14. não aceito

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O fuso horário a acertou em cheio. Chegou em casa e dormiu sem desfazer as malas, no sofá da sala.
Chovia muito no Rio de Janeiro.

Pela primeira vez o tempo refletia como ela se sentia por dentro.

Fazia frio, a chuva não parava e a tempestade piorava cada vez mais.

De longe, ela ouviu o tocar da campainha, impaciente. Imaginou ser Murilo. Mas como ele sabia que ela já estava de volta?

Acordou com muita dificuldade e se arrastou para fora do sofá. Abriu a porta, sonolenta, com dificuldade.

— O que você tá fazendo aqui? — Ela estranhou, completamente confusa.

Alexandre estava ensopado debaixo da chuva. Ele não conseguiu formular uma frase sequer, só suspirou ao vê-la. Extremamente aliviado.

— O que você tá fazendo, Alexandre? Sai da chuva. — Ela o agarrou pelo braço e o puxou para dentro. — Cadê suas coisas? Você precisa trocar de roupa.

— Eu não trouxe nada. — Ele finalmente admitiu. — Eu tava entrando no show e eu não consegui. Eu tinha que te ver.

Ela fechou a porta, coçando os olhos.
Fez as contas em sua cabeça. Ele não saiu do país muito depois dela.

— Você cancelou o show? — Ela estranhou, franzindo o cenho.

— Não. Eu acho que.. Eles se apresentaram sem mim, eu não sei. Não importa.

— Você não tinha dito que tinham um contrato e que se não comparecessem em show por motivos particulares iriam ter que pagar uma espécie de multa?

— Gio, eu tinha que explicar. Você tem que ouvir, você simplesmente foi embora e você não me deixou falar. Você só desistiu.

Ela balançou a cabeça negativamente.

— Não tem mais o que ser conversado, Alexandre. — Ela olhava para ele sem acreditar. Não acreditava que ele estava em sua porta, que tinha entrado num avião com a roupa do show, que tinha enfrentado a chuva até bater na porta de sua casa. — Vai.. Tomar um banho quente, enquanto eu seco suas roupas. Vou deixar um roupão com você e..

Ele suspirou.
Mais uma vez, ela não estava deixando ele falar.

Ele ficou quieto e a seguiu. De fato, não ia chegar a lugar molhado daquela forma.
Foram até o quarto dela, e o clima ficou extremamente esquisito. Giovanna se limitou a oferecer ajuda e logo saiu do quarto, voltando para a sala.

Ela jamais admitiria que correu com as maquiagens da necessaire que ficava na bolsa pra voltar a ter uma cara apresentável. Ajeitou o cabelo, escovou os dentes.

Resolveu fazer um chá quente para seu cantor não ficar doente. Pra aquecer o corpo.
Ligou a televisão e viu como o fato dele não estar presente no show impactou a carreira dele. Em todos os canais, não se falava em outra coisa.
Giovanna abaixou o volume, cansada dessa gente.

E o pior de tudo era que a culpa daquela algazarra toda era ela.

Quando Alexandre apareceu de roupão, as roupas estavam secando. Ele olhou para a televisão silenciosa fixamente.

— Tá em todo o lugar. Estão supondo que você está doente, internado, que morreu ou que você está deixando a banda. Ah, teve um canal que considerou que você foi visitar sua ex também.

Ele se apressou em pegar o controle que estava perto dela e desligou a televisão.

— Viu só? Eles nunca estão certos. Eu tô aqui, com você. Eles nem consideraram essa.

— Ah. Com certeza já deve ter alguns paparazzis lá fora acampando e esperando você sair da minha casa. — Ela lamentou.

Alexandre engoliu a seco, se aproximando dela. Parou bem na frente da mulher, encostando o cotovelo no balcão da cozinha.

Ela definitivamente não tinha pensado direito ao deixar aquele homem de roupão em sua frente. Principalmente por saber que ele estava nu por debaixo daquilo.
O peitoral a mostra, o cheirinho de banho, o cabelo úmido despenteado.. Ele era incrível. E ela não conseguia resistir.

Alexandre descansou a mão na cintura dela.

— Você nem tentou e já quer desistir.

— Eu tentei. Mais de uma década atrás, eu tentei. — Ela se explicou.

— Não tentou comigo. — Ele insistiu, trazendo ela mais perto. — Tentou com o Murilo.

— Os incômodos são os mesmos, as situações desagradáveis são as mesmas, eu..

Ela foi interrompida por um beijo. O beijo mais delicioso do mundo.
Giovanna esticou a mão para desligar a boca do fogão que estava acesa, esquentando água para o chá. Sabia que aquilo tudo não ia acabar bem se insistisse no chá.

Ela foi empurrada por ele, dando alguns passos para trás. A encostou no balcão, pressionando a cintura na dela.

— O Murilo te beijava assim? — Ele sussurrou, se afastando lentamente, os olhos fixos na boca dela.

Giovanna fez que não com a cabeça.

— Ele já largou alguma gravação importante pra vir até você?

O polegar dele encostou no lábio inferior dela.

— Não. — Ela sussurrou, rouca. A voz quase falhou.

— Ele tava dispôs o a largar tudo? Todos? Qualquer coisa, por você?

Não.

— Eu já sabia que não. Mas adivinha só? Eu sim. Eu amo você, Giovanna. Eu já vivi o auge do meu sucesso, eu já compartilhei com você que tudo isso importa muito pouco pra mim hoje em dia. Que eu amo a arte, mas eu não me identifico com essa vida, nesse formato. Você sabe disso. Eu abri meu coração, minha mente, minhas emoções pra você. E eu não aceito que você vá embora, não assim. Eu não aceito te perder por todas essas razões que você me deu. Eu não faço questão de nada disso. De turnê, de show, de ex namoradas malucas ou paparazzis. Por mim, eu saio da banda amanhã. A gente compra uma casa bem afastada, eu monto um estúdio pra mim lá dentro. Trabalho na minha música, sumo da mídia. Você vive sua vida normalmente, e aos poucos.. Tudo se encaixa.

Giovanna riu baixo, balançando a cabeça negativamente.

— Você já tem até um plano?

— Eu tive muitas horas ocioso e ansioso pra te ver dentro daquele avião. — Ele confessou. — Eu ensaiei tudo que eu queria te dizer um milhão de vezes, de mil jeitos diferentes. E eu tô tão nervoso agora que eu sequer consegui dizer tudo que eu tinha pensado antes.

Giovanna levou a mão até o coração dele, por dentro do roupão. O peitoral já estava a mostra, então ela não teve muito trabalho para sentir o coração dele acelerado. Batendo como um louco.

Ela o olhou nos olhos mais uma vez.

Eu amo você. — Ele sussurrou mais uma vez. — E eu não aceito te perder.

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