Davi, um rosto pode esconder dores.

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Tava ali de boa, sentado na calçada, tragando meu cigarro e encarando o mundo com aquele olhar de quem já viu demais. O sol rachando, devia ser umas uma da tarde, e a rua tava no silêncio típico de depois do almoço. Nem passava uma alma viva. Só eu, a fumaça subindo no ar e meus pensamentos perdidos.

De repente, escuto o rangido do portão de casa. Olho de canto de olho e vejo a tampinha, quer dizer, a Júlia, chegando toda empolgada. Ela tava pulando igual quem ganhou uma medalha de ouro. E quando ela chega perto de mim, solta um sorriso daqueles que ilumina mais que o sol.

Júlia: "Olha, meu pé tá bem melhor!"

Assopro a fumaça devagar, olhando pra ela com aquele sorriso sem graça. Faço aquela cara de quem não vai deixar barato.

Davi: "Tá melhor, hein, tampinha?"

Ela ri baixinho, se senta do meu lado, dando uma relaxada, apoiando os braços nos joelhos, e fica ali, quietinha. Eu continuo mexendo no cigarro, sem muita pressa de fazer algo.

Júlia: "Você não devia fumar, sabia? Isso faz mal."

Dou uma risada curta, meio debochado, e reviro os olhos, como se o papo já fosse o de sempre. Acho que todo mundo acha que vai me convencer a largar o vício.

Davi: "Ah, vai começar, né? Cê acha que alguém aqui vive até os 90?"

Ela revira os olhos, mas não insiste. Só fica ali, com a cabeça erguida, admirando o céu, como se o mundo lá em cima fosse mais interessante que o aqui. Aí, ela começa a mexer num pedacinho de papel que achou no chão, distraída.

Júlia: "Mó calor, né? Bora fazer alguma coisa mais tarde?"

Dou mais uma tragada, não muito empolgado. Tava meio sem vontade de fazer qualquer coisa, mas, ao mesmo tempo, uma resenha na laje até que poderia ser uma boa.

Davi: "Tipo o quê? Não tenho pique pra muito, não."

Júlia: "Ah, sei lá... Chama o Pedro, a gente faz uma resenha na laje. Só pra descontrair."

Fico ali, pensando, dando mais uma tragada no cigarro. Resenha na laje sempre acabava em bagunça, mas já tava precisando de algo assim pra dar uma agitada no dia.

Davi: "Tá, pode ser. Mas só se você ficar de boa e não for dar chilique se eu zoar com a tua cara."

Ela dá um soquinho no meu ombro, quase rindo.

Júlia: "Ah, cê que lute! Já tô acostumada com as tuas palhaçadas."

Aí, a gente continua ali, jogando conversa fora, rindo de coisa besta. Às vezes, só esses momentos simples já fazem o dia valer a pena, né?

A gente continuou ali, curtindo o sol quente e a calma do momento. A rua ainda vazia, como se o resto do mundo tivesse se esquecido de existir. Eu só me deixava levar pela brisa e pela conversa boba.

Júlia ainda tava mexendo no papel, distraída, mas dava pra ver que ela tava pensando em alguma coisa. Não demorou muito, e ela olha pra mim com aquele olhar meio curioso.

Júlia: "Davi, você já pensou em sair da favela, sei lá... começar uma vida diferente?"

Eu dou uma olhada nela, meio sem entender de onde veio aquela pergunta, mas não me surpreendo. Júlia sempre se questiona sobre o futuro, enquanto eu vivo no presente.

Davi: "Sair da favela? Sei lá, tampinha, é onde a gente cresce, onde a gente conhece todo mundo... e mesmo se eu quisesse sair, cê acha que seria fácil?"

Ela dá de ombros, como quem não quer forçar nada, mas eu percebo que a pergunta ficou no ar, como uma dúvida que não se cala.

Júlia: "Às vezes eu fico pensando... Não que eu queira ir embora, mas... é complicado, né?"

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