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Foram aconselhados a fazer o caminho de volta pois no horizonte já se avistava tempestade.

O vento agora soprava com força e foram apanhados de surpresa quando saíram da capelinha onde haviam entrado para rezar.

Iniciaram por isso o caminho de volta pelo mesmo sítio que haviam subido.

Se subir teve os seus problemas, descer não seria melhor.  António mais habituado ia na frente e firmava os pés no chão para que os outros lhe seguissem as pegadas.  Uma ou outra vez parava para auxiliar Cristina e Juliette.

Pararam a meio do monte para analisar o caminho quando uma rabanada de vento mais forte fez voar a mantilha que Juliette tinha a cobrir-lhe a cabeça, atirando-a para longe.

- Logo agora que ameaça chover. - disse António.  Vou lá abaixo, corto uma vara e regresso para a puxar.

- Não vale a pena, António. Que descanse em paz que mantilhas há muitas.

Rodolffo ouvia a conversa e tomado por uma coragem repentina, deixou-se resvalar monte abaixo fincando os pés no chão, agarrando-se a uma giesta ou uma silva ou mesmo um tufo de erva e conseguiu resgatar a mantilha.

Depois com dobradas dificuldades e perigos, ferindo as mãos nas rochas e nos espinhos do tojo onde se apoiava, conseguiu regressar e entregar vitorioso a mantilha a Juliette.

António meneava a cabeça e disse:

- Que imprudência!

Juliette ainda nervosa por causa desta atitude nem conseguiu agradecer.  Na verdade ela queria mais repreende-lo do que elogiá-lo.

- Foi uma loucura.  Uma loucura imperdoável.

- Isto ofendeu Rodolffo porque à menor coisa que António fazia, era merecedor de elogios.

Mas ele também era ingrato pois não  via quão pálida estava a face, os lábios trémulos e os olhos rasos de àgua de Cristina.

Não era só pelo perigo que ele correu, mas principalmente porque o correu por outra e não por si.

António abandonou o grupo para ir verificar o estado da ponte.  Com a enxurrada era bem possível que ela já não existisse.

- Ficamos sós, António?  Não sei se consigo avançar sem a sua companhia.  - falou Juliette.

- O pior já passou.  E desceu ladeira abaixo.
Rodolffo tomou a dianteira, seguido de Juliette e depois Cristina, mas o seu mau humor era notório.

Juliette tinha com estas palavras expressado a sua falta de confiança nele.  Continuou por isso calado.

Nenhum dos três tinha vontade de conversar o que acabou por irritar mais Rodolffo.

Já tinham percorrido uma boa parte do trajecto quando ele não aguentando mais decidiu comentar:

- Prima!  Estou deveras arrependido do meu acto lá atrás.  Não me lembrei que todos os actos heróicos e triunfos devem pertencer ao António,  mas como ali o vi demasiado cauteloso...

Cristina e Juliette soltaram uma exclamação ignorando as palavras de Rodolffo e olhavam para o riacho.

Ao fundo do monte já se avistava o riacho onde um pobre aldeão havia caído e lutava contra a corrente.  António sem hesitar atirou-se às àguas mostrando toda a coragem e conseguindo trazer o homem para terra firme.

Juliette respirou fundo e aproveitou a ocasião para responder a Rodolffo.

- Como vê primo, o António nem sempre é cauteloso.  Há pouco não arriscou ir buscar um artigo que podia por em perigo a vida, mas agora nem hesitou a atirar-se à água.
É uma questão de humanidade.
A sua imprudência eu agradeço mas não a aprovo.  Esta foi justificada.

Rodolffo não teve argumentos para contestar esta afirmação,  mas teve o bom senso de ir apertar a mão a António pela coragem.

Seguiram caminho e lá longe já avistava a quinta onde chegaram completamente encharcados e gelados.

António foi acompanhar o homem a sua casa enquanto eles três tinham à espera um banho quente e roupas secas assim como uma chávena de chá.  Ouviram a tia Henriqueta ralhar porque não levaram os guarda-chuvas e outras advertências também.

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