Capítulo XI

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Estava sozinho em meu quarto. A luz do fim da tarde atravessava as cortinas, mas o peso em meu peito tornava tudo mais escuro. Horas haviam se passado desde a saída furiosa de Estela da igreja, e eu havia cancelado todas as minhas atividades seguintes. Sentia-me mal, não apenas fisicamente, mas também emocionalmente e, acima de tudo, espiritualmente.

Eu me sentia uma farsa. Como poderia me colocar diante do altar, diante das imagens sagradas, depois de tudo o que havia feito? Não poderia disfarçar, muito menos ignorar a traição que pesava em minha consciência. Eu já não podia orientar Estela com o coração puro de um padre, porque meus sentimentos haviam traído minha vocação, se transformando em algo muito mais confuso, profundo e perigoso, carregado de paixão. Eu a desejava como homem, e já não podia mentir para mim, nem para Deus.

Com essa verdade, vinha também a culpa por ter traído a confiança dela. Passei por cima de sua vontade, desrespeitando sua decisão de não envolver os pais sobre sua saúde. Ao pegar o número do seu celular, na noite de seu aniversário — uma noite que deveria ser de celebração e alegria —, sabia que havia cruzado o último limite da minha ética pessoal e sacerdotal.

Respirei fundo e olhei para o meu celular, relendo a mensagem que enviei na noite anterior:

"Boa noite, Sra. Beatriz Monteiro. Meu nome é Gregório, sou o sacerdote da paróquia de Nossa Senhora da Luz. Conheço sua filha, Estela, e gostaria de expressar minha preocupação com a saúde dela. Ela está enfrentando um câncer e, por isso, achei necessário informar à senhora."

Meu coração apertava ao lembrar de como digitei aquelas palavras, tentando acreditar que fazia o que era certo. Agora, cada frase me atingia como um golpe. Estela tinha razão. Eu não queria admitir que estava com medo — medo de perdê-la para o câncer, mas, em especial, medo dos meus próprios sentimentos. Queria protegê-la, só que ao mesmo tempo, traíra sua confiança.

Sabia que precisava me afastar, deixá-la aos cuidados de alguém mais apropriado, alguém que pudesse acompanhá-la durante todo o tratamento, dia e noite. Não podia mais continuar tão próximo sem ceder à paixão que me consumia e, acima de tudo, sem expô-la aos inevitáveis danos colaterais — os boatos maldosos, os olhares de reprovação, as notícias que certamente se espalhariam na universidade, entre seus amigos e, mais cedo ou mais tarde, até sua família.

Engoli em seco ao reler a resposta que chegou pela manhã:

"Bom dia, padre Gregório. Estou a caminho da cidade. Precisamos conversar."

Senti um frio se espalhar por todo o meu corpo. Certamente, Estela também havia recebido uma mensagem da mãe naquela manhã, o que a levou a vir me confrontar na igreja. Agora, cabia a mim dar explicações àquela senhora, sabendo que minhas palavras determinariam o rumo dos embates inevitáveis entre mãe e filha.

Eu não conseguia entender por que Estela insistira tanto em manter a família alheia de sua doença e do tratamento, ao ponto de nos levar a esse grave momento. Seria por orgulho? Ou medo de que eles a vissem definhar sob os efeitos da quimioterapia? Ou, talvez, fosse fruto daquela resignação silenciosa que eu tanto tentara combater nela, o sentimento persistente de que seu fim era inevitável, levando-a a desistir da própria vida?

Mas, agora, essas questões não me cabiam. Eu havia destruído toda a confiança que Estela depositara em mim. Por mais que estivesse preocupado sobre os desdobramentos entre ela e sua mãe, eu não tinha mais o direito de interferir. Tudo estava, agora, nas mãos de Deus. E o mais amargo era admitir que sequer me sentia digno de proferir o Seu nome, muito menos pedir a Sua intervenção ou proteção sobre Estela.

 E o mais amargo era admitir que sequer me sentia digno de proferir o Seu nome, muito menos pedir a Sua intervenção ou proteção sobre Estela

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