XII

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- Senhor Esteves, chamei-o aqui porque preciso de lhe pedir um favor.

- Pois peça menina Juliette.

- Deixe-me apresentar-lhe o senhor Rodolffo de Salselas.  É de Lisboa e apesar de nunca ter visto semear uma batata ou podar uma oliveira, está aqui para aprender e conto consigo para o orientar.

Se ele quer aprender eu terei muito gosto em ensinar-lhe.
Olha, meu jovem, que a lida do campo não é o que parece.  São muitos calos na mão e muita dor de costas.

- Eu acho que posso aprender.

- É bom que aprendas.  Eu já estou velho e um dia alguém há-de substituir-me.

- Não diga isso isso senhor Esteves.  Ainda há-de cá andar muito tempo de cesto e enxada nas mãos.

- Já cá cantam 78, filha.  Quantos mais achas que viverei?

- Muitos senhor Esteves,  muitos.

- Pode ser, mas quero estar ao lado dos meus netos.  Faz dois anos que não os vejo.

- Ainda moram no Porto?

- Sim.  Desde que voltaram de França, instalaram-se no Porto.  O meu genro é Advogado e a minha filha professora.  No Porto têm mais oportunidades.

- Lá isso é verdade.   Talvez agora com ajuda possa visitá-los mais.

- E quando quer começar, meu jovem?

- Amanhã mesmo se for do vosso agrado.

- Agora pode ir senhor Esteves.   Rodolffo vamos acertar outras coisas.

O homem foi-se e os dois ficaram a sós.  Trocaram um beijo apaixonado e Juliette explicou qual a sua função.

- Desculpa, mas não sabia como te colocar aqui dentro sem ninguém desconfiar.

Vou ser muito convincente, mas tudo para estar perto de ti.

- O trabalho é pesado.

- Eu aguento.

Enquanto isso Anastácia visitava Henriqueta e conversavam sobre assuntos da igreja.  O manto novo do Senhor dos Passos, a decoração da igreja para a festa que já não tardava, mas o verdadeiro motivo da visita era outro.

- Tia Henriqueta!  Então não é que o meu sobrinho me veio com a novidade de trabalhar na quinta da fidalga?  Ele há cada uma.

- É verdade.  Assim do nada a Juliette quer tomar conta das propriedades e o primo quer trabalhar no campo quando não sabe  distinguir uma couve de uma urtiga.

- Aqueles dois andam a tramar alguma.  Vá por mim tia Henriqueta que eu já cá ando há muitos anos.

- Eu também comungo dessa opinião.  Hei-de abrir os olhos à minha sobrinha que tome cuidado.  Os lobos vestem pele de cordeiro quando querem atacar.

- Com isso quer dizer que o meu sobrinho tem más intenções com a fidalga?  Olhe lá tia Henriqueta, vocemessê não tem o direito de pensar uma coisa dessas.  O meu sobrinho é um homem honrado.

- De honradez percebo eu.  Conte lá quantos nesta aldeia  nasceram sem pai?  Eu mesma não conheci o meu, mas graças a Deus tive um bom marido.

- Lá isso era.  Que o diga a Isaurinha do manco.  Então não foi o seu marido que pagou todo o tratamento do Pedrinho, filho dela e de um desgraçado qualquer?

- Foi.  E a filha da Guida, a governanta do solar.  Foi ele quem comprou os uniformes e pagou o colégio onde ela foi estudar para professora.
Era um coração de ouro, o meu Barnabé.  Não há ninguém cá na aldeia que não gostasse dele.

- Nessa parte eu concordo.  A vida dele era um livro aberto e ninguém podia dizer que passava necessidades que ele ia acudir.  Até tinha a alcunha do "protector de viúvas", vá-se lá saber por quê.  Ele tanto ajudava viúvas, como solteiras ou casadas.

- Era um santo o meu homem.

<quanta ingenuidade> pensou Anastácia por constactar que Henriqueta não sabia nada de nada. Deixa que ela morra crente na santidade do marido.  O homem já morreu por isso não há necessidade de revirar a tumba.

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