- Senhor Esteves, chamei-o aqui porque preciso de lhe pedir um favor.
- Pois peça menina Juliette.
- Deixe-me apresentar-lhe o senhor Rodolffo de Salselas. É de Lisboa e apesar de nunca ter visto semear uma batata ou podar uma oliveira, está aqui para aprender e conto consigo para o orientar.
Se ele quer aprender eu terei muito gosto em ensinar-lhe.
Olha, meu jovem, que a lida do campo não é o que parece. São muitos calos na mão e muita dor de costas.- Eu acho que posso aprender.
- É bom que aprendas. Eu já estou velho e um dia alguém há-de substituir-me.
- Não diga isso isso senhor Esteves. Ainda há-de cá andar muito tempo de cesto e enxada nas mãos.
- Já cá cantam 78, filha. Quantos mais achas que viverei?
- Muitos senhor Esteves, muitos.
- Pode ser, mas quero estar ao lado dos meus netos. Faz dois anos que não os vejo.
- Ainda moram no Porto?
- Sim. Desde que voltaram de França, instalaram-se no Porto. O meu genro é Advogado e a minha filha professora. No Porto têm mais oportunidades.
- Lá isso é verdade. Talvez agora com ajuda possa visitá-los mais.
- E quando quer começar, meu jovem?
- Amanhã mesmo se for do vosso agrado.
- Agora pode ir senhor Esteves. Rodolffo vamos acertar outras coisas.
O homem foi-se e os dois ficaram a sós. Trocaram um beijo apaixonado e Juliette explicou qual a sua função.
- Desculpa, mas não sabia como te colocar aqui dentro sem ninguém desconfiar.
Vou ser muito convincente, mas tudo para estar perto de ti.
- O trabalho é pesado.
- Eu aguento.
Enquanto isso Anastácia visitava Henriqueta e conversavam sobre assuntos da igreja. O manto novo do Senhor dos Passos, a decoração da igreja para a festa que já não tardava, mas o verdadeiro motivo da visita era outro.
- Tia Henriqueta! Então não é que o meu sobrinho me veio com a novidade de trabalhar na quinta da fidalga? Ele há cada uma.
- É verdade. Assim do nada a Juliette quer tomar conta das propriedades e o primo quer trabalhar no campo quando não sabe distinguir uma couve de uma urtiga.
- Aqueles dois andam a tramar alguma. Vá por mim tia Henriqueta que eu já cá ando há muitos anos.
- Eu também comungo dessa opinião. Hei-de abrir os olhos à minha sobrinha que tome cuidado. Os lobos vestem pele de cordeiro quando querem atacar.
- Com isso quer dizer que o meu sobrinho tem más intenções com a fidalga? Olhe lá tia Henriqueta, vocemessê não tem o direito de pensar uma coisa dessas. O meu sobrinho é um homem honrado.
- De honradez percebo eu. Conte lá quantos nesta aldeia nasceram sem pai? Eu mesma não conheci o meu, mas graças a Deus tive um bom marido.
- Lá isso era. Que o diga a Isaurinha do manco. Então não foi o seu marido que pagou todo o tratamento do Pedrinho, filho dela e de um desgraçado qualquer?
- Foi. E a filha da Guida, a governanta do solar. Foi ele quem comprou os uniformes e pagou o colégio onde ela foi estudar para professora.
Era um coração de ouro, o meu Barnabé. Não há ninguém cá na aldeia que não gostasse dele.- Nessa parte eu concordo. A vida dele era um livro aberto e ninguém podia dizer que passava necessidades que ele ia acudir. Até tinha a alcunha do "protector de viúvas", vá-se lá saber por quê. Ele tanto ajudava viúvas, como solteiras ou casadas.
- Era um santo o meu homem.
<quanta ingenuidade> pensou Anastácia por constactar que Henriqueta não sabia nada de nada. Deixa que ela morra crente na santidade do marido. O homem já morreu por isso não há necessidade de revirar a tumba.
