Era um dia que tinha tudo pra ser suave, mas na favela a paz nunca durava muito. Eu e a Júlia távamos de boa no sofá, falando sobre a música que a gente escreveu ontem, o "Oitão na Cintura". Já tinha até imaginado o baile cantando junto. Mas do nada, o bagulho virou. Primeiro, foi um silêncio estranho, como se todo mundo tivesse prendendo a respiração. Aí veio o estouro dos tiros, seco, estourando no ar, e depois só grito.Levantei na hora, corri pra porta e abri só um pouquinho pra ver o que tava rolando. Júlia colou em mim, o olhar dela era puro medo. O clima lá fora era frenético, parecia cena de filme: mulecada correndo, mãe puxando os filhos, gritaria e aquele som de sirene misturado com tiro ecoando pelas vielas.
Júlia: "Davi, o que tá pegando? Isso não é só briga de gangue, né?"
Eu olhei pra ela e nem precisei explicar. Aquela invasão a gente já conhecia de longe, a cena tava se repetindo. Era polícia subindo, bala cruzando, e o corre comendo solto. Fiquei ligeiro, segurei a Júlia firme pelo braço.
Davi: "Cola comigo, Júlia, não fica moscando não. Isso aqui vai dar merda."
Ela me olhou com um pavor que eu só tinha visto poucas vezes, mas mesmo assim confiava em mim. Eu puxei ela de volta, fechando a porta, apagando tudo. Ficamos ali na sala, no escuro, só ouvindo o barulho de tudo se desfazendo lá fora. Era tenso demais.
Júlia: "Cê acha que vai demorar pra parar?"
Davi: "Não sei, mas vamo ficar aqui, juntos. Se alguém bater, nem respira."
A gente ficou ali, na sala, sem piscar, ouvindo o pavor lá fora. Cada tiro parecia mais perto, e cada grito era uma facada no peito. Eu olhei pra Júlia e vi que, apesar do medo, ela tava firme. Era isso que me dava força. Favela tava pegando fogo, mas nós dois távamos ali, de pé, prontos pra enfrentar o que viesse.
O celular vibrou no bolso, e quando vi o nome do Vitor na tela, já sabia que coisa boa não vinha. Atendi meio no susto, e a voz dele tava tensa, quase gritando do outro lado.
Vitor: "Davi, cadê você, mano? A polícia tá invadindo! Tão subindo com tudo, precisamos de ajuda urgente. O dono mandou chamar todo mundo pra fortalecer."
Eu engoli seco, o coração disparado. A invasão tava rolando de verdade, e o bagulho ia ficar feio. Olhei pra Júlia, que percebeu na hora que era problema.
Davi: "Tô em casa, Vitor. Mas tá suave, já tô indo aí. Segura as pontas que já chego."
Vitor: "Se agiliza, mano. A quebrada tá cheia de polícia, o clima tá pesado. A gente tá precisando de todo mundo na contenção."
Eu desliguei e dei uma olhada pra Júlia. Ela já tava com os olhos cheios de lágrimas, entendendo que o papo era sério e que não tinha muito o que fazer.
Júlia: "Davi, não vai. Por favor, você não precisa disso. Deixa eles se virarem, cê não é bandido."
Davi: "Ju, não é sobre ser bandido ou não, mano. Os caras tão contando comigo. O dono, os vapores, a galera toda. Não posso deixar os moleques na mão."
Ela começou a chorar mais forte, segurando meu braço como se pudesse me impedir de ir. Eu sabia que era arriscado, mas não tinha escolha. O morro precisava de ajuda, e eu tinha que colar lá.
Júlia: "Davi, pelo amor de Deus, não faz isso. Eu tô implorando."
Davi: "Ju, eu prometo que vou voltar. Mas eu não posso deixar os meus na guerra. Confia em mim, tá?"
Júlia chorava, e eu só conseguia pensar que precisava voltar inteiro pra não deixar ela sozinha. Dei um último abraço, sentindo ela se agarrar a mim como se fosse a última vez.
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É os Bigode da Firma.
Adventure"É os Bigode da Firma" é minha história, onde eu, Davi, vivo na quebrada. Me meto em amor e traição, e quando rola um lance com a Isadora, mulher do dono do morro, a parada fica tensa por uns motivos ai. A vida vira um caos, e no meio do funk e das...