se aproximar, e Júlia, mais uma vez, se sentiu incomodada com a presença constante da outra. Ela lançou um olhar de desculpa para Flávia, mas não conseguiu recusar o convite.

"Claro, Luana. Vamos sim," respondeu Júlia, forçando um sorriso.

Flávia apenas observou a cena em silêncio, seu estômago se contorcendo com uma mistura de frustração e... ciúmes? Ela não queria admitir, mas a presença de Luana ao redor de Júlia estava mexendo com ela de um jeito que não sabia como lidar.

Júlia saiu com Luana, mas o peso daquele olhar silencioso de Flávia ficou com ela durante todo o caminho. Algo dentro dela sabia que aquilo não estava certo, mas naquele momento, ela simplesmente não sabia o que fazer para corrigir.

---

As coisas estavam longe de se resolver, e todos ao redor estavam começando a perceber.

Indecisão Onde histórias criam vida. Descubra agora