Rodolffo sonhou toda a noite que estava no teatro a assistir à ópera. Violinos e outros instrumentos faziam parte do espetáculo em notas graves e agudas, numa contínua subida e descida de tons.
Despertou e o choque de realidade mostrava o lugar onde estava. Lá fora ouvia-se o chiar de uma carroça.
A luz já invadia o quarto. Os raios de sol penetravam pelas frestas das janelas e ele sorriu perante este facto. Dormira a noite toda, coisa difícil de acontecer.
Ao contrário do dia anterior, a chuva deu lugar a um sol radioso. No céu não se via uma nuvem e até o vento tinha ido embora.
Abriu a janela e a luz do sol em conjunto com os aromas que vinham dos campos encheram o quarto fazendo-o encher o peito e inspirar fundo.
A aldeia que na noite anterior lhe parecia um cemitério, era agora agradável. A luz do sol transformara tudo num lugar com brilho, verdejante e aromático. Até as àrvores despidas tinham o seu encanto.
Rodolffo debruçado na janela contemplava aquele cenário que aos seus olhos lhe pareceu idílico.
Visto da janela, o trajecto que percorrera na noite anterior pelo monte, parecia-lhe um cenário de um qualquer conto de fadas.
Ao seu lado direito observou um amontoado de carvalhos cuja folhagem cor de violeta contrastava com o verde restante.
Dali de onde estava podia avistar alguns lameiros, a igreja e algumas casas apalaçadas, umas mais cuidadas que outras.
Decidiu vestir-se e ir explorar e ver de perto tamanha beleza.
- Bons dias. - disse a tia que se cruzou com ele no corredor.
Dormiste bem?- Muito bem. Como há muito não dormia.
- E agora, que vais fazer?
- Agora vou sair por aí e conhecer cada cantinho desta aldeia.
- Não vais sem comer. Anda almoçar?
- Almoçar a esta hora? São 7 horas minha tia.
- E então? Em Lisboa não se almoça?
- A esta hora não. Lá para o meio dia sim.
- Aqui na aldeia a essa hora é jantar. À noite ceamos.
Sentaram-se à mesa e pela primeira vez que ele lembre comeu produtos frescos e puros. O leite era exemplo. Quentinho e espumoso. Nada do que serviam em Lisboa.
- Já toda a aldeia é sabedora da tua chegada. Chegaram até algumas coisas que mandaram para ti.
- O quê tia?
- Ovos, fruta e hortaliças. Uns biscoitos e um pão feito com azeite e ovos.
Terminado o almoço foi aventurar-se pelos campos. Tudo despertava curiosidade. Subiu ladeiras, atravessou riachos, ruas e ruelas, cruzou-se com várias pessoas que à sua passagem o iam cumprimentando.
Um ou outro parava-o e começava a contar de quando esteve em Lisboa ou que gostava disto e daquilo.
Como lhe tinha recomendado a tia, Rodolffo foi parar ao palacete principal. Nele residiam António, o fidalgo, sua esposa Henriqueta, sua filha Cristina e sua sobrinha Juliette, um pouco mais velha que Cristina. Morava com eles desde que a terrível doença levou os seus pais ainda muito novos.
- Mas entre senhor Rodolffo. Seja bem-vindo à nossa casa. Eu tenho uma grande estima por sua tia Anastácia. Mulher forte é aquela.
- Ela também lhe tem muito apreço. Não quero incomodar.
- Não incomoda. Meninas venham cá ver as visitas.
Do interior da casa surgiram duas belas moças uma mais madura, morena, olhos grandes e uns cabelos de fazer a mente de qualquer homem vaguear. Tinha-os apanhados num rabo de cavalo que deixava o rosto completamente descoberto. A outra embora muito bonita também, no entanto não exalava a luz da primeira. Os cabelos loiros pelo ombro e olhos que poderiam variar entre tons de verde e azul não apagaram a luz da outra jovem.
Rodolffo foi apresentado como "o primo" de Lisboa e o seu olhar logo pousou nos olhos de Juliette.
Não conversaram muito, mas logo entendeu que a simpatia era uma das suas características.
Havia nela um misto de candura e ironia e era óptima na espontaneidade.
Rodolffo observou nas duas um conhecimento de etiquetas sociais mas também observou a vontade de Juliette cortar com elas.
Tão pouco tempo de conversa já lhe davam tanto conhecimento desta fidalga.
Juliette foi incombida de preparar um café para a visita e Rodolffo ficou calado seguindo com os olhos os movimentos dela.
Dona Henriqueta quis saber da doença de Rodolffo.
Ele contou da tristeza, impaciência e desalentos que vinha sentindo.
Juliette ria enquanto ele descrevia os sintomas.
- A menina ri de quê?
- Da doença. Ninguém padece disso.
Já viu alguém com essas doenças?- Creio que não, mas parece ser comum na cidade. Já ouvi muita coisa sobre isso.
Desculpe-me o primo, mas é estranho aqui na aldeia.- Quer dizer que não me devo queixar aqui?
- Se não quiser que zombem de si é melhor não dizer nada.
- O meu aspecto também não mostra que estou doente?
- Com essa robustez? Haja saúde - questionou Juliette.
- Não digas isso, Juliette que deixas o primo constrangido.
- Mas para se curar precisa de mudar de atitude.
- Mudar? Que atitude?
- Deixar esse ar impertigado de doutor da cidade. Aqui somos todos iguais.
O primo, mesmo agora, parece que está num salão a assistir ao teatro. Relaxe. Entre no espírito da aldeia e vai ver as melhoras.- Agora o primo aproveite para dar uns passeios nestes dias bonitos e ensolarados. No fim quando o Inverno chegar em força já estará recuperado. Quando quiser a companhia das meninas é só combinar com elas.
Cristina, aonde tu querias ir?- Eu?
- Sim tu.
- À senhora da Anunciação.
- Aí está um passeio bom para os três. Saiem cedo, levam farnel, porque estes ares abrem o apetite.
- Por certo o primo Rodolffo não aguenta a caminhada. É preciso subir e ele não está habituado.
- Por quem me tomam. Vos garanto que sei trepar como uma cabra do monte. Mesmo não sabendo onde é eu prometo chegar lá vivo.
Juliette sorriu e olhou-o nos olhos.
- Olhe que nenhuma de nós o vai carregar às costas. Veja lá onde se mete?
- Inda que morresse em tão agradável missão, ia agradecer a Deus por isso. - respondeu ele em tom provocativo.
- Touché. Logo ajustaremos contas. - respondeu Juliette.