Capítulo 16 - Engrenagens

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Elijah se acostumou a viver como um homem condenado apenas aguardando a morte. Ele nunca esperou viver depois do fim da guerra, mas também nunca esperou morrer antes mesmo da guerra começar.

Depois de viver por décadas sob grilhões figurativos e literais. Depois de viver como um peão na mão de dois jogadores cruéis. Ele agora se via perdido diante da liberdade que nunca se permitiu sonhar em recuperar, era estranho tem mais ordens para obedecer ou um senhor para servir, sem segredos para guardar. Ele era livre, mesmo que não conseguisse compreender o real significado disso ainda. Ele era novamente dono de si mesmo e de seu próprio destino, ele se via estupidamente perdido e sem propósito.

Com toda essa liberdade, ele se sentia vazio. 

Por mais melancólico que fosse, ele estava tão acostumado a ser manipulado e controlado, que nunca se permitiu desejar nada além da sobrevivência. Agora que essa sobrevivência estava garantida, ele percebeu, com certa resignação, que não sabia o que queria. Talvez fosse por isso que ele se via perdido, pois viver apenas para um objetivo externo o protegeu de ter que encarar seus próprios desejos.

E ainda agora por mais que tentasse se concentrar em encontrar um propósito para seguir em frente um dia após o outro, ele ainda não conseguia apagar as cicatrizes de quem fora. Severus Snape, o espião, o servo duplo. Ele ainda sentia as marcas dessas identidades em sua alma, como feridas que não cicatrizavam.

Contudo ele agora tinha uma vida toda pela frente para se curar, descobrir o que quer ser ou fazer de agora em diante.

Conforme os dias passavam, ele se pegava cada vez mais conformado com essa nova realidade. Era estranho pensar em um futuro, em construir algo quando nunca se tinha permitido sonhar com isso. 

Cansado de chafurdar em auto piedade e incerteza, Elijah começou a caminhar para um dos laboratórios de poções da mansão. 

O laboratório era um refúgio onde ele sempre se sentia mais no controle, onde o caos da vida exterior se transformava em ordem metódica e previsível. Fermentar poções o ajudava a relaxar, a clarear a mente e pensar com mais calma sobre sua situação atual. 

Para ele, havia algo profundamente fascinante na forma como os ingredientes reagem uns aos outros, cada um carregando seu próprio potencial único. A arte de preparar poções era delicada e exigente. Até a mais mínima variação de temperatura, o movimento errado da colher ou uma fração de segundo de descuido poderiam comprometer o resultado final, ou pior, causar um acidente infeliz.

Para Elijah era através da arte da fermentação que ele encontrava uma paz indescritível. O mundo podia estar desmoronando ao seu redor, mas ali, ele só precisava se preocupar com o próximo passo, cronometrar o tempo exato da decocção, cortar, esmagar ou fatiar com precisão os ingredientes. 

Ele amava esse controle, essa capacidade de desligar-se de tudo o que o assombrava e focar apenas no processo. Enquanto caminhava pelo espaço familiar, ele começou a arrumar a bancada, organizando os instrumentos, limpando o caldeirão, preparando os ingredientes com cuidado meticuloso.

Decidiu por preparar uma nova remessa de lágrimas da lua e balas de sangue eufóricas, ambas receitas que ele ajudou Evan a aperfeiçoar antes do início das aulas. 

Elijah tinha orgulho de sua contribuição nesse projeto, mesmo que não fosse um grande fã de criança, lobisomens ou vampiros, poder fazer uma diferença tão significativa na vida de outras pessoas e receber o reconhecimento apropriado a sua contribuição aquecia seu interior de uma forma agradável.

Conforme os ingredientes começavam a reagir no caldeirão, e o vapor suave se elevava, ele se permitiu afundar no conforto desse ritual metódico, o som borbulhante trazendo-lhe tranquilidade.

Evandrew PeverellOnde histórias criam vida. Descubra agora