Ao cair de uma tarde de Dezembro chuvoso e frio, dois viajantes subiam a encosta de um monte.
Era na província de Trás-os-Montes. Olhando ao redor, extensões de castanheiros, nogueiras e oliveiras, que nesta altura já haviam perdido toda a folhagem. Era um lugar melancólico, solitário, poder-se-ia dizer quase sinistro.
Dos viajantes pouco se sabia. Um mais elegante montado num cavalo. O outro mais modesto seguia a pé.
O do cavalo viajava há vários dias quando se cruzou com o almocreve. Depois de uma troca de palavras decidiram seguir juntos.
Rodolffo de Salselas, nome do cavaleiro cresceu e viveu sempre em Lisboa desde que ainda criança os pais decidiram pela capital.
Ia ao teatro, pavoneava-se pelo Chiado e Rossio e ia a banhos às praias de Cascais e Sintra para quebrar a monotonia.
Atingira a idade de 30 anos e do teatro à literatura e festas não se lhe conheciam outros afazeres.
Por esta altura começou a cansar-se da vida que levava. Enfadado com tudo depressa os amigos se enfadaram dele.
Começou a desfazer-se de todos os bens. Móveis, quadros, estátuas e objectos de colecção.
Tornou-se hipocondríaco e consultava médicos atrás de médicos.Foi um deles que o aconselhou a viajar.
- Viajar? E as doenças?
- Isso é coisa da sua cabeça. O senhor não está doente.
Não satisfeito consultou outro médico já na idade de estar em casa em frente à lareira.
- Ó homem! Se o senhor quer viver, vá viajar. Vá conhecer novos mundos, novas cidades ou simplesmente as nossas aldeias.
Rodolffo deixou o consultório não satisfeito com o diagnóstico. Passou no mercado e por coincidência viu alguns produtos que lhe lembravam a infância passada numa aldeia transmontana com uma tia materna. Foi ali que ele passou alguns dias durante as férias escolares.
...
Agora a caminho da aldeia, amaldiçoava a resolução que tomou. O cavalo seguia lentamente, talvez cansado.
Encontrou o companheiro a meio do caminho e decidiram seguir juntos.Estavam cansados, com fome e frio. Alguma fruta roubada de pomares servia de alimento para eles e para o animal.
O caminho era íngreme e lamacento. Rodolffo esbracejar e soltava palavrões.
- Estamos quase lá, meu senhor.
O almocreve era habituado a caminhar por montes e vales e isso deixava-o à vontade para confiar que ele soubesse o caminho.
- Há quantas horas me dizes isso?
- Há uma estrada mais perto, mas com esta chuva toda que tem caído, não sabemos como estão os riachos e ribeiros.
Ali a seguir àquele sobreiro já se vêem algumas casas da aldeia. Olhe que se tivesse nevado era bem pior.- Pior que isto?
- Bem pior, mas já se avista a capela. Em descendo isto tudo, logo chegaremos.
- Daqui até lá vamos demorar umas horas. É tudo tão longe!
- Vossemecê não vê além aquela fraga?
- Aquela do lado direito?
- Sim. É da propriedade da fidalga.
A noite caiu quando finalmente apareceram as primeiras habitações. A chuva caía agora com mais intensidade transformando os caminhos em charcos.
Uma manada de bois atravessou na frente deles e Rodolffo reparou na criança que os conduzia. Este reparou no cavalo que se empinava à passagem do gado.Duas carroças carregadas de lenha passaram a seguir o que fez com que ele ficasse à chuva sem poder avançar.
Das chaminés saía fumaça com cheiro a pinho e resina resultante das pinhas e caruma dos pinheiros, o que para ele era desagradável.
- Que parvo que fui em acreditar na conversa do doutor. Onde é que vir para aqui me vai curar? Não tarda muito de eu morrer aqui neste lugar escuro e sujo.
O cavalo seguia lentamente sobre a calçada, para não escorregar.
- Tem que ir devagar senão é capaz do cavalo cair e partir uma perna.
À sua passagem os cães de grande porte ladravam de dentro dos portões. Alguns choros de criança, grunhir de porcos ouviam-se no silêncio da noite.
- Boa noite, ti Albertina. - cumprimentou o almocreve.
- Boa noite senhor Manel. Então hoje não entra?
- Vou ali levar este viajante. Amanhã passo cá.
- Demora muito a chegar à quinta da minha tia?
- A quinta da Roseira é logo ali. Isto aqui pertence à fidalga. Aquilo ali também.
Esta fiada de casas também é dela.Ouvia-se o som forte da àgua nos açudes e Rodolffo temia cair num qualquer canal e ser arrastado pela corrente.
- Cala-te com a fidalga. Não tenho ouvido outra coisa. Aqui não há outro assunto? E a quinta da Roseira nunca mais aparece?
- É aqui, senhor. - e bateu forte no portão.
Os cães ladraram e acorreram ao portão. Rodolffo estava apavorado com o tamanho e também porque Manuel os acirrava com um pau.