VII

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Iniciou-se a ceia e todos conversavam animadamente excepto Rodolffo que apenas respondia ao que lhe era perguntado.

- Quem está disposto a ir à missa do galo? - perguntou a tia Anastácia.

- Eu não.   Está uma noite geada e ainda não estou recuperado da última gripe.  Com vossa licença ficarei por cá e hei-de deitar-me cedo. - respondeu Rodolffo.

Todos os demais responderam que iam à excepção de Juliette que não disse nada.

Henriqueta presenciando que algo se passava, perguntou.

- E tu Juliette,  vais ou não?

- Talvez seja melhor não ir.  Estou com uma dor de cabeça desde esta tarde e não há meio de passar.

- Ó rapariga!  Tu cuida de tomares um cházinho de cidreira, deita mais um cobertor na cama e agasalha-te.  Olha que este tempo para as maleitas é o ideal.

- É o que vou fazer, minha tia.  Amanhã por certo acordarei melhor.

Terminada a ceia todos buscavam os agasalhos e alguns chapéus de chuva,  porque mais vale prevenir.

- Vamos embora ou chegaremos a meio da Eucaristia.  Ainda quero beijar o menino.

- Vamos sim, tia Henriqueta.   Juliette  serve um chá também ao primo Rodolffo que o vai ajudar a dormir.

- Pode deixar tia.  Vou já prepará-lo.

Depois de todos saírem, Juliette dirigiu-se à cozinha e colocou a chaleira para aquecer a àgua.
Rodolffo foi atrás dela.

- Primo Rodolffo!  Desculpe-me pela minha fala, hoje mais cedo.  Não medi as palavras e sei que o aborreci.

- Não foi o que disseste mais cedo.  É o que tens dito desde que nos conhecemos.  O desdém com que me tratas.

- Não vejo as coisas desse jeito.  Só evito dar-lhe esperança.  A Cristina...

- O que tem a Cristina?  Hoje mesmo lhe dei a entender que o meu coração bate por outra que não ela.  Também lhe disse que devia olhar mais para o António.   Ele sim sofre de amores por ela.

- E como sabe tudo isso?

- Sou bom observador.  E esse seu coração de pedra não tem tempo de amolecer?

- Porque me fala essas coisas?

- Porque eu só acho que aí se escondem segredos.  Acaso me despreza assim tanto, Juliette? - disse pegando-lhe na mão.

- Eu não o desprezo.  Eu...

- Diga.  Termine o raciocínio.

- Eu não quero que minha prima sofra.

- Então quer sacrificar o seu amor por um amor não correspondido?  Eu nunca terei nada com ela.

- Porque não?  Ela é jovem, trabalhadora e primorosa.

- Porque o meu coração pertence a ti e não a ela.  Eu amo-te Juliette.

- Não diga essas coisas, primo.  Não deve.

- Porque não?  E não somos primos.  Podes tratar-me pelo nome?

- Tantas coisas novas numa só noite.

- Diz-me que não te sou indiferente.  Dá-me esse presente de Natal.

- Aqui tem o seu chá Rodolffo.   Beba enquanto está quente.

- Eu bebo.  Olha para mim e responde.

- O que há para dizer?  Vou-me deitar que está tarde.

- Não quero que vás.  Quero dormir sabendo que os meus sentimentos são correspondidos.  Se disseres que não há a mínima possibilidade, depois das festas partirei de vez para Lisboa.

- Isso é sério?

- E eu sou lá de andar com rodeios?  Declarei o meu amor por ti e hei-de assumi-lo perante todos desde que tu também queiras.

- Mas, e a Cristina?  Ela vai sofrer.

- Então a tua preocupação é a tua prima.  Também gostas de mim, Juliette?

- Como nunca pensei gostar de ninguém.   Sei que posso parecer tola, mas é assim.

- Hoje eu sou um homem renascido. - Rodolffo beijou-lhe as mãos e afagou-lhe o rosto corado.  Segurando o queixo dela deu-lhe um beijo suave nos lábios.

- Não faça isso!  E se alguém nos vê?

- Todos os que se gostam fazem isso e muito mais.  Amanhã mesmo vou falar à tua tia sobre nós.

- Posso pedir-lhe que espere até ao ano novo?  Se diz que o António gosta da Cristina vamos aproximá-los para que ela não sofra.

Rodolffo aceitou a proposta e prometeu a ele próprio que ia dar um empurrão ao professor para que se declarasse e assim desse passagem para ele também.

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