Rodolffo ouviu rodar a chave e correr o ferrolho.
- Boas noites. - disse um homem com um candeeiro na mão que levantou para mirar os viajantes.
- Sou Rodolffo de Salselas, sobrinho da tia Anastácia.
- Mas entrem que está a chover muito.
- Eu vou-me. Já está entregue senhor. Vemo-nos por aí.
- Muito obrigado, Manel.
Rodolffo exitou em entrar por causa dos cães.
- Entre, entre.
- E eles?
- Ah! Não fazem mal. É só barulho. Só há pouco tempo é que se fincaram às pernas de um que se veio meter com eles. O Joaquim até batia com os calcanhares nas nalgas.
Saiu daqui mais ligeiro que um rato.- Agora é que não entro.
Os cães foram enxotados e Rodolffo lá seguiu atrás do homem com o cavalo à mão. O candeeiro pouco deixava ver onde ele punha os pés de tão escuro que estava.
Seguiram por uma trilha de àrvores de fruta, uma horta, ladearam o cabanal onde o homem prendeu o cavalo e chegaram a uma escadaria que levava à porta principal.
Memórias começaram a surgir na sua mente. As vezes que ele subiu as escadas e brincou no parapeito.
Um amontoado de abóboras tal como outrora, jazia ali ao lado.
O homem bateu à porta e logo esta se abriu para aparecer tia Anastácia.
- É o seu sobrinho de Lisboa.
- Porque não avisaste que vinhas?
- Como está a minha tia? Foi resolvido de repente.
- Que pimpão estás homem! A última vez que te vi ainda as moncas te caíam do nariz.
- Não diga isso, minha tia.
- Pois eu ainda duvido que sejas tu. Entra homem que deves estar enregelado.
Rodolffo abraçou a tia que por esta altura já chorava.
- Não chore.
- Anda cá ver o meu sobrinho, Maria!
Rodolffo ainda não se tinha livrado do abraço da tia e já estava a ser apertado pela empregada. Estranhou, pois em Lisboa os empregados não têm essa intimidade.
- Meu rico menino. Como tu cresceste! Ainda me lembro de vires lamber os tachos quando eu fazia as compotas e marmelada.
- Eras bem lambareiro. - retorquiu a tia.
- Espero que ainda se façam esses doces.
Tia Anastácia e Maria, duas celibatárias muito tenentes a Deus, viveram sempre juntas, mesmo nas maiores dificuldades. Sempre em sintonia eram elogiadas por famílias cujos elementos viviam sempre em brigas.
À noite rezavam o terço. Um padre nosso a todos os santos e santas e por todas as almas mortas e vivas.
Rodolffo entrou para a sala onde o tempo não passou.
Os móveis, cortinados e objectos eram ainda os que ele recordava. Nas paredes eram quadros, quase todos representando santos e santas.- O meu Rodolffinho! - Anastácia estava de braços cruzados em frente a ele.
Maria vai preparar a ceia dele.- Não estou habituado a cear, mas vou aceitar. A verdade é que estou varado de fome.
- Claro. Vais agora deitar-te de barriga vazia.
Anda lá que eu vou mostrar-te o quarto. Vais mudar essa roupa molhada para que não adoeças.Ele tomou um vinho, trocou de roupa e apareceu na sala.
Elas olhavam para ele que comia com satisfação aquela comida que sendo primitiva lhe parecia um manjar dos deuses.
- Rodolffo! E porque vieste?
- Estou doente e o médico aconselhou a mudança de ares.
- Doente? Ó Maria, tu achas que ele tem cara de doente? Deves ser daqueles que teem mania de doenças.
- Mania? Eu agora só quero dormir.
- Maria! Puseste bastante roupa na cama? Olha que está frio.
- Pus bastante, mas está uma manta aos pés para se precisar.
- Então, boa noite.
- Muito boa noite para a tia e a senhora Maria.
Rodolffo entrou no quarto. Uma cama, uma mesinha, um lavatório e pouco mais.
Acendeu o castiçal e ficou a contemplar tudo.
- Rodolffo, tu vê lá se não adormeces com a vela acesa.
- Não, tia.
Alguns minutos depois ela voltou.
- Rodolffo, ainda não dormes?
- Ainda não.
- Vê lá se te esqueces da luz e pegas fogo à casa. Deus nos acuda que tenho medo do fogo.
Rodolffo apagou a vela contrariado, mas para sossego da tia. Acomodou-se entre dois cobertores felpudos, depois de se desenvencilhar dos outros quatro que estavam na cama e sentiu-se muito bem.
No meio do silêncio da noite os olhos foram-se fechando até cair num sono profundo.
