22. entrevista com o enteado

366 40 19
                                    

— E hoje a gente tá aqui com o Nelli, um novo talento descoberto: nada mais nada menos que pelo próprio Alexandre. Nelli, a gente fuçou suas redes sociais e descobrimos que você é um fã de carteirinha do Nero! Como é pra você ter tido a oportunidade de se lançar no mundo da música graças a ele?

Alexandre olhou para o garoto que chegou a gaguejar. Tomou a frente. levando o microfone até a boca.

— Po, vamo la. O garoto é filho de Murilo Benício, não é como se ele precisasse da minha ajuda pra chegar a lugar nenhum. Ele nunca deu carteirada em lugar algum com o nome do pai, e não é agora que a gente precisa atrelar o sucesso dele a alguém senão ele mesmo, né? — Alexandre sentia seu coração acelerado de tanta raiva.

Como ousavam fazer aquilo com o garoto, ao vivo?
Ele só imaginava como Giovanna estava assistindo aquilo do backstage.

— Até porque o garoto é original demais pra ter conexão comigo ou com a banda. O som dele é diferente de absolutamente tudo que eu já vi na vida. Fala aí, Nelli. — Alexandre encorajou.

Pietro deu um sorrisinho de canto do lábio para ele, acenando a cabeça em agradecimento.

Alexandre sabia que tinha acertado no comentário porque conseguia ouvir a voz do garoto dizendo "ai, foi maneiro la no palco comigo, valeu" em sua cabeça.

— Eu sou fã do Nero desde que eu me entendo por gente, desde pivetinho mermo. Desde antes da banda e tudo mais. Quando eu fui no show, eu nem acreditei. Nossa, foi irado demais. Eu quase caí duro a primeira vez que eu falei com ele, foi engraçado demais, demais mesmo. Voltei pra casa como filho? Ligado nos 220. Sei la, pra mim.. Ter essa chance... É tudo maluquice demais. Já fazia muito tempo que eu tentava emplacar meu som mas nada acontecia. Justamente porque eu sempre quis ser diferente. Igual ele. — Pietro confessou. — Eu via ele todo orgulhoso falando nas revistas "a gente não faz música pra indústria musical" e eu sempre achei isso muito foda. Eu faço pra mim, do meu jeito, da minha maneira, sabe qual é? É outra pegada, sei nem explicar.

— Nero, como você encontrou esse talento de repente?

— Ele foi no lugar do pai dele num camarote de um show da banda, a gente conversou depois.. A gente se conheceu, tirou uma foto..

— Ele ficou ligadão na minha coroa. — Pietro adicionou aos risos, e todo mundo foi a loucura.

Alexandre deu uma risadinha, tirando o microfone da boca por um segundo. Completamente tímido.
Era normal ficar tímido ao falar de Giovanna, mesmo tendo a idade que tinha?

— Enfim, ele me passou o instagram dele naquela noite. Ele tava bem fãzinho, assim. Os olhos brilhando, maior empolgação contando sobre o som dele. Contando sobre a trajetória, mostrando que era seguidor fiel desde o começo da minha carreira sendo que ele nem tinha nascido naquela época. E eu achei interessante, diferente. Essa juventude tá vindo com tudo, eles são super interessados na banda. E eu tenho prestado atenção neles, mas nada demais. É difícil achar alguém que destoa. Naquela mesma noite eu entrei numa live dele, numa daquelas contas fakes que a gente tem pra não fazer furdunço. Não tinha muita gente online com ele, e ele não fazia aquelas gracinhas pra chamar atenção, ser famoso. Ele tava meramente gravando o processo criativo dele, mostrando como era. Repetitivo, demorado, chato, irritante, tedioso.. Mas completamente enriquecedor. Naquela noite a gente teve uma troca muito legal. Eu acho que até hoje ele não sabe que fui eu quem fui trocando ideia com ele durante a live. A gente foi trocando ideia sobre a batida, a letra. E quando amanheceu ele tinha esse single do caralho que ele apresentou aqui pra vocês. Depois de ver o talento e a paixão que ele tinha eu sabia que ele só precisava de uma oportunidade, então eu falei com os caras e a gente levou ele pra abrir um show, sem compromisso. E boom! Explosão. Não fizemos absolutamente nada, e agora o cara tá aí. Lançando álbum, com assessoria e tudo.. Voando.

Pietro olhava pra ele com atenção.
As palavras carinhosas e revelações de última hora bateram com força.
Quando Alexandre trocou um olhar com o garoto, viu que ele tinha se emocionado. E automaticamente se emocionou junto. Todo bobão.

— E.. Nero.. Que papo é esse de sair da banda?

Chegou a hora de me aposentar. — Ele admitiu. — Essa loucura não é mais pra mim. Sair em turnê, virar a noite tomando energético pra aguentar um milhão de compromissos.. A mídia em cima de mim. Eu não quero nada disso. Nunca quis, na real. Tá na hora de eu dar um passo pra trás, respirar ar puro. Eu já cheguei no topo da montanha e a vista de la de cima é linda, mas tá na hora de descer. Deixar pra garotada viver essa maluquice toda.

Pietro olhava pra ele estranhando tudo aquilo.
Eles não tinham conversado sobre essa decisão antes.

— Você sabe que o Brasil não vai se conformar com a sua aposentadoria, né? — A apresentadora puxou a questão.

Alexandre apenas riu.

— E o resto da banda? Como ficou com essa notícia?

— Vamos sentir falta do Nerão, mas se é o que ele deseja a gente respeita. Ainda estamos vendo se vamos só ficar sem ele ou tentar arranjar um substituto.. Mas é difícil achar alguém que possa substituir esse cara aí.

Alexandre desviou o olhar para o enteado. Pietro olhava para ele sem parar, o cenho franzido. Ele provavelmente achava que era mentira o boato de que Nero sairia da banda.

— O que fez você tomar essa decisão, Nero? — A atenção voltou pra ele.

Alexandre pensou por cinco longos segundos, e resolveu ser sincero.

— Eu me apaixonei. — Foi sincero. — E amar a Giovanna me fez olhar pro meu futuro. Pro que eu quero, o que eu não quero. E eu quero uma vida mais sossegada. Jantar comida japonesa no final de semana, fazer um luau na praia com a minha família só tendo um violão na mão e uma fogueira. Eu não quero ficar longe dela. Deles. — Ele se corrigiu, olhando para Pietro brevemente. — Não tenho mais idade pra ficar sozinho em quarto de hotel, pra ter relacionamento a distância. Sem contar que a banda foi bacana demais e eu sou grato a eles por tudo que me proporcionaram, mas eu quero trabalhar por conta própria um pouco. Ver o que sai depois de tanta prática e experiência. Querendo ou não, trabalhar em grupo é um pouco irritante. Você perde a sua essência porque combinar a personalidade de todo mundo ao mesmo tempo faz você se perder de si um pouco. — Alexandre foi transparente. — Mas mais do que nunca eu quero me desligar disso tudo, dessa loucura. Por quanto tempo for preciso. — Ele admitiu. — Tipo.. Férias.

— Vamos sentir saudades de você em cima dos palcos, Nero.

Pietro suspirou e encarou o chão, chateado.

— Eu também vou sentir saudades. — Ele admitiu.

E era verdade. Sentiria.

the alchemyOnde histórias criam vida. Descubra agora