Entre Feitiços e Silêncios

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Nos dias que se seguiram, a tensão entre Snape e S/N parecia palpável, como uma força invisível que os prendia em um campo de batalha silencioso. Os olhares furtivos e as palavras medidas que trocavam a cada encontro ressoavam mais do que qualquer feitiço conjurado em sala de aula.

Snape parecia estar sempre por perto. Ele a observava de uma maneira intensa, como se procurasse descobrir algum segredo, algo que talvez nem mesmo ela soubesse nomear. As aulas se tornaram provas de fogo, e qualquer interação — por menor que fosse — despertava um misto de ansiedade e uma estranha antecipação. S/N sabia que não podia deixar transparecer o que sentia. O mínimo deslize e ele saberia que algo mais profundo a prendia a ele, algo que ela nem ao menos conseguia confessar a si mesma.

Uma tarde, enquanto atravessava o Salão Principal, o viu parado ao lado do quadro de avisos. A postura rígida e a capa negra caíam ao redor dele como um manto de sombras. O olhar dele a encontrou antes que ela pudesse pensar em desviar. Ele estreitou os olhos, um brilho calculista e algo mais, difícil de decifrar, dançava nas profundezas escuras.

— Srta. S/N — murmurou, a voz baixa, mas firme, soando como um comando. — Preciso falar com você. No meu escritório.

Ela sentiu o coração saltar no peito, mas manteve a expressão neutra. Não sabia o que esperar dessa convocação. As últimas interações com Snape haviam sido ainda mais estranhas e intensas do que o habitual. Desde que ele começara a desconfiar que algo estava fora do lugar, as coisas haviam mudado. Os olhares pareciam mais penetrantes, e as palavras, por mais ásperas que fossem, continham uma carga emocional que ela não sabia como lidar.

Ele não esperou pela resposta e virou-se em direção aos corredores sombrios que levavam ao subsolo. S/N o seguiu em silêncio, os passos ecoando pelo chão de pedra. O ar ao redor deles parecia mais pesado, carregado de uma tensão quase palpável.

Ao chegarem ao escritório, Snape abriu a porta e indicou uma cadeira diante da mesa. S/N entrou e se sentou, o olhar correndo pelas paredes repletas de estantes e frascos. Snape fechou a porta atrás de si, e por um instante, o único som era o crepitar da lareira.

— Sente-se — disse ele, e ela já estava acomodada. Ele contornou a mesa e se sentou à frente dela, as mãos entrelaçadas sobre a madeira escura. Os olhos dele não se desviavam do rosto dela, um peso que ela suportou com dificuldade.

O silêncio se prolongou. Snape parecia estar escolhendo as palavras com cuidado. Finalmente, ele se inclinou ligeiramente para a frente.

— Há algo que preciso... entender — começou, a voz baixa, como se não estivesse acostumado a falar daquela forma. — Algo que me intriga.

Ela sentiu o estômago se contrair. As mãos dela se apertaram no colo, os dedos entrelaçados numa tentativa de manter a calma.

— O que deseja saber, professor? — perguntou, forçando-se a manter o tom neutro.

Snape não respondeu de imediato. Ao invés disso, abriu uma gaveta da mesa e, com um movimento lento, tirou um pequeno objeto prateado. Um anel. O anel que ela deixara para trás na boathouse naquela noite fatídica.

— Este anel — murmurou, girando-o entre os dedos longos e pálidos. — Estava ao meu lado quando acordei naquela noite. Nunca consegui entender como chegou lá, até recentemente.

Ela engoliu em seco. O anel, que por tanto tempo representara um símbolo de sua decisão precipitada, de sua necessidade desesperada de salvar Snape, agora parecia brilhar com uma verdade que ela não tinha como negar.

— É seu, não é? — perguntou ele, sem tirar os olhos dela.

S/N hesitou, mas sabia que negar seria inútil. Fechou os olhos por um breve momento e respirou fundo antes de responder.

— Sim, é meu. — A voz saiu num sussurro, carregada de todas as emoções que ela tentou esconder por tanto tempo.

A expressão de Snape permaneceu inalterada, mas algo em seus olhos escureceu.

— Então foi você — disse ele, mais para si mesmo do que para ela. — Você me salvou naquela noite. — Havia um tom de incredulidade, como se ele ainda estivesse processando a revelação.

— Eu... eu não podia deixá-lo morrer — disse ela, sentindo a garganta se apertar. — Por mais que... por mais que o senhor sempre tenha me desprezado, eu não podia. Porque... — Ela parou, procurando as palavras. — Porque, por mais que tudo apontasse para o contrário, eu não o odiava, professor.

Snape ergueu uma sobrancelha, como se a ideia fosse tão absurda que ele não soubesse como reagir. Mas ele permaneceu em silêncio, esperando que ela continuasse.

— Eu sei que... que é difícil de acreditar. Mas eu nunca consegui odiá-lo. — Ela olhou para ele, os olhos cheios de uma vulnerabilidade que jamais havia mostrado. — Talvez, de alguma forma, eu sempre... — As palavras se dissiparam no ar, mas o significado ficou claro.

Snape se levantou de repente, a cadeira rangendo sob o movimento brusco. Ele andou de um lado para o outro, o anel ainda preso entre os dedos. O silêncio no escritório se tornou insuportável, uma pressão que a fazia querer gritar ou sair correndo. Qualquer coisa que rompesse aquela incerteza.

Finalmente, ele parou e se virou para encará-la. Quando falou, a voz saiu mais suave do que ela jamais havia ouvido.

— E por que não disse nada? Por que fingiu todo esse tempo? — perguntou ele, as palavras carregadas de uma confusão quase dolorosa.

Ela abriu a boca, mas não conseguiu encontrar a resposta certa. Não queria admitir o quanto se sentia intimidada por ele, o quanto as palavras dele a atingiam. Como poderia explicar que, mesmo depois de todos os insultos, algo dentro dela sempre desejou vê-lo de outra forma? Que havia um sentimento crescendo em seu peito, por mais irracional que fosse?

— Porque o senhor nunca me daria uma chance — disse, finalmente, a voz quase inaudível. — Nunca acreditaria que eu poderia me importar... comigo.

Ele franziu o cenho, o olhar sombrio fixo nela. S/N pôde ver um conflito interno se desenrolando nos olhos dele, como se ele estivesse lutando contra algo que nem ele próprio conseguia definir.

— Você acha que eu sou incapaz de... — Snape interrompeu-se, os lábios se fechando num traço fino. Ele parecia prestes a dizer algo, mas se conteve.

O silêncio que se seguiu foi longo e carregado. Quando ele finalmente falou, a voz era mais baixa, mais contida.

— Eu não sei o que fazer com isso, S/N. — Ele não usou o título formal, e isso a fez erguer o olhar. — Não sei como lidar com... sentimentos que não compreendo.

Ela o encarou, sentindo uma pontada de esperança e medo se misturarem.

— Não precisa fazer nada — murmurou. — Não espero nada do senhor, professor. Só queria que soubesse que... por mais que o senhor tente, não consigo odiá-lo. E, talvez, nunca tenha conseguido.

Snape permaneceu em silêncio, os olhos escuros fixos nela. Quando se moveu, foi para se aproximar, o rosto tão próximo que ela pôde sentir a respiração dele.

— Você é uma tola — murmurou, mas a voz soava quase gentil. — Uma tola por desperdiçar esses sentimentos em alguém como eu.

Ela sorriu, um sorriso pequeno e triste.

— Talvez seja. Mas é tarde demais para mudar isso.

Por um momento que pareceu se estender para além do tempo, eles apenas se olharam, compartilhando algo que não precisavam nomear. Quando Snape finalmente se afastou, a expressão no rosto dele era indecifrável.

— Isso não muda quem eu sou — disse ele, mais para si mesmo do que para ela. — Mas, pelo que vale, Srta. S/N... agradeço por ter salvado minha vida.

Ela assentiu, sem conseguir falar. Havia tanto que queria dizer, mas as palavras pareciam insuficientes.

Snape deu um último olhar para o anel, então o colocou sobre a mesa e se virou para sair.

— Não é o fim, Srta. S/N — murmurou ele antes de abrir a porta. — Apenas... o começo de algo que ainda não consigo entender.

E com isso, ele saiu, deixando-a sozinha com o peso de tudo o que não foi dito.

Signum FortitudinisOnde histórias criam vida. Descubra agora