III

46 11 13
                                    

Rodolffo sonhou toda a noite que estava no teatro a assistir à ópera.  Violinos e outros instrumentos faziam parte do espetáculo em notas graves e agudas, numa contínua subida e descida de tons.

Despertou e o choque de realidade mostrava o lugar onde estava.  Lá fora ouvia-se o chiar de uma carroça.

A luz já invadia o quarto.  Os raios de sol penetravam pelas frestas das janelas e ele sorriu perante este facto.  Dormira a noite toda, coisa difícil de acontecer.

Ao contrário do dia anterior, a chuva deu lugar a um sol radioso.  No céu não se via uma nuvem e até o vento tinha ido embora.

Abriu a janela e a luz do sol em conjunto com os aromas que vinham dos campos encheram o quarto fazendo-o encher o peito e inspirar fundo.

A aldeia que na noite anterior lhe parecia um cemitério, era agora agradável.  A luz do sol transformara tudo num lugar com brilho, verdejante e aromático.  Até as àrvores despidas tinham o seu encanto.

Rodolffo debruçado na janela contemplava aquele cenário que aos seus olhos lhe pareceu idílico.

Visto da janela, o trajecto que percorrera na noite anterior pelo monte, parecia-lhe um cenário de um qualquer conto de fadas.

Ao seu lado direito observou um amontoado de carvalhos cuja folhagem cor de violeta contrastava com o verde restante.

Dali de onde estava podia avistar alguns lameiros, a igreja e algumas casas apalaçadas, umas mais cuidadas que outras.

Decidiu vestir-se e ir explorar e ver de perto tamanha beleza.

- Bons dias.  - disse a tia que se cruzou com ele no corredor.
Dormiste bem?

- Muito bem.  Como há muito não dormia.

- E agora, que vais fazer?

- Agora vou sair por aí e conhecer cada cantinho desta aldeia.

- Não vais sem comer.  Anda almoçar?

- Almoçar a esta hora?  São 7 horas minha tia.

- E então?  Em Lisboa não se almoça?

- A esta hora não.   Lá para o meio dia sim.

- Aqui na aldeia a essa hora é jantar.  À noite ceamos.

Sentaram-se à mesa e pela primeira vez que ele lembre comeu produtos frescos e puros.  O leite era exemplo.  Quentinho e espumoso.  Nada do que serviam em Lisboa.

- Já toda a aldeia é sabedora da tua chegada.  Chegaram até algumas coisas que mandaram para ti.

- O quê tia?

- Ovos, fruta e hortaliças.  Uns biscoitos e um pão feito com azeite e ovos.

Terminado o almoço foi aventurar-se pelos campos.  Tudo despertava curiosidade.  Subiu ladeiras, atravessou riachos, ruas e ruelas, cruzou-se com várias pessoas que à sua passagem o iam cumprimentando.

Um ou outro parava-o e começava a contar de quando esteve em Lisboa  ou que gostava disto e daquilo.

Como lhe tinha recomendado a tia, Rodolffo foi parar ao palacete principal.  Nele residiam António,  o fidalgo, sua esposa Henriqueta, sua filha Cristina e sua sobrinha Juliette,  um pouco mais velha que Cristina.  Morava com eles desde que a terrível doença levou os seus pais ainda muito novos.

- Mas entre senhor Rodolffo.   Seja bem-vindo à nossa casa.  Eu tenho uma grande estima por sua tia Anastácia.  Mulher forte é aquela.

- Ela também lhe tem muito apreço.  Não quero incomodar.

- Não incomoda.  Meninas venham cá ver as visitas.

Do interior da casa surgiram duas belas moças uma mais madura, morena, olhos grandes e uns cabelos de fazer a mente de qualquer homem vaguear.  Tinha-os apanhados num rabo de cavalo que deixava o rosto completamente descoberto.  A outra  embora muito bonita também,  no entanto não exalava a luz da primeira.  Os cabelos loiros pelo ombro e olhos que poderiam variar entre tons de verde e azul não apagaram a luz da outra jovem.

Rodolffo foi apresentado como "o primo" de Lisboa e o seu olhar logo pousou nos olhos de Juliette.

Não conversaram muito, mas logo entendeu que a simpatia era uma das suas características.

Havia nela um misto de candura e ironia e era óptima na espontaneidade.

Rodolffo observou nas duas um conhecimento de etiquetas sociais mas também observou a vontade de Juliette cortar com elas.

Tão pouco tempo de conversa já lhe davam tanto conhecimento desta fidalga.

Juliette foi incombida de preparar um café para a visita e Rodolffo ficou calado seguindo com os olhos os movimentos dela.

Dona Henriqueta quis saber da doença de Rodolffo.

Ele contou da tristeza, impaciência e desalentos que vinha sentindo.

Juliette ria enquanto ele descrevia os sintomas.

- A menina ri de quê?

- Da doença.  Ninguém padece disso.
Já viu alguém com essas doenças?

- Creio que não,  mas parece ser comum na cidade.  Já ouvi muita coisa sobre isso.
Desculpe-me o primo, mas é estranho aqui na aldeia.

- Quer dizer que não me devo queixar aqui?

- Se não quiser que zombem de si é melhor não dizer nada.

- O meu aspecto também não mostra que estou doente?

- Com essa robustez?  Haja saúde - questionou Juliette.

- Não digas isso, Juliette que deixas o primo constrangido.

- Mas para se curar precisa de mudar de atitude.

- Mudar?  Que atitude?

- Deixar esse ar impertigado de doutor da cidade.  Aqui somos todos iguais.
O primo, mesmo agora, parece que está num salão a assistir ao teatro.  Relaxe.  Entre no espírito da aldeia e vai ver as melhoras.

- Agora o primo aproveite para dar uns passeios nestes dias bonitos e ensolarados.  No fim quando o Inverno chegar em força já estará recuperado.  Quando quiser a companhia  das meninas é só combinar com elas.
Cristina, aonde tu querias ir?

- Eu?

- Sim tu.

- À senhora da Anunciação.

- Aí está um passeio bom para os três.   Saiem cedo, levam farnel, porque estes ares abrem o apetite.

- Por certo o primo Rodolffo não aguenta a caminhada.  É preciso subir e ele não está habituado.

- Por quem me tomam.  Vos garanto que sei trepar como uma cabra do monte.  Mesmo não sabendo onde é eu prometo chegar lá vivo.

Juliette sorriu e olhou-o nos olhos.

- Olhe que nenhuma de nós o vai carregar às costas.  Veja lá onde se mete?

- Inda que morresse em tão agradável missão,  ia agradecer a Deus por isso. - respondeu ele em tom provocativo.

- Touché.  Logo ajustaremos contas. - respondeu Juliette.

A curaOnde histórias criam vida. Descubra agora