II

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Rodolffo ouviu rodar a chave e correr o ferrolho.

- Boas noites. - disse um homem com um candeeiro na mão que levantou para mirar os viajantes.

- Sou Rodolffo de Salselas, sobrinho da tia Anastácia.

- Mas entrem que está a chover muito.

- Eu vou-me.  Já está entregue senhor.  Vemo-nos por aí.

- Muito obrigado,  Manel.

Rodolffo exitou em entrar por causa dos cães.

- Entre, entre.

- E eles?

- Ah!  Não fazem mal.  É só barulho.  Só há pouco tempo é que se fincaram às pernas de um que se veio meter com eles.  O Joaquim até batia com os calcanhares nas nalgas.
Saiu daqui mais ligeiro que um rato.

- Agora é que não entro.

Os cães foram enxotados e Rodolffo lá seguiu atrás do homem com o cavalo à mão.  O candeeiro pouco deixava ver onde ele punha os pés de tão escuro que estava.

Seguiram por uma trilha de àrvores de fruta, uma horta, ladearam o cabanal onde o homem prendeu o cavalo e chegaram a uma escadaria que levava à porta principal.

Memórias começaram a surgir na sua mente.  As vezes que ele subiu as escadas e brincou no parapeito.

Um amontoado de abóboras tal como outrora, jazia ali ao lado.

O homem bateu à porta e logo esta se abriu para aparecer tia Anastácia.

- É o seu sobrinho de Lisboa.

- Porque não avisaste que vinhas?

- Como está a minha tia?  Foi resolvido de repente.

- Que pimpão estás homem!  A última vez que te vi ainda as moncas te caíam do nariz.

- Não diga isso, minha tia.

- Pois eu ainda duvido que sejas tu.  Entra homem que deves estar enregelado.

Rodolffo abraçou a tia que por esta altura já chorava.

- Não chore.

- Anda cá ver o meu sobrinho,  Maria!

Rodolffo ainda não se tinha livrado do abraço da tia e já estava a ser apertado pela empregada.   Estranhou, pois em Lisboa os empregados não têm essa intimidade.

- Meu rico menino.  Como tu cresceste!  Ainda me lembro de vires lamber os tachos quando eu fazia as compotas e marmelada.

- Eras bem lambareiro. - retorquiu a tia.

- Espero que ainda se façam esses doces.

Tia Anastácia e Maria, duas celibatárias muito tenentes a Deus, viveram sempre juntas,  mesmo nas maiores dificuldades.  Sempre em sintonia eram elogiadas por famílias cujos elementos viviam sempre em brigas.

À noite rezavam o terço.  Um padre nosso a todos os santos e santas e por todas as almas mortas e vivas.

Rodolffo entrou para a sala onde o tempo não passou.
Os móveis,  cortinados  e objectos eram ainda os que ele recordava.  Nas paredes eram quadros, quase todos representando santos e santas.

- O meu Rodolffinho! - Anastácia estava de braços cruzados em frente a ele.
Maria vai preparar a ceia dele.

- Não estou habituado a cear, mas vou aceitar.  A verdade é que estou varado de fome.

- Claro.  Vais agora deitar-te de barriga vazia.
Anda lá que eu vou mostrar-te o quarto.  Vais mudar essa roupa molhada para que não adoeças.

Ele tomou um vinho, trocou de roupa e apareceu na sala.

Elas olhavam para ele que comia com satisfação aquela comida que sendo primitiva lhe parecia um manjar dos deuses.

- Rodolffo!  E porque vieste?

- Estou doente e o médico aconselhou a mudança de ares.

- Doente?  Ó Maria,  tu achas que ele tem cara de doente?  Deves ser daqueles que teem mania de doenças.

- Mania?  Eu agora só quero dormir.

- Maria!  Puseste bastante roupa na cama?  Olha que está frio.

- Pus bastante, mas está uma manta aos pés para se precisar.

- Então,  boa noite.

-  Muito boa noite para a tia e a senhora Maria.

Rodolffo entrou no quarto.  Uma cama, uma mesinha, um lavatório e pouco mais.

Acendeu o castiçal e ficou a contemplar tudo.

- Rodolffo,  tu vê lá se não adormeces com a vela acesa.

- Não, tia.

Alguns minutos depois ela voltou.

- Rodolffo,  ainda não dormes?

- Ainda não.

- Vê lá se te esqueces da luz e pegas fogo à casa.  Deus nos acuda que tenho medo do fogo.

Rodolffo apagou a vela contrariado, mas para sossego da tia.   Acomodou-se entre dois cobertores felpudos, depois de se desenvencilhar dos outros quatro que estavam na cama e sentiu-se muito bem.

No meio do silêncio da noite os olhos foram-se fechando até cair num sono profundo.

A curaOnde histórias criam vida. Descubra agora