Sombras da Verdade

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O ar de Hogwarts parecia ainda mais opressor nas semanas que se seguiram àquela detenção. Para a maioria dos alunos, o retorno à rotina era uma tentativa de resgatar o que haviam perdido durante a guerra. Mas, para S/N, cada dia era um teste de sua força de vontade, um esforço contínuo para manter o olhar afastado de Snape durante as aulas, para não revelar nada quando ele cruzava seu caminho nos corredores.

Snape, por outro lado, parecia ainda mais determinado e frio. Sua presença pairava sobre a escola como uma sombra, e os boatos de que ele havia sobrevivido por pura sorte se espalhavam como fogo. Ele ignorava as murmurações e os sussurros de alunos e colegas, focado em um único objetivo: descobrir a identidade de sua misteriosa salvadora.

O anel continuava a incomodá-lo. A cada noite, ao se sentar em seus aposentos, ele o estudava minuciosamente. Havia algo naquele objeto simples, mas carregado de magia, que não o deixava em paz. A energia que pulsava do metal parecia sussurrar segredos ao seu ouvido, e ele odiava não conseguir entendê-los.

Uma Conversa Oportuna

— Parece que algo anda perturbando seu sono, Severo. — A voz tranquila e aveludada de Minerva McGonagall ressoou pelo gabinete de Snape, onde ele estava concentrado em um livro de feitiços antigos.

Snape ergueu os olhos, surpreso com a interrupção. McGonagall, como sempre, era a imagem da contenção e autoridade. Seu rosto estava mais envelhecido, as marcas de tristeza e fadiga claramente visíveis após os acontecimentos da guerra, mas sua determinação permanecia inabalável.

— Não sabia que você havia desenvolvido habilidades de Legilimência, Minerva — respondeu ele secamente, fechando o livro com um estalo.

Ela não se intimidou com a resposta ríspida. Sabia que, debaixo daquela fachada intransponível, havia algo mais. Algo que estava corroendo Snape por dentro.

— Não é Legilimência — disse ela calmamente, caminhando pelo gabinete e lançando um olhar rápido ao ambiente, notando a pilha de pergaminhos e livros desorganizados. — Mas eu conheço você o suficiente para perceber quando está sendo consumido por uma questão sem resposta.

Snape franziu a testa, o desconforto visível. Minerva sempre teve um olhar aguçado, uma habilidade de perceber coisas que ele preferia esconder. Mas, agora, ele não podia se dar ao luxo de evitar o assunto.

— Estou tentando entender algo, apenas isso. — Ele fez um gesto vago em direção à pilha de livros. — Há lacunas que preciso preencher.

Ela assentiu, o olhar se suavizando.

— É sobre aquela noite, não é? — perguntou ela suavemente, como se temesse provocar uma reação explosiva.

Snape não respondeu imediatamente. Em vez disso, levantou-se e caminhou até a janela, observando os terrenos de Hogwarts. A luz pálida do luar lançava sombras longas e sinistras pelo gramado.

— O que você sabe, Minerva? — murmurou ele, o tom mais suave do que o habitual. — Sobre... quem me ajudou?

McGonagall cruzou os braços, pensativa.

— Quase nada. Não houve relatos de quem estivesse por perto. Apenas... um boato de que alguém o retirou da boathouse antes que as forças de Voldemort tomassem o lugar. Quem quer que tenha feito isso desapareceu antes que pudesse ser visto. — Ela parou, avaliando a reação dele. — Mas, por que isso é tão importante para você, Severo? Não basta que tenha sobrevivido?

Snape apertou os lábios em uma linha fina, a irritação se misturando com frustração. Sobreviver nunca fora o suficiente. Não quando tantas perguntas ficavam sem resposta. Ele retirou o anel do bolso, girando-o entre os dedos enquanto continuava a olhar para o lado de fora.

— Não foi sorte — murmurou. — Quem me salvou sabia exatamente o que estava fazendo. As poções e feitiços utilizados para estancar o veneno e o sangramento... — Ele fez uma pausa, tentando controlar a raiva que borbulhava sob a superfície. — Quem quer que tenha sido, não era apenas um estudante qualquer.

Minerva arqueou uma sobrancelha, surpresa com o detalhe.

— Está sugerindo que algum aluno, ainda em formação, tenha esse nível de habilidade?

Snape fechou o punho ao redor do anel, os olhos queimando com uma raiva que ele não conseguia explicar.

— Não estou sugerindo. Estou afirmando. — Ele se virou para encará-la, os olhos escuros fixos nos dela. — Alguém aqui, alguém em Hogwarts, me salvou. E eu preciso descobrir quem foi.

Uma Descoberta Inesperada

Enquanto isso, S/N fazia o possível para manter o foco nas aulas. Evitava Snape ao máximo, mas sabia que ele estava mais atento do que nunca. Era como se, a cada passo que ela dava, ele estivesse observando, esperando que ela cometesse um deslize.

Na biblioteca, ela passava os olhos rapidamente pelos livros de Poções. Estava à procura de algo que a ajudasse a entender melhor o que havia feito naquela noite. Embora soubesse que os feitiços de cura e poções que usara foram eficazes, ainda sentia que havia mais para aprender.

Ao puxar um volume empoeirado da prateleira superior, um pedaço de pergaminho caiu silenciosamente no chão. Franziu o cenho, pegando-o delicadamente. Reconheceu a caligrafia imediatamente — era um rascunho de Snape, provavelmente deixado ali por engano.

O pergaminho continha notas sobre o veneno de Nagini e possíveis antídotos. No final, havia uma anotação rápida, quase desesperada:

"Os efeitos do veneno não foram neutralizados apenas por poções comuns. Há um resíduo de magia que não consigo identificar. A energia se assemelha a... algo que não reconheço. Algo mais puro, mais... protetor?"

S/N sentiu um calafrio subir pela espinha. Ele estava mais perto do que ela imaginava. Se Snape continuasse naquele caminho, descobriria a verdade em questão de dias, talvez menos.

O medo pulsava em seu peito, mas havia uma parte dela — uma parte tola e esperançosa — que queria que ele soubesse. Queria que ele entendesse por que ela havia feito o que fez, mesmo que isso significasse encarar o desprezo dele.

Com o pergaminho em mãos, ela hesitou. Deveria destruí-lo? Guardá-lo? Antes que pudesse tomar uma decisão, um barulho atrás dela a fez virar.

— Parece que eu não sou o único interessado em venenos raros esta noite. — A voz de Snape cortou o ar, baixa e fria.

S/N congelou, segurando o pergaminho com força. Ele estava parado ao lado da estante, o olhar fixo nela. Não havia como se esquivar. Ele a havia seguido — ou talvez apenas estivesse procurando exatamente o que ela havia encontrado.

— Deixe-me adivinhar — ele disse, dando um passo à frente, a expressão fechada. — Você está pesquisando como alguém conseguiu neutralizar o veneno de uma cobra que poucos bruxos ousam enfrentar?

S/N sentiu o sangue gelar. Cada fibra de seu ser gritava para correr, para mentir, para fingir que era coincidência. Mas, em vez disso, ela ficou onde estava, o olhar cravado no dele.

— Talvez eu esteja apenas curiosa, professor. — Sua voz saiu calma, mas havia um tremor quase imperceptível nela.

Snape estreitou os olhos, como se tentasse decifrar cada palavra, cada expressão. O silêncio que se seguiu foi insuportável. Ele deu mais um passo, até estar a apenas alguns centímetros de distância.

— Se eu descobrir que você está escondendo algo... — começou ele, a voz baixa, mas carregada de ameaça — eu não terei misericórdia, S/N.

O estômago dela revirou. Segurando o pergaminho com mais força, ela se endireitou.

— Não tenho nada a esconder — murmurou, antes de virar as costas e sair da biblioteca, sem olhar para trás.

Quando desapareceu pelas portas, Snape olhou para o lugar onde ela estava e, lentamente, seu olhar caiu sobre o espaço vazio em suas mãos. Algo estava errado. S/N tinha mais do que curiosidade naquele momento. E ele não descansaria até descobrir exatamente o que era.

Signum FortitudinisOnde histórias criam vida. Descubra agora