Iniciou-se a ceia e todos conversavam animadamente excepto Rodolffo que apenas respondia ao que lhe era perguntado.
- Quem está disposto a ir à missa do galo? - perguntou a tia Anastácia.
- Eu não. Está uma noite geada e ainda não estou recuperado da última gripe. Com vossa licença ficarei por cá e hei-de deitar-me cedo. - respondeu Rodolffo.
Todos os demais responderam que iam à excepção de Juliette que não disse nada.
Henriqueta presenciando que algo se passava, perguntou.
- E tu Juliette, vais ou não?
- Talvez seja melhor não ir. Estou com uma dor de cabeça desde esta tarde e não há meio de passar.
- Ó rapariga! Tu cuida de tomares um cházinho de cidreira, deita mais um cobertor na cama e agasalha-te. Olha que este tempo para as maleitas é o ideal.
- É o que vou fazer, minha tia. Amanhã por certo acordarei melhor.
Terminada a ceia todos buscavam os agasalhos e alguns chapéus de chuva, porque mais vale prevenir.
- Vamos embora ou chegaremos a meio da Eucaristia. Ainda quero beijar o menino.
- Vamos sim, tia Henriqueta. Juliette serve um chá também ao primo Rodolffo que o vai ajudar a dormir.
- Pode deixar tia. Vou já prepará-lo.
Depois de todos saírem, Juliette dirigiu-se à cozinha e colocou a chaleira para aquecer a àgua.
Rodolffo foi atrás dela.- Primo Rodolffo! Desculpe-me pela minha fala, hoje mais cedo. Não medi as palavras e sei que o aborreci.
- Não foi o que disseste mais cedo. É o que tens dito desde que nos conhecemos. O desdém com que me tratas.
- Não vejo as coisas desse jeito. Só evito dar-lhe esperança. A Cristina...
- O que tem a Cristina? Hoje mesmo lhe dei a entender que o meu coração bate por outra que não ela. Também lhe disse que devia olhar mais para o António. Ele sim sofre de amores por ela.
- E como sabe tudo isso?
- Sou bom observador. E esse seu coração de pedra não tem tempo de amolecer?
- Porque me fala essas coisas?
- Porque eu só acho que aí se escondem segredos. Acaso me despreza assim tanto, Juliette? - disse pegando-lhe na mão.
- Eu não o desprezo. Eu...
- Diga. Termine o raciocínio.
- Eu não quero que minha prima sofra.
- Então quer sacrificar o seu amor por um amor não correspondido? Eu nunca terei nada com ela.
- Porque não? Ela é jovem, trabalhadora e primorosa.
- Porque o meu coração pertence a ti e não a ela. Eu amo-te Juliette.
- Não diga essas coisas, primo. Não deve.
- Porque não? E não somos primos. Podes tratar-me pelo nome?
- Tantas coisas novas numa só noite.
- Diz-me que não te sou indiferente. Dá-me esse presente de Natal.
- Aqui tem o seu chá Rodolffo. Beba enquanto está quente.
- Eu bebo. Olha para mim e responde.
- O que há para dizer? Vou-me deitar que está tarde.
- Não quero que vás. Quero dormir sabendo que os meus sentimentos são correspondidos. Se disseres que não há a mínima possibilidade, depois das festas partirei de vez para Lisboa.
- Isso é sério?
- E eu sou lá de andar com rodeios? Declarei o meu amor por ti e hei-de assumi-lo perante todos desde que tu também queiras.
- Mas, e a Cristina? Ela vai sofrer.
- Então a tua preocupação é a tua prima. Também gostas de mim, Juliette?
- Como nunca pensei gostar de ninguém. Sei que posso parecer tola, mas é assim.
- Hoje eu sou um homem renascido. - Rodolffo beijou-lhe as mãos e afagou-lhe o rosto corado. Segurando o queixo dela deu-lhe um beijo suave nos lábios.
- Não faça isso! E se alguém nos vê?
- Todos os que se gostam fazem isso e muito mais. Amanhã mesmo vou falar à tua tia sobre nós.
- Posso pedir-lhe que espere até ao ano novo? Se diz que o António gosta da Cristina vamos aproximá-los para que ela não sofra.
Rodolffo aceitou a proposta e prometeu a ele próprio que ia dar um empurrão ao professor para que se declarasse e assim desse passagem para ele também.