Capítulo VIII

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A tarde avançava com o sol projetando sombras longas pelos vitrais da igreja, e eu me preparava para conduzir mais uma missa. A rotina do serviço a Deus, que sempre me trazia paz e propósito, parecia seguir como qualquer outro dia. A tranquilidade da paróquia era um reflexo do meu estado de espírito, ao menos por fora. Internamente, sabia que algo em mim estava diferente. As últimas semanas haviam trazido tantas mudanças, tantas emoções que eu nunca imaginara sentir.

Enquanto folheava o Evangelho, escolhendo a passagem que serviria de guia para aquele sermão, meus olhos caíram em uma leitura que falava sobre amizade. Aquilo me tocou de forma especial, pois, nos últimos meses, a amizade havia se tornado um conceito muito profundo em minha vida. Não apenas como um ideal cristão, mas algo vivo e palpável, algo que eu agora via refletido na relação que construíra com Estela.

A reflexão era simples, mas tocante: "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos amigos" (João 15:13). A passagem me atingiu como um raio. Pensei em Estela, e no que eu estaria disposto a fazer por ela, por seu bem-estar e sua vida. Era essa a missão de um verdadeiro amigo e servo de Deus, certo? Dar tudo de si, sacrificar-se por aqueles que mais precisam. Dentro de mim, comecei a acolher com mais clareza o amor que habitava meu coração. Não queria vê-lo como algo pecaminoso, mas como um sentimento que, de forma pura e zelosa, eu poderia nutrir por ela.

Mas então a lembrança do nosso abraço, carregado de emoções, voltou com força, preenchendo meu peito e me arrancando um certo suspiro. Naquele momento, eu havia rompido barreiras que jurara nunca ultrapassar. Mais uma vez, precisei tomar algum tempo para acolher essa memória, tentando colocá-la sob lentes que minha vocação permitia.

Não queria, de modo algum, desviar-me do caminho de Deus. Esse caminho era minha vida, minha razão de existir, e tudo que fazia precisava estar à altura dessa missão. Por isso sabia que, para também continuar caminhando ao lado de Estela, precisaria estar sempre vigilante.

Enquanto proferia o sermão sobre a amizade para os fiéis presentes, minhas palavras pareciam fluir com inspiração divina. Meus olhos percorreram toda igreja, e então, pousaram sobre Estela, sentada mais próxima do altar do que o habitual. Era a primeira vez em muito tempo que a via participar tão ativamente de uma missa, e não apenas chegando ao fim, no crepúsculo, como costumava fazer. Aquela visão aqueceu meu coração de um modo que eu não soube descrever.

Era como se, naquele momento, tudo estivesse no lugar certo. O peso que eu carregava, o conflito interno que tanto me consumira, parecia se dissipar. Ali, cumprindo minha vocação e vendo Estela, o que eu havia sentido como uma batalha interna se transformava em algo sereno. A harmonia que buscava, agora estava diante de mim. Deus, de alguma forma misteriosa, havia entrelaçado nossas vidas, e naquele instante, eu conseguia vislumbrar os caminhos d'Ele com mais clareza.

Estela parecia mais forte, mais presente. Seus olhos, que tantas vezes vi carregados de tristeza, agora estavam atentos, vibrantes com o que ouvia. Era como se, de alguma forma, ela estivesse se reconectando com algo que, por muito tempo, parecia perdido. Senti-me grato, grato por poder ser um apoio para ela, por poder exercer meu papel de pastor, guiando-a de volta para a segurança de sua fé. Sentir isso não apenas me preenchia, mas reafirmava que estava no caminho certo.

Ao concluir a missa, abençoei os fiéis. Ao descer do altar, Estela ainda estava sentada, aguardando o fim da dispersão dos outros paroquianos. Eu soube que ela viria falar comigo — como fizera tantas outras vezes. E meu coração, admito, esperava por isso.

Ela se aproximou com um sorriso delicado e brincalhão, como sempre, que tanto me cativava.

— Padre Gregório, você parece um astro de rock com tantos fãs ao redor — comentou, olhando para os paroquianos que iam embora depois de trocar algumas palavras comigo.

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