Capítulo IV

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Estela riu, um som doce e despretensioso, enquanto comentava algo sobre os exageros estéticos da arquitetura barroca de uma igreja que havia estudado. Seus olhos brilhavam com aquele interesse peculiar, e eu a observei por um breve momento, fascinado por como ela parecia estar mais e mais à vontade em nossas conversas. As semanas haviam passado, e de alguma forma, eu me habituara à sua presença frequente. Depois da última missa, ela sempre surgia, sentando-se nos bancos vazios para conversar sobre a faculdade, fazer perguntas sobre minha rotina como padre ou simplesmente compartilhar algum detalhe de sua vida cotidiana.

Eu me encontrava, cada vez mais, apreciando esses momentos. Era uma interação simples, despretensiosa, que se tornara parte do meu dia, como se fosse uma extensão natural de minha vocação. Havia uma alegria tranquila em vê-la frequentar o templo, interessada nos assuntos do Sagrado. Estela fazia perguntas curiosas sobre as atividades que eu realizava na paróquia, e me sentia bem em compartilhar com ela esses momentos de serenidade. No entanto, naquela tarde, ela me surpreendeu com uma pergunta que fez meu coração falhar por um instante.

— Padre Gregório, o que você faz além de ser padre? — perguntou com uma leve travessura em sua voz.

A pergunta me pegou de surpresa. Fiquei em silêncio por alguns segundos, ponderando se deveria ou não falar sobre minha prática da natação ou minha paixão secreta por poesia. Seria isso adequado? Contar a ela sobre esses momentos mais íntimos? Eu me repreendi por considerar cruzar essa linha, por mais inofensiva que pudesse parecer. Afinal, certos limites deveriam ser respeitados — por mim e por ela, para o bem de ambos.

— Eu dedico meu tempo a Deus e às atividades da paróquia — respondi, com um sorriso reservado, tentando manter a postura formal. Mas, ao ver seu olhar divertido, percebi que a resposta não a convencera.

Estela me inquiriu com seus olhos esverdeados e cheios de vida, claramente não satisfeita.

— Só isso? — ela provocou com curiosidade.

Tentando mudar de assunto, inverto a pergunta.

— E você, Estela? Gosta de fazer algo além da faculdade?

Ela hesitou por um segundo, o brilho no olhar se apagando levemente, antes de responder com uma melancolia que não esperava.

— Eu gosto de desenhar... — disse, sua voz mais evasiva, quase triste. — Sempre preferi desenhar retratos de pessoas, mais do que os projetos de arquitetura...

Eu não poderia imaginar isso. Esperava uma resposta mais animada, mas havia algo no jeito como ela disse aquilo que sugeria uma tristeza velada, algo que rondava seu olhar, sem se deixar mostrar completamente. Me preparei para sondar mais a fundo, mas ela rapidamente tentou retomar o tom leve da conversa.

Enquanto ela falava, gesticulava de forma meio desajeitada, movendo as mãos com entusiasmo. O contraste entre sua animação e a leve tristeza anterior me fazia prestar mais atenção em seus gestos. Eu não sabia exatamente o porquê, mas me via cada vez mais atento aos pequenos detalhes, como se houvesse algo nos movimentos de Estela para além do que ela queria mostrar. Era a segunda vez que notava uma mudança súbita em seu humor, embora agora, diferente da ocasião na biblioteca, fosse mais sutil. Uma oscilação interna que apenas alguém atento perceberia. Havia uma profundidade ali, algo que eu ainda não compreendia por completo, mas que parecia ressoar com a tristeza silenciosa que ela carregava no fundo do coração.

— Mas sério, não tem nada que o senhor goste além da religião? — insistiu, com aquele brilho travesso voltando a seus olhos.

Eu refleti por um instante, percebendo que, de algum modo, valia a pena ser um meio para que aquele brilho voltasse à superfície. Mesmo que fosse apenas sua curiosidade juvenil, havia algo de revigorante em vê-la assim, mais leve, e talvez fosse essa leveza o que ela mais precisava naquele momento.

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